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Governo Trump

Trump foi muito mais ligeiro ao rotular outras carnificinas como terroristas

Após dois ataques em 13 horas, as palavras enfim saíram da boca presidencial: supremacismo branco e terrorismo

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Rio de Janeiro

​Enfim, as palavras saíram da boca presidencial: supremacismo branco e terrorismo.

Donald Trump deu um passo adiante ao aplicar esses termos aos dois massacres que, num espaço de 13 horas, acumularam 31 vítimas em Ohio e Texas

Ao menos no atentado na texana El Paso, com mais de 80% de hispânicos, as motivações racistas são mais claras.

Autoridades acreditam que seu autor publicou um manifesto contra a "invasão hispânica" na internet 19 minutos antes da primeira ligação sobre o ataque ao 911, o serviço de emergência dos EUA. ​

O presidente dos EUA, Donald Trump, visto por meio de visor de câmera de TV ao discursar na Casa Branca
O presidente dos EUA, Donald Trump, visto por meio de visor de câmera de TV ao discursar na Casa Branca - Saul Loeb/AFP

O presidente dos EUA foi muito mais ligeiro ao rotular outras carnificinas como terroristas. Ainda candidato, não perdeu tempo ao tuitar horas após o atentado na Pulse, boate LGBTI em Orlando, em 2016: "Aceito os parabéns por estar certo sobre o terrorismo do islã radical". 

Meses antes, já candidatíssimo, comentou sobre dois muçulmanos terem usado bombas e armas para matar 14 na californiana San Bernardino: seria "outro desastre islâmico" perpetrado por um casal terrorista.

A primeira manifestação do presidente sobre os ataques de agora mencionou um "ato de covardia", o que incomodou celebridades como Rihanna.

Em redes sociais, a cantora nascida em Barbados reagiu: "Hmm… Donald, você soletrou 'terrorismo' errado! Seu país teve dois ataques terroristas que deixaram quase 30 inocentes mortos. Isso dias depois de outro ataque terrorista na Califórnia, onde um terrorista pôde comprar LEGALMENTE um rifle (AK-47) em Vegas, dirigir por horas até um festival gastronômico [...], deixando mais seis mortos, inclusive um menininho".

Potencial rival em 2020, Elizabeth Warren, pré-candidata democrata à sua sucessão, também o cobrou: um presidente, disse à CNN, não deveria "piscar, acenar e sorrir" para supremacistas, uma ameaça doméstica tão perigosa quanto o terrorismo internacional.

Sim, Trump deu nome aos bois desta vez. Em compensação, voltou boa parte de seu discurso desta segunda (5) na Casa Branca para responsabilizar videogames e doenças mentais pela dupla matança no país que lidera. 

Também passou ao largo de políticas mais duras para o controle de armas.

É uma estratégia previsível vinda dele, diz à Folha Robert Shapiro, professor de ciências sociais da Universidade Columbia.

"Ele tenta desviar do assunto falando de comportamentos loucos. Trump não está confortável usando o termo 'supremacistas brancos' porque ele tem sido acusado de encorajá-los."

Racismo e xenofobia não são ingredientes estranhos à oratória do homem que se diz "a pessoa menos racista que você vai conhecer". E olha que esse histórico vai longe.

Nos anos 1970, sua empresa imobiliária chegou a ser processada pelo Departamento de Justiça americano, que acusava o então corretor de recusar inquilinos negros, com medo de que a presença deles desvalorizasse seus imóveis.   

Empilham-se exemplos em sua trajetória que fazem supremacistas salivar, de chamar imigrantes mexicanos de "estupradores" dispostos a trazer crimes e drogas aos EUA, ao lançar sua campanha presidencial, a sugerir mais recentemente que quatro deputadas democratas que representam minorias retornem aos "locais totalmente quebrados e infestados de crimes dos quais vieram".

Ah, sim: todas estão legais nos EUA. 

Há um cálculo político quando Trump tira o pé do acelerador diante de barbaridades praticadas em nome do supremacismo, segundo Shapiro.

Afinal, ao igualar um extremista branco a um muçulmano radicalizado, corre riscos em sua base eleitoral. 

O presidente já titubeou antes. E preferiu não fazê-lo.

Quando um atirador abriu fogo contra mesquitas na Nova Zelândia e matou 51 pessoas, em março, Trump falou em "ato perverso de ódio".

Nenhuma palavra sobre terrorismo ou supremacismo branco.

Naquele mesmo dia, o americano declarou que não via o nacionalismo branco como uma ameaça global.

"Acho que é um grupo pequeno de pessoas que tem problemas muito, muito sérios", disse após a chacina cometida por um terrorista de extrema direita que, num manifesto online, enaltecia Trump como "símbolo de uma identidade branca renovada" e mirava inclusive o Brasil, que, "com toda a sua diversidade racial, está completamente fraturado como nação". 

Novo escrutínio veio em abril. Um jovem de 19 anos entrou numa sinagoga, no último dia da Páscoa judaica, e matou uma mulher.

O líder dos EUA, é verdade, não hesitou em condenar o ataque. 

Mas não passou batida sua escolha de palavras para tanto. De novo, discorreu sobre um crime motivado pelo ódio. Nem um pio sobre aqueles que pregam a superioridade branca e praticam terrorismo em nome dela. 

Um dia antes do atentado em El Paso, o mandatário reforçou uma fala prévia sua sustentando que havia "pessoas ótimas nos dois lados" no embate que opôs supremacistas e opositores em Charlottesville (Virginia), no primeiro ano de seu governo, 2017.

Uma manifestante antiextremismo morreu atropelada na época.

Por mais que seja eleitoralmente vantajoso para Trump insistir na ideia de um inimigo externo, o terrorismo doméstico matou mais americanos do que o extremismo islâmico depois do 11 de setembro 2001, segundo o FBI. 

Em editorial, o The New York Times explica por que defende chamar as coisas pelos nomes. Se um dos atiradores tivesse aderido ao radicalismo islâmico, diz o jornal, "os recursos do governo americano e seus aliados internacionais seriam mobilizados sem demora". 

Futuros terroristas teriam dificuldade em acessar armas, dinheiros e fóruns virtuais para espalhar suas ideologias criminosas. Seus financiadores sofreriam sanções. Lugares de congregação estariam sob vigilância. 

"A nação tinha uma dívida com as vítimas do 11 de Setembro, para tomar medidas contra a infraestrutura vil que permitiu aos terroristas atingir seus objetivos naquela horrível terça-feira", afirma o NYT.

"Não devemos menos às vítimas em El Paso e às centenas de outras vítimas do terrorismo nacionalista branco em todo o país."

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