Descrição de chapéu Brexit

Diplomacia não é concurso de insultos, diz chanceler francês sobre tensão com Brasil

Ministro lamentou ofensas de Bolsonaro e Guedes à primeira-dama francesa

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Paris | AFP

A crise diplomática entre Brasil e França ganhou mais um capítulo de declarações.

O ministro de Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian (aquele que teve cancelado seu encontro com Jair Bolsonaro para o presidente aparecer cortando o cabelo no horário em que a reunião deveria acontecer) se pronunciou sobre as ofensas direcionadas à primeira-dama francesa, Brigitte Macron.

"Minha reação pessoal é que relações internacionais não se administram organizando, qualquer que seja o país, concursos de insultos. E é isso que está acontecendo", afirmou Le Drian em um programa político divulgado por três veículos de imprensa da França (Europe1, CNEWS e Les Echos).

O chanceler francês Jean-Yves Le Drian, durante reunião em Bruxelas - Johanna Geron - 15.jul.2019/Reuters

​Le Drian disse, ainda, que a maneira com que Brigitte Macron foi tratada, ainda mais por um ministro, é "indigna para a senhora Macron, para a França e para as mulheres, a começar pelas mulheres brasileiras, que protestaram contra esse tipo de declaração".

O chanceler, no entanto, destacou a boa relação de longa data que os países mantêm, ainda que seu encontro com Bolsonaro tenha sido cancelado.

"Encontrei meu colega [o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto] Araújo e tratamos de diferentes assuntos, entre eles ambientais."

Ele afirmou que, no encontro, havia-se decidido a criação de uma comissão com o Brasil e a França para tratar de temas ambientais.

"Então, eu não confronto os dirigentes atuais do Brasil sobre o que é a realidade do país, mas constato, infelizmente, a manutenção de propostas agressivas que não são aceitáveis."

No fim de sua resposta sobre o Brasil, ele reforçou que a França está disposta a uma colaboração que já existe, pois há muitas empresas, escolas e liceus franceses no país e há também brasileiros que amam a França.

Ofensas a Brigitte Macron

Na última quinta-feira (5), o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que Brigitte Macron “é feia mesmo”, defendendo um comentário do presidente Jair Bolsonaro feito há algumas semanas.

Horas mais tarde, ele se desculpou pelo o que classificou como "brincadeira".

No dia 24 de agosto, Bolsonaro endossou em uma rede social um comentário ofensivo contra a primeira-dama francesa.

Ao comentar uma publicação do mandatário brasileiro em sua página no Facebook, o seguidor Rodrigo Andreaça escreveu: "É inveja presidente do Macron pode crê (sic)".

A mensagem foi publicada junto a uma imagem, na qual se vê uma foto de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle Bolsonaro, abaixo de um retrato do presidente francês, Emmanuel Macron, e de sua mulher, Brigitte.

Ao lado das fotos dos casais, há os dizeres: "Entende agora por que Macron persegue Bolsonaro?".

O perfil de Bolsonaro respondeu a Andreaça: "Não humilha, cara. Kkkkkkk", dando a entender que as recentes críticas de Macron ao presidente brasileiro seriam motivadas por inveja da esposa do brasileiro.

Bolsonaro e Guedes estão um ao lado do outro. Bolsonaro está de braços cruzados e tem semblante sério, enquanto Guedes discursa e gesticula com o microfone na mão.
O presidente Jair Bolsonaro e ministro da Economia, Paulo Guedes, participam de um café da manhã em Brasília - Marcos Corrêa - 28.ago.19/PR

O presidente chegou a apagar sua resposta ao seguidor, mas não deletou o comentário com as imagens das primeiras-damas. Três dias após o episódio, negou que teria ofendido Brigitte Macron.

"Eu não botei aquela foto [de Brigitte]. Alguém que botou a foto lá, e eu falei para não falar besteira", justificou, dizendo ainda que não se desculparia.

"Não queiram levar para esse lado, que a questão pessoal e familiar eu não me meto. Eu sei porque falei para o cara não entrar nessa área."

Com as ofensas, os brasileiros inundaram as redes sociais repudiando a atitude de Bolsonaro com a hashtag #DesculpaBrigitte.

A primeira-dama agradeceu o apoio em entrevista durante visita ao norte da França.

"Apenas queria dizer, já que vejo que há câmeras, duas palavras para os brasileiros e as brasileiras, em português: 'Muito obrigada!' Muito, muito obrigada a todos que me apoiaram."

A declaração do presidente sobre Brigitte piorou ainda mais as relações franco-brasileiras, acirradas após Macron tomar a dianteira da reação internacional sobre as queimadas na Amazônia.

Crise diplomática

A troca de acusações entre eles levou à mais séria crise diplomática entre Paris e Brasília desde a década de 1960, na opinião de diplomatas europeus e brasileiros ouvidos pela Folha.

Em entrevista no âmbito da cúpula do G7 (clube dos países ricos) no último mês, o chefe de Estado francês chegou a afirmar que “é triste” ver ministros brasileiros insultarem líderes estrangeiros.

“Penso que as mulheres brasileiras sentem vergonha ao ler isso, vindo de seu presidente, além das pessoas que esperam que ele represente bem seu país”, afirmou o líder europeu, classificando as palavras do brasileiro sobre sua esposa como “extremamente desrespeitosas”.

"Como tenho uma grande amizade e respeito pelo povo brasileiro, espero que tenham logo um presidente que se comporte à altura [do cargo]", disse Macron. 


PASSADO DE ATRITOS ENTRE BRASIL E FRANÇA

Guerra da Lagosta (1961-1963) O governo brasileiro autorizou a França a realizar pesquisas sobre viveiros de lagosta na costa nordestina. A delegação francesa, porém, driblou a autorização e passou a pescar os crustáceos clandestinamente. A situação mobilizou as forças armadas dos dois países, mas não houve confronto bélico. Da crise, surgiu a frase “o Brasil não é um país sério”, dita pelo embaixador brasileiro Carlos Alves de Souza.
 
Acordo Nuclear com o Irã (2010) Sob mediação de Brasil e Turquia, o Irã assinou um acordo para a troca de urânio pouco enriquecido por combustível nuclear, no que o ex-presidente Lula chamou de “vitória da diplomacia”. Nicolas Sarkozy, então presidente da França, incentivara o acordo. No mês seguinte, recuou e votou, no Conselho de Segurança da ONU, por novas sanções contra o país persa.
 
Intervenção Francesa no Mali (2013) A França enviou mais de 2.000 soldados para combater grupos rebeldes islâmicos no Norte do Mali. A ex-presidente Dilma Rousseff criticou a ação e defendeu que o combate ao terrorismo não deveria violar direitos humanos ou “reavivar antigas tentações coloniais”. Sua fala não foi bem recebida.
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