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145 executivos dos EUA pedem que Congresso atue contra violência armada

Alta do número de ataques a tiros provocou reação de grandes empresas

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Andrew Ross Sorkin
The New York Times

Em um apelo direto e urgente para o combate à violência armada nos Estados Unidos, executivos de algumas das empresas mais conhecidas do país enviaram uma carta aos líderes do Senado na quinta-feira (12) pedindo a ampliação das verificações de antecedentes criminais em todas as vendas de armas de fogo, assim como leis mais fortes de controle.

"Não fazer nada contra a crise de violência armada nos Estados Unidos é simplesmente inaceitável. Está na hora de apoiar o público americano sobre a segurança com armas", escreveram os chefes de 145 empresas, incluindo Levi Strauss, Twitter e Uber.

Manifestantes participam de ato de mães contra a violência armada em Nova York
Manifestantes participam de ato de mães contra a violência armada em Nova York - Johannes Eisele - 18.ago.2019/AFP

A carta —que pede ao Senado, de maioria republicana, que aprove projetos de lei já apresentados na Câmara dos Representantes, sob domínio democrata— é o esforço mais concentrado da comunidade empresarial para ingressar no debate sobre armas, uma das questões mais polarizadoras do país e que durante muito tempo foi considerada tabu.

O debate e a decisão de assinar —ou não— são um estudo de caso sobre como os executivos-chefes devem avaliar suas próprias opiniões e os riscos políticos para suas empresas.

"Até certo ponto, esses CEOs estão colocando suas empresas em risco, dado o peso político que isso tem", disse Chip Bergh, executivo-chefe da Levi Strauss, empresa cuja calça jeans é há muito tempo um símbolo americano.

Bergh passou os últimos dias tentando convencer seus colegas a se unirem a ele e a defensores do controle de armas como a Everytown, financiada em parte por Michael Bloomberg.

"Os líderes corporativos não têm medo de se envolver agora", acrescentou. "Os CEOs estão preparados para atuar sobre coisas que afetarão seus negócios, e a violência armada está afetando os negócios de todos agora."

Bergh disse que ficou animado com as conversas. "A maré está virando", disse ele, citando uma série de pesquisas recentes que mostram que a maioria dos americanos de ambos os partidos apoia verificações de antecedentes e leis de controle.

"As pessoas estavam começando a ter uma mentalidade muito mais aberta", disse, mesmo quando a discussão não terminou com uma assinatura.

No entanto, ele também está se preparando para uma reação. "Isso foi distorcido pela NRA [Associação Nacional do Rifle, de lobby pró-armas] quando tentamos revogar a Segunda Emenda", disse Bergh. "Nada está mais longe da verdade."

O movimento ganhou força desde o mês passado, quando um ataque a tiros em uma loja Walmart em El Paso (Texas) matou 22 pessoas. Um dia depois, nove pessoas foram baleadas e mortas em Dayton, em Ohio.

"A violência armada nos Estados Unidos não é inevitável; é evitável", escreveram os executivos.

"Precisamos que nossos legisladores apoiem leis sensatas sobre armas que possam impedir tragédias como essas."

Além da ampliação das verificações de antecedentes criminais, eles pressionam o governo a permitir que os tribunais federais emitam liminares para vetar que pessoas consideradas em risco de violência tenham acesso a armas, sob uma legislação conhecida como Lei de Bandeira Vermelha.

Há uma semana, o Walmart, a maior varejista e maior empregadora do país, escreveu sua própria carta ao Congresso, pressionando por um debate sobre o recuo em relação a armas de assalto, hoje proibidas.

A empresa também anunciou que removeu certas munições e armas de suas prateleiras e desencoraja o porte explícito em suas lojas.

Outros varejistas seguiram o exemplo, alterando suas políticas de porte, incluindo Kroger, CVS, Walgreens e a cadeia de supermercados Wegmans.

Entre os autores da carta de quinta-feira estão os líderes de Airbnb, Gap, Pinterest, Lyft, Brookfield Property Group e Royal Caribbean.

No entanto, faltam na lista algumas das maiores empresas financeiras e de tecnologia dos EUA, como Apple, Facebook, Google, JPMorgan Chase e Wells Fargo, algumas das quais discutiram internamente se assinariam a missiva.

Duas empresas que ratificaram o documento correm o risco de causar reações negativas em Washington: a Thrive Capital, cujo fundador, Joshua Kushner, é irmão de Jared Kushner, genro do presidente Donald Trump, e a Bain Capital, empresa de administração de fundos de investimento cofundada pelo senador republicano Mitt Romney, de Utah.

