Descrição de chapéu The Washington Post

Eleição presidencial testa a Tunísia, única democracia a emergir da Primavera Árabe

Crise econômica e tendência à radicalização desafiam os 26 candidatos que disputam o segundo pleito da história do país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Sudarsan Raghavan
Túnis | The Washington Post

Os tunisianos vão às urnas neste domingo (15) para uma eleição presidencial que é considerada um teste crucial para o país. A Tunísia foi a única democracia a emergir das revoltas da Primavera Árabe de 2011, mas enfrenta problemas econômicos e a ameaça do extremismo islâmico.

A eleição, segunda da história do país para eleger um presidente, ocorre menos de dois meses após a morte do presidente eleito em 2014, Beji Caid Essebsi, aos 92 anos. Antes da revolução, a ex-colônia francesa havia sido governada por dois dirigentes após conquistar sua independência em 1956.

Apoiadores do candidato Abdelfattah Mourou seguram bandeiras durante ato eleitoral em Tunis, na Tunísia - Muhammad Hamed/Reuters

Atualmente, 26 candidatos disputam a sucessão de Essebsi. A lista inclui secularistas, islamistas moderados e populistas, o primeiro candidato abertamente gay a disputar a liderança de um Estado árabe e um magnata da mídia que está preso.

A chegada pacífica à votação de domingo é um sinal de que a inexperiente democracia norte-africana vigora, ainda que solitária.

Em uma região governada por ditadores e monarcas, onde as eleições geralmente são fraudadas e as revoltas civis assolam as sociedades desde a Primavera Árabe, a Tunísia realizou debates presidenciais televisionados pela primeira vez no mundo árabe.

No Egito, por outro lado, todos os candidatos com credibilidade nas eleições presidenciais de 2018 foram presos ou expulsos, o que permitiu a Abdel Fattah al-Sissi, líder autocrático do país, vencer novamente com facilidade.

"Em uma região onde o comportamento democrático é escasso, a Tunísia tem uma importância enorme", afirma Daniel Twining, diretor do Instituto Republicano Internacional, que está no país com uma equipe de observadores para monitorar a votação. 

"O exemplo da Tunísia pode ser uma fonte de inspiração se suas instituições democráticas permanecerem resilientes e estabelecerem as bases para um país mais estável e próspero."

Os países vizinhos Argélia e Sudão passam por momentos semelhantes ao da Tunísia. Os protestos nas ruas da Argélia, que se desenrolam há mais de 30 semanas, não apenas expulsaram o antigo presidente Abdelaziz Bouteflika, como continuam exigindo reformas democráticas. 

No Sudão, as manifestações derrubaram o ditador Omar al-Bashir, e um acordo de compartilhamento de poder assinado no mês passado aproximou o país da democracia plena.

Mas a democracia na Tunísia já foi testada antes. Em 2013, o assassinato de líderes secularistas (movimento que define a relação entre religião e Estado), supostamente cometidos por islâmicos, desencadeou protestos e ataques de militantes à polícia. 

As tensões entre islâmicos e secularistas se intensificaram e dividiram o país. Grupos da sociedade civil somaram forças para integrar as facções que disputavam entre si, ação que resultou no Prêmio Nobel da Paz em 2015.

Embora o caminho da Tunísia hoje mostre sinais de uma democracia madura, o país enfrenta múltiplos desafios à sua estabilidade. 

O desemprego está crescendo, enquanto o padrão de vida caiu após cortes nos gastos públicos exigidos por um programa de empréstimos apoiado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). As más condições econômicas fomentaram protestos regulares.

Isso preocupa os observadores, em grande parte porque a revolução da Tunísia, que há oito anos desencadeou a onda de revoltas populistas no Egito, Líbia, Iêmen e em outros lugares, foi alimentada tanto pelo aumento dos preços, quanto pela ditadura corrosiva de Zine el Abidine Ben Ali, que mais tarde fugiu para o exílio.

"A questão definidora das eleições deste ano é se o Estado tunisiano pode atender às necessidades sociais e econômicas de sua população", escreveu Anthony Dworkin, analista da Tunísia no Conselho Europeu de Relações Exteriores, nesta quinta-feira (12). 

