Descrição de chapéu The New York Times

Como a China usou robôs no Twitter para invalidar protestos em Hong Kong

Postagens, feitas em mais de 200 mil contas e escritas em diversas línguas, desmereciam ativistas

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Raymond Zhong Steven Lee Myers Jin Wu
The New York Times

A conta misteriosa no Twitter tinha muito a oferecer a pessoas que gostam de tênis profissional, futebol europeu e tabloides britânicos.

Desde o ano passado, ela passou a reproduzir notícias, geralmente em inglês, sobre Roger Federer e a Premier League, além de compartilhar notícias do tipo caça-cliques sobre a buldogue fêmea inglesa Zsa Zsa, vencedora do concurso de Cão Mais Feio do Mundo em 2018.

De repente, porém, a conta começou a postar em chinês materiais sobre uma obsessão diferente: a política de Hong Kong e da China continental.

No verão deste ano ela já virara um “soldado” numa campanha oculta para influenciar a opinião das pessoas a respeito de uma das maiores crises políticas do mundo.

Esta conta no Twitter, @HKpoliticalnew, e mais de 200 mil outras eram parte de uma ofensiva enorme de desinformação ao estilo russo, mas originária da China, diz a rede social agora. É a primeira vez que a gigante tecnológica americana atribui uma campanha desse tipo ao governo chinês.

Não é de hoje que a China emprega propaganda política e censura para sujeitar seus cidadãos a narrativas aprovadas pelo governo. À medida que cresce o lugar ocupado pelo país no mundo, Pequim vem recorrendo cada vez mais às plataformas de internet que bloqueia dentro da China, incluindo Twitter e Facebook, para promover sua agenda no restante do planeta.

A China vem fazendo isso em parte através de contas que cria nas plataformas de seus veículos noticiosos dirigidos pelo Estado, como o Diário da China, para apresentar argumentos públicos a favor de suas posições. Mas isso é muito diferente de usar contas falsas para manipular opiniões de modo oculto ou simplesmente para semear confusão.

“O objetivo final é controlar a discussão”, opinou Matt Schrader, analista da China junto à Aliança para Proteger a Democracia, do Fundo Marshall Alemão, em Washington.

No mês passado, o Twitter fechou quase mil contas que disse fazerem parte de um esforço dirigido pelo estado chinês para solapar os protestos antigoverno em Hong Kong. A empresa também suspendeu outras 200 mil contas que, afirmou, estavam ligadas à operação chinesa, mas ainda não estavam muito ativas.

Manifestantes com guarda-chuvas e equipamentos de proteção enfrentam a polícia em Kowloon Bay, Hong Kong - Lillian Suwanrumpha - 24.ago.2019/AFP

O Facebook e o YouTube seguiram seu exemplo. Todas as três plataformas são bloqueadas na China continental, mas não em Hong Kong.

Os 3,6 milhões de tuítes enviados pelas contas representaram uma campanha menos sofisticada e montada mais às pressas do que a campanha lançada pela Rússia durante a eleição presidencial de 2016, disseram pesquisadores do Australian Strategic Policy Institute em pesquisa publicada neste mês.

Em vez de tomar o tempo para montar personalidades online plausíveis, embora falsas, os operadores da campanha parecem ter simplesmente comprado contas no mercado global clandestino de influência nas redes sociais, onde seguidores e retuítes custam pouco.

As contas postavam materiais em indonésio, árabe, português e outras línguas. Promoviam serviços de encontros, postavam sobre boy bands coreanas e retuitavam mensagens sobre música pop-punk.

“Como pessoa de Hong Kong que ama Hong Kong, sinto saudades da Hong Kong do passado, que era desenvolvida e regida pelas leis”, escreveu  @derrickmcnabbx em chinês no dia 15 de junho. O local de origem da conta foi descrito como Georgia, nos Estados Unidos. Antes de 2019, quase todos seus tuítes eram ligados à pornografia.

Os autores do estudo australiano escrevem que a abordagem “de força bruta” sugere que a operação deve ter sido “uma resposta pronta à dimensão e força inesperadas dos protestos em Hong Kong, e não uma campanha planejada com bastante antecedência”.