A carta é o exemplo mais recente do engajamento da comunidade empresarial em uma área política sensível —às vezes com relutância— durante a Presidência Trump.

Executivos já criticaram a política de imigração de Trump e sua reação à violência supremacista branca em Charlottesville, na Virgínia. O presidente ofereceu em várias ocasiões apoio a políticas mais fortes sobre armas de fogo antes de se afastar.

Alguns dos signatários planejam pressionar os legisladores em Washington, mas não está claro qual o volume de recursos financeiros que as empresas estariam dispostas a destinar a essa questão.

Alguns executivos assinaram sem hesitar. Outros ponderaram, muitas vezes criando um debate estridente dentro de seus escritórios e em seus conselhos administrativos, apenas para decidir que o risco político era alto demais.

Mais de meia dúzia deles falaram sobre suas deliberações sob a condição do anonimato, devido à sensibilidade das conversas.

Mark Zuckerberg, do Facebook, não assinou, apesar de ter dito a colegas que concordava com verificações de antecedentes mais rígidas, disseram duas pessoas envolvidas na conversa.

Com o Facebook sob escrutínio federal —e enfrentando uma série de críticas de republicanos que afirmam que a plataforma da empresa silencia vozes conservadoras—, Zuckerberg decidiu que o ativismo nessa questão apenas intensificaria os holofotes sobre a empresa, disseram essas pessoas.

Outros dentro do Facebook argumentaram que é uma responsabilidade moral pressionar por leis mais responsáveis sobre a venda de armas.

Preocupações semelhantes foram levantadas pela liderança do Google, proprietário do YouTube, que foi palco de um tiroteio no ano passado. A empresa anunciou recentemente uma política interna que dificultaria a adesão à carta.

Essa política inclui esta linha: "Nossa responsabilidade principal é fazer o trabalho para o qual cada um de nós foi contratado, e não gastar tempo trabalhando em debates sobre tópicos não relacionados ao trabalho".

O executivo-chefe da Uber, Dara Khosrowshahi, assinou. As diretrizes da empresa proíbem armas em seus veículos, seja para motoristas ou para passageiros. Depois que ele apoiou o documento, a Lyft, principal rival da Uber, fez o mesmo.

Vários executivos disseram que uma das maiores preocupações de ordem prática é se essa postura levará a confrontos nas lojas com clientes furiosos que portam armas. Estariam colocando seus funcionários em perigo ou trata-se apenas de uma discussão desconfortável sobre uma questão polêmica?

Até bancos como o Citigroup e o Bank of America, que se distanciaram publicamente dos fabricantes de armas neste ano ao encerrar os empréstimos e as relações bancárias com essas empresas, recusaram-se a assinar a carta.

Depois que essas instituições financeiras tornaram suas posições públicas neste ano, elas foram repreendidas pelos legisladores republicanos. O estado de Louisiana aprovou uma lei que impede os bancos de ofertar títulos para o Estado.

"Pessoalmente, acredito que as políticas desses bancos são uma violação aos direitos dos cidadãos da Louisiana", afirmou o tesoureiro do estado, John Schroder.

"Ninguém vai me convencer de que manter esses dois bancos nesse processo competitivo vale a renúncia a nossos direitos."

Para melhor ou pior, os executivos estão se posicionando cada vez mais em questões sociais. 

Não é novidade. A luta da cadeia de lojas Hobby Lobby contra a cláusula da Lei de Acesso à Saúde que prevê o fornecimento de métodos contraceptivos mostra que esse posicionamento não se limita a causas progressistas— e está crescendo. ​

Em alguns casos, essas manobras aconteceram por necessidade, como no episódio em que os CEOs não puderam contar com uma resposta forte de Washington após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi.

Isso provocou uma enxurrada de ligações entre alguns dos principais executivos do país sobre como lidar com uma conferência organizada pela Arábia Saudita, cujo príncipe herdeiro estava implicado no desaparecimento e na morte de Khashoggi.

Mas nos últimos três anos as empresas se envolveram em questões sociais como imigração, mudança climática e raça de uma maneira que seria impensável há dez anos. Na quinta-feira, as empresas voltaram-se para o problema da violência armada.

A carta sugeria que as verificações de antecedentes em todas as vendas de armas eram uma "solução de bom senso, com vasta aceitação pública".

Várias pesquisas revelaram apoio superior a 90% a essas políticas. O mercado está exigindo ação —e as empresas estão ouvindo.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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