A crise política causada pelas indefinições do brexit ganhou nesta quarta (4) um novo capítulo após o Parlamento britânico aprovar um projeto que proíbe o país de deixar a União Europeia sem antes ter um acordo com o bloco para regular a relação futura entre eles.
Mais tarde, em outra derrota para o primeiro-ministro Boris Johnson, os parlamentares votaram contra novas eleições gerais em 15 de outubro, um desejo do premiê.
As decisões foram interpretadas como declarações de guerra dos deputados contra o governo de Boris, que defende o divórcio com Bruxelas a qualquer custo.
Com apoio da oposição e de rebeldes do governista Partido Conservador, a medida que proibiu a saída sem acordo foi aprovada com 329 votos a favor e 300 contrários. Já a que barrou o pleito antecipado teve 56 votos contra e 298 a favor —eram necessários 434 votos para aprovar a medida.
O premiê respondeu dizendo que, 48 horas atrás, o líder da oposição Jeremy Corbyn queria "parar o golpe" e deixar as pessoas votarem. "Agora ele está dizendo 'pare as eleições' e 'impeça as pessoas de votarem'."
Boris criticou o fato de Corbyn "ter recusado o convite para uma eleição", acrescentando que acredita que o opositor não ganharia.
Nesta quarta, o líder trabalhista se pronunciou no Parlamento em crítica às iniciativas de Boris, principalmente no que se refere à ameaça de convocar novas eleições.
“Oferecer eleições antecipadas é como oferecer a maçã para a Branca de Neve porque o que se tem não é maçã ou eleições, mas o veneno de um ‘no deal’.
O premiê assumiu o cargo em julho prometendo que o brexit iria acontecer na data marcada —31 de outubro de 2019.
Mas, com a resolução que proíbe o desligamento sem um acordo, a saída agora pode ser adiada para o ano que vem, aumentando a incerteza que assola o país.
O texto aprovado estabelece que o governo britânico tem até o dia 19 de outubro para fechar um trato com Bruxelas, sede da burocracia europeia, e aprová-lo no Parlamento.
Caso isso não aconteça, o premiê deve pedir aos líderes europeus um adiamento de 90 dias do divórcio, até 31 de janeiro.
"O que nos une é a convicção de que não há apoio para [uma saída] sem acordo, e as consequências disso para nossa economia e para nosso país seriam muito pesadas", disse o deputado trabalhista Hilary Benn, autor da proposta.
Segundo o jornal Financial Times, os europeus estão dispostos a estender o prazo, desde que Londres tenha uma boa justificativa —a data inicial do divórcio era 29 de março de 2019, mas já foi adiada duas vezes.
Para virar lei, o projeto aprovado pelos deputados ainda deve passar pela Câmara dos Lordes (espécie de Senado) e receber a confirmação da rainha.
A previsão é que isso aconteça até segunda (9), quando o Parlamento deve ser suspenso por cinco semanas em função de uma manobra do premiê.
Com isso, o trabalho será retomado apenas na segunda quinzena de outubro, a poucos dias da data do brexit. Essa suspensão, apontada como estratégia para reduzir os debates, gerou diversos protestos no fim de semana por todo o país e que se repetiram nesta quarta em frente ao Parlamento.
O gesto de Boris visava reduzir o tempo que deputados teriam para bloquear uma saída abrupta do Reino Unido do bloco, como a que o líder conservador vinha repetidamente mencionando em discursos e entrevistas.
O primeiro-ministro afirmou nesta quarta que independentemente do que decidir o Parlamento, ele pretende fechar com a União Europeia um novo acordo de separação em 17 de outubro, data de uma cúpula do bloco.
Os líderes europeus, porém, têm se mostrado pessimistas com a possibilidade de fechar um pacto e afirmam que até o momento Boris não apresentou nenhuma proposta para isso.
O premiê havia avisado que não aceitaria a nova regra e pretendia convocar novas eleições para 15 de outubro.
Para o pleito acontecer, porém, a votação precisava ser aprovada por dois terços do Parlamento, e a oposição já declarou que só apoiará novas eleições após ter garantias de que o brexit sem acordo não acontecerá em nenhuma hipótese.
"Nós não seremos enganados ou ludibriados por Johnson, por isso estamos estudando todas as maneiras pelas quais, tendo garantido a legislação, ele não possa se esquivar de cumpri-la" disse John McDonnell, o número dois do Partido Trabalhista, a principal sigla de oposição.
A votação fora de época também pode ocorrer caso seja aprovada uma moção de desconfiança contra o premiê e, em 14 dias, não houver acordo para a formação de um novo governo.
Em condições normais, as eleições gerais no Reino Unido ocorrem a cada cinco anos —a próxima está marcada para 2022.
Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres ao bloco foi objeto de negociações formais entre os dois lados por mais de um ano e meio.
Porém, o pacto fechado entre a antecessora de Boris, Theresa May, e os europeus no fim de 2018 acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à renúncia da primeira-ministra em julho passado.
Entretanto, em uma reviravolta inesperada, os deputados podem ter que votar esse acordo outra vez em breve.
