Descrição de chapéu The New York Times Brexit

David Cameron, o premiê que detonou o brexit, sente muito, muito mesmo

Ex-primeiro-ministro quebrou seu silêncio em rádio para promover seu novo livro de memórias

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Londres | The New York Times

O ex-primeiro-ministro britânico David Cameron lamenta. Ele lamenta que o referendo do brexit não tenha sido do jeito que ele queria. Ele lamenta que a Grã-Bretanha esteja paralisada por disfunção política e que ninguém pareça saber o que fazer agora. Ele lamenta que as pessoas (incluindo, ao que parece, a rainha) estejam com raiva dele.

"Sinto muito por muitas coisas", disse ele em entrevista na quinta-feira (19).

Faz três anos que a Grã-Bretanha se chocou ao votar pela saída da União Europeia em um referendo convocado por Cameron, três anos de sua saída precipitada de Downing Street e três anos desde que ele falou publicamente sobre o assunto.

E se seus detratores neste país profundamente dividido sentem que ele se comportou como um personagem de um filme de ação que coloca uma bomba e depois se afasta da explosão, com o paletó jogado despreocupadamente sobre o ombro, enquanto o fogo arde atrás dele -- bem, ele também sente muito por isso.

David Cameron, após Grã-Bretanha votar para deixar a União Europeia, em junho de 2016.
David Cameron, após Grã-Bretanha votar para deixar a União Europeia, em junho de 2016. - Phil Noble/REUTERS

Embora ele não pense que foi o que aconteceu.

"Não havia sentido em 'deixar outra pessoa cuidar disso' -- era que eu realmente achava que não seria capaz de fazê-lo", disse ele, respondendo à acusação de ter adotado uma abordagem "Eu quebrei, vocês consertem" após o referendo.

"Sou um péssimo duvidoso, preocupado e detalhista, e penso naquela decisão com frequência", continuou ele. "Eu não queria renunciar. Adorava ser primeiro-ministro. Mas não achava que houvesse uma alternativa."

Há um certo grau de raiva reprimida no ar do ex-primeiro-ministro, que quebrou seu silêncio no rádio para promover seu novo livro de memórias, "For the Record" [literalmente, "para registro"]. Ele esteve circulando a semana toda, entrevista após entrevista, finalmente respondendo a perguntas sobre seu papel no drama que consumiu o país.

Não tem sido fácil. O primeiro rascunho da história não foi gentil com ele. Até alguns outros membros do Partido Conservador dizem que ele convocou o referendo em 2016 por conveniência política, mais que qualquer outra coisa, para reprimir o mal-estar da direita que resmunga em seu partido.

Exemplo de opinião, do ex-ministro do Gabinete conservador Michael Portillo: convocar o referendo "será lembrado como o maior erro já cometido por um primeiro-ministro britânico".

Livro do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron em exibição em uma livraria no centro de Londres
Livro do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron em exibição em uma livraria no centro de Londres - Tolga Akmen/AFP

Entrevistando Cameron na ITV no início desta semana, o âncora Tom Bradby começou retransmitindo o que os membros do público lhe haviam dito: "Espero que você peça para ele pedir desculpas pela bagunça que deixou".

("Sinto muito por tudo o que aconteceu", respondeu Cameron, em um refrão agora familiar.)

Infelizmente para sua turnê de desculpas cuidadosamente orquestrada, até mesmo um detalhe relativamente inofensivo relacionado à realeza -- ele havia pedido à secretária particular da rainha Elizabeth 2ª que "levantasse uma sobrancelha, você sabe, meio centímetro" para ajudar o argumento do governo na votação da independência escocesa em 2014 -- lhe causou problemas nesta semana. Segundo reportagens na imprensa britânica, isso resultou em "um certo desagrado" no Palácio de Buckingham. Quanto ao brexit, sejamos claros: Cameron não se arrepende de ter realizado o referendo. O que ele lamenta é lidar mal com a campanha. Ele lamenta não ter argumentado de maneira mais persuasiva a favor da posição Ficar, não reconhecer a profunda insatisfação com a Europa em toda a Grã-Bretanha e não insistir, digamos, em que o assunto fosse decidido por mais do que uma maioria simples de votos.

"Eu aceito que minha abordagem falhou", escreve ele. "As decisões que tomei contribuíram para esse fracasso. Eu falhei."

Cameron disse que às vezes durante esses três anos tumultuosos -- o fracasso de sua sucessora, Theresa May, em obter seu acordo sobre o brexit aprovado pelo Parlamento; a elevação de Boris Johnson, seu antigo amigo, a primeiro-ministro -- foi difícil ficar quieto.

"Você está ansioso para dizer alguma coisa, mas quando você sai do palco é melhor calar a boca e deixar seu sucessor continuar", disse ele.

Cameron quase não viveu uma vida isolada. Ele está em vários conselhos e é presidente de uma instituição beneficente de Alzheimer, entre outras coisas. Joga tênis em um clube perto de sua casa no oeste de Londres. E diz que, quando as pessoas chegam e conversam com ele, o que acontece, por exemplo, nos supermercados de Ladbroke Grove ou Chipping Norton, os lugares luxuosos onde ele mora, nem sempre estão com raiva.

"Há pessoas que nunca vão me perdoar por realizar um referendo", disse ele. "Há também um grande número de pessoas que estavam fartas de continuar recebendo promessas de referendos, e nunca foram consultadas, e a UE mudou enormemente durante nosso tempo de filiação."

No livro, Cameron discute sua raiva e decepção com os aliados que o traíram em algum momento, mudando para o lado do Sair durante o referendo do brexit. Um deles, é claro, é Johnson, que, segundo Cameron, se considera mais do que o país.

"Enquanto Boris se importava com esse problema, era secundário a outra preocupação: qual seria o melhor resultado para ele?", escreve o ex-premiê.

Ele disse que ocasionalmente envia uma mensagem para Johnson e que espera que o atual primeiro-ministro faça a coisa certa: elaborar um acordo com a Europa e permitir o retorno ao Parlamento dos 21 deputados conservadores que votaram contra ele recentemente e foram expulsos do partido.

Ele se arrepende de acionar os acontecimentos que levariam à elevação de Johnson, que trouxe um novo tipo de caos à política britânica nos últimos meses?

Se ele também lamenta por isso, não dirá.

"Há psicodrama suficiente aqui sem torná-lo mais psicodramático", disse Cameron.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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