Descrição de chapéu The Washington Post Venezuela

Ex-chefe de inteligência diz que contou a Maduro sobre campos de guerrilheiros colombianos na fronteira

General afirma que regime venezuelano nunca tomou medidas contra os grupos

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The Washington Post

O mapa altamente sigiloso mostra um acampamento de guerrilheiros colombianos na margem sul de uma hidrelétrica nos pitorescos contrafortes dos Andes venezuelanos.

Alegadamente comandado por um combatente esquerdista conhecido como “comandante Lenin”, o lugar é um de vários acampamentos fortemente armados de combatentes que estariam lutando contra o governo colombiano e, ao mesmo tempo, praticando extorsão, sequestros, assassinatos e tráfico de drogas a partir de bases na Venezuela.

E, segundo o ex-chefe de inteligência da Venezuela, o ditador Nicolás Maduro tem pleno conhecimento disso.

O ditador da Venezauela, Nicolás Maduro
O ditador da Venezauela, Nicolás Maduro - Alexei Druzhinin - 25.set.2019/Sputnik/Kremlin/Reuters

Esses detalhes e outros —incluindo a localização aproximada e as atividades dos cartéis do tráfico e quadrilhas criminosas colombianas que operam em solo venezuelano— fazem parte de um relatório de inteligência que o general Manuel Ricardo Cristofer Figuera diz que entregou em mãos a Nicolás Maduro  em Caracas em novembro passado.

“Eu lhe entreguei uma pasta e lhe disse: ‘Veja, esta é a situação com os guerrilheiros’”, disse o ex-chefe de inteligência, que se voltou contra Maduro este ano e agora está nos EUA.

“Nunca tomaram medidas”, ele disse. “Daria para dizer que Maduro é amigo da guerrilha.”

Chefe do regime da Venezuela, Maduro há muito tempo expressa solidariedade ideológica pela guerrilha esquerdista do país vizinho. Mas negou acusações feitas por autoridades colombianas e outros de que seu governo teria cooperado com elas. Seu Ministério das Comunicações não respondeu a pedidos de comentários.

O Washington Post teve acesso a uma cópia do relatório confidencial, que traz novas alegações sobre o alcance do conhecimento pessoal que Maduro tem da presença e das atividades da guerrilha num momento de escalada acelerada das tensões na região.

Nesta quarta (25), durante seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente colombiano Ivan Duque afirmou que Bogotá entregará à ONU um dossiê contendo "provas conclusivas" de que Maduro apoia as guerrilhas

A evidência que as autoridades colombianas vão apresentar deve incluir fotos de guerrilheiros colombianos que elas dizem ter sido feitas em território venezuelano, além de resumos de documentos internos venezuelanos, alguns deles divulgados este mês pela revista colombiana Semana, indicando que o governo de Maduro estaria ativamente fornecendo apoio militar e logístico aos guerrilheiros.

No final do mês passado, alguns ex-líderes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a organização guerrilheira que durante décadas travou guerra contra o governo da Colômbia, anunciaram estar se retirando do acordo de paz de 2016, retornando à selva e retomando suas armas.

As autoridades colombianas disseram que o vídeo contendo o anúncio foi filmado na Venezuela.

Antes do anúncio, Maduro aparentou ter abraçado publicamente os comandantes do grupo dissidente, dizendo em julho que eles eram “líderes da paz” e que eram “bem-vindos na Venezuela”.

O governo de Maduro contra-atacou, acusando o líder oposicionista Juan Guaidó de estar trabalhando com organizações criminosas colombianas de direita. O ministro do Interior de Maduro, Nestor Reverol, apareceu na TV estatal este mês para mostrar fotos de Guaidó na companhia de dois suspeitos integrantes da organização narco-paramilitar colombiana Los Rastrojos, que, segundo o relatório ao qual o Washington Post teve acesso, opera na Venezuela.

Guaidó não negou a autenticidade das fotos. Disse que foram feitas durante