"A revolução de 2011 levou a um sistema político genuinamente competitivo, mas não entregou nenhum dividendo democrático aos cidadãos da Tunísia."

A falta de empregos e outras oportunidades foi uma das principais razões pelas quais milhares de jovens tunisianos partiram para lutar nas guerras na Síria e no Iraque —o país forneceu mais recrutas do que de qualquer outro no mundo. Muitos deles se juntaram à Al Qaeda e ao Estado Islâmico.

Com esses grupos em grande parte derrotados, centenas de militantes tunisianos retornaram a uma economia pior do que quando saíram. Autoridades locais e regionais temem que muitos outros voltem e propaguem suas ideologias e violência, o que potencialmente poderia prejudicar a única história de sucesso da Primavera Árabe.

Em 2015, o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade por dois ataques —na cidade turística de Sousse e no Museu Nacional do Bardo, na capital Túnis— que mataram dezenas de pessoas, a maioria delas turistas estrangeiros. 

No ano seguinte, combatentes do Estado Islâmico vindos da Líbia atacaram a cidade fronteiriça de Ben Guerdane. 

Algumas semanas antes da morte de Essebsi, o grupo também reivindicou dois atentados suicidas em Túnis.

Afiliados ao Estado Islâmico e à Al Qaeda estão recrutando ativamente moradores, especialmente em áreas pobres do interior e da fronteira, segundo autoridades de segurança da Tunísia e do Ocidente. 

Diplomatas ocidentais e especialistas no combate ao terrorismo dizem que enfrentar a crise socioeconômica da Tunísia é fundamental para impedir a radicalização de sua juventude.

Hoje, porém, a falta de progresso econômico e as disputas entre os inúmeros partidos do país geraram desconfiança pública generalizada do sistema político, de acordo com diversas pesquisas e analistas públicos.

A apatia dos eleitores aumentou. A participação nas eleições presidenciais e parlamentares em 2014 foi de 63% e 68%, respectivamente. Nas eleições municipais do ano passado, foram 34%.

A morte de Essebsi obrigou a eleição de domingo a ser antecipada em dois meses, deixando menos tempo para as autoridades eleitorais se prepararem. 

O ex-presidente às vezes era controverso, mas foi amplamente creditado como sendo a cola que mantinha os secularistas da Tunísia e o influente partido islâmico moderado Ennahda juntos em um governo de coalizão. Segundo alguns observadores, a união evitou conflitos civis e foi elogiada como um modelo de tolerância e harmonia política.

Com sua morte, a eleição se tornou um vale-tudo, com candidatos verossímeis de todo o espectro político buscando o poder. O resultado pode realinhar o cenário político do país, segundo analistas.

A morte de Essebsi "solidificou a morte de seu partido político e isolou seu filho, Hafedh Caid Essebsi, que agora está exilado na França e não tem futuro político", disse uma analista ocidental que falou sob a condição de anonimato por ser observadora de eleições. "Também abriu o caminho para novos rostos e vozes entrarem no cenário político."

Os novos rostos incluem Mohamed Moncef, presidente interino do país desde a queda de Ben Ali até 2014, Youssef Chahed, o atual primeiro-ministro, e Abdelfattah Mourou, primeiro membro do Ennahda a concorrer à Presidência desde a revolução. Em seguida está Abir Moussi, uma candidata inesperada e apoiadora confessa da trajetória do ditador Ben Ali.

Nabil Karoui, magnata da mídia e um dos principais candidatos, foi preso sob acusação de corrupção e sonegação de impostos. Ele nega os crimes. Segundo a lei tunisiana,  Karoui ainda pode concorrer à Presidência mesmo estando numa cela.

Como um candidato precisa de 50% dos votos para vencer, a expectativa é de que haja um segundo turno. A questão é: os tunisianos votarão em massa e darão mais credibilidade à sua democracia?

Alguns analistas enxergam a possibilidade ao contabilizar os milhões de telespectadores que assistiram aos debates pela televisão. E a comissão eleitoral registrou mais de 1,5 milhão de novos eleitores em um país de 11 milhões de pessoas.

"Muitos tunisianos ficaram irritados e frustrados com as instituições e os líderes políticos", disse a analista ocidental anônima. "Esta é uma chance para um novo começo e para as pessoas revigorarem seu espírito democrático."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.