Perguntado no mês passado se o governo era responsável pelas contas fechadas pelo Twitter e Facebook, um representante do Ministério do Exterior chinês disse que não sabia nada sobre o assunto.

Em seu anúncio, o Twitter disse pouco sobre como determinou que as contas que fechou eram controladas pelo Estado. A empresa disse que faz um monitoramento de rotina para detectar campanhas desse tipo, mas se negou a dar maiores informações.

O governo chinês bloqueia o Twitter na China continental, mas, segundo a empresa, algumas das contas foram operadas a partir de endereços de internet chineses não bloqueados.

Foi verificado que parte das atividades teve origem em endereços em Pequim, segundo uma pessoa familiarizada com a investigação do Twitter, mas que pediu para ficar anônima, temendo sofrer retaliações do governo.

Já há alguns sinais de que o Twitter não fechou a campanha chinesa completamente. Nick Monaco, do Institute for the Future, um think tank com sede em Palo Alto, na Califórnia, identificou 17 contas que têm fortes semelhanças com as que o Twitter fechou, mas que continuam ativas.

Algumas das contas postaram mensagens que correspondem exatamente a outras que o Twitter deletou. As contas usam o mesmo software de terceiros que muitas das contas removidas pelo Twitter para postar mensagens com temas semelhantes, de uma maneira aparentemente coordenada.

Depois de o New York Times ter mostrado as descobertas de Monaco ao Twitter na semana passada, a empresa fechou as contas, mas se negou a dizer conclusivamente se elas faziam parte da mesma rede apoiada pelo estado.

Muitas contas identificadas originalmente pelo Twitter tinham difundido mensagens pró-governo durante outras crises de relações públicas de Pequim.

Um grande número de mensagens desse tipo começou a aparecer em 2017, depois de o empresário exilado Guo Wengui ter começado a acusar líderes seniores chineses de corrupção. Isso levanta a questão de o porquê de o Twitter não ter fechado essas contas antes.

Durante algumas de suas campanhas de tuítes, as contas postavam principalmente em dias úteis, um sinal de que as contas eram comandadas por funcionários que trabalhavam no horário comercial.

Durante meses, uma conta postou mensagens caluniando Guo, a cada 1 hora, aos 12 minutos e aos 42 minutos de cada hora, o que sugere que a atividade fosse automatizada.

Algumas das contas parecem ter sido abertas por usuários legítimos, mas “sequestradas” mais tarde.
Os primeiros quatro anos de posts de uma das contas, @emiliya_naum, soavam como os de uma adolescente americana comum.

Ela mandava mensagens longas, em tom amoroso, para @justinbieber e disse que dançou o twerk em seu quarto para festejar a vitória de Barack Obama em 2012. Ela catalogava seus estados de ânimo e refletia sobre suas paixões passageiras.

“O cara de quem eu gosto odeia minha melhor amiga, e vice-versa. #IssoNãoÉBom”, ela escreveu em 2012.
Então, como muitos outros usuários do Twitter, ela deixou sua conta ficar em silêncio –até o verão deste ano, quando ressurgiu fazendo a defesa da polícia de Hong Kong.

“Polícia de Hong Kong, é isso aí, estamos do seu lado!”, ela escreveu em chinês. “Entendemos o que vocês estão passando.”

Não foi possível determinar se @emiliya_naum foi operada originalmente por uma pessoa real. Não foram encontradas contas com esse nome no Facebook, Instagram ou outras grandes plataformas sociais.

A maioria das contas que o Twitter deletou teve dificuldade em viralizar com suas mensagens pró-Pequim. Muitos de seus posts mais retuitados eram links para pornografia e vídeos de animais.

Elise Thomas, uma das autoras do estudo australiano, disse que o baixo nível de profissionalismo sugere que a campanha não tenha sido obra do Exército de Libertação Popular nem do Ministério de Segurança do Estado, que já foram vinculadas no passado a campanhas chinesas de ciberespionagem e informação.

“Eu me surpreenderia se o ELP fosse responsável, porque esperaria mais competência de sua parte”, disse Thomas.

Tradução de Clara Allain

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