Isso porque durante a votação das emendas nesta quarta, foi aprovada uma proposta que estabelece que caso não exista nenhum acordo até o dia 19 de outubro, os parlamentares terão novamente que opinar sobre o acordo fechado por May —apenas se ele for rejeitado o premiê terá que pedir um adiamento do brexit.
Boris assumiu o cargo prometendo resolver o impasse, mas até o momento as coisas só ficaram mais complicadas.
Só na terça (3), o premiê viu sua maioria se esvair na Casa (sua coalizão atualmente tem um deputado a menos que a oposição) e presenciou trabalhistas e rebeldes conservadores se unindo para tirar do governo o poder de definir a agenda de votação nesta quarta.
Foi essa manobra que permitiu aos parlamentares aprovarem a proibição do brexit sem acordo.
Em resposta, o premiê ordenou a expulsão de 21 deputados do partido que votaram contra o governo —o grupo inclui dois ex-ministros das Finanças e o neto de Winston Churchill, célebre ex-premiê britânico.
A principal desavença entre Londres e Bruxelas é sobre o que fazer com a fronteira entre a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) e a República da Irlanda (país independente e membro da UE).
O bloco insiste em manter no documento uma cláusula (o “backstop”) que visa evitar a volta de controles alfandegários na fronteira entre as Irlandas. Mas o plano soa inadmissível para boa parte dos deputados britânicos –daí as três rejeições do texto até agora.
O governo britânico também afirma que está disposto a pagar, na melhor das hipóteses, 10 bilhões de libras (R$ 50 bilhões) como indenização para o bloco.
A União Europeia, por sua vez, já repetiu que, com ou sem aprovação de acordo pelo Parlamento britânico, o Reino Unido precisa pagar 39 bilhões de libras (R$ 195 bilhões) para se separar do grupo.
É isso, ou não haverá negociação de nova relação comercial entre os dois lados após o brexit.
Entenda a crise no Reino Unido
O início
Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres à União Europeia (UE) foi objeto de negociações formais por mais de um ano e meio.
Derrota de Theresa May
O pacto fechado pela então primeira-ministra, Theresa May, acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à renúncia da conservadora em julho passado.
A chegada de Boris...
O sucessor de May, Boris Johnson, assumiu o cargo prometendo resolver o impasse a qualquer custo até 31 de outubro de 2019, prazo final do brexit. Para isso, suspendeu o Parlamento por cinco semanas para evitar reveses na fase final de negociações.
...e a sua derrota
Nesta quarta (4), o Parlamento aprovou projeto que proíbe o país de deixar a UE sem antes ter um acordo para regular as relações comerciais futuras. Boris não aceitou a nova regra e tentou convocar novas eleições para 15 de outubro, mas a proposta foi derrubada.
A CRISE PARLAMENTAR NA EUROPA
Espanha
O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) ganhou com folga a eleição legislativa de abril deste ano, mas depende de outros partidos para formar maioria e dar início ao segundo mandato de Pedro Sánchez, líder do partido e atual premiê. Após sucessivas votações, não houve acordo, e Sánchez tem até 23 de setembro forjar uma aliança.
Se ele sair vitorioso, a Espanha terá seu primeiro governo de coalizão à esquerda desde 1936, quando eclodiu a guerra civil. Se o impasse persistir, novas eleições legislativas, a quarta em quatro anos, terão de ser realizadas em 10 de novembro.
Itália
Os partidos A Liga (direita nacionalista) e Movimento 5 Estrelas (antissistema) conquistaram votação expressiva nas eleições de março de 2018 e formaram governo. Em agosto deste ano, após desavenças, o líder da Liga, Matteo Salvini, convocou uma moção de desconfiança contra o governo e pediu novas eleições. Com popularidade em alta, Salvini almejava o posto de primeiro-ministro.
Em 20 de agosto de 2019, o premiê Giuseppe Conte, um independente, renunciou ao cargo. Após semanas de duras negociações, o 5 Estrelas e o Partido Democrático (centro-esquerda), adversários de longa data, chegaram a um acordo para formar governo e evitar novas eleições, reconduzindo Conte ao cargo de premiê.
A cerimônia de posse nesta quinta (5) apazigua a crise política, ao menos por enquanto, e simboliza a derrota de Salvini.
Reino Unido
Decidido em plebiscito de junho de 2016, o adeus de Londres à União Europeia (UE) foi objeto de negociações formais entre os dois lados por mais de um ano e meio. O pacto fechado pela ex-primeira-ministra Theresa May, no entanto, acabou rejeitado pelos deputados britânicos três vezes, levando à sua renúncia em julho passado.
Seu sucessor, o premiê Boris Johnson, assumiu o cargo prometendo resolver o impasse a qualquer custo até 31 de outubro de 2019, prazo final estabelecido. Mas nesta quarta (4) o Parlamento britânico aprovou projeto que proíbe o país de deixar a UE sem antes ter um acordo com o bloco para regular a relação futura entre eles.
Boris, que já havia decretado suspensão do Parlamento por cinco semanas para evitar reveses, não aceitou a nova regra e tentou convocar novas eleições para 15 de outubro, mas a proposta foi derrubada pelo Parlamento nesta quarta (4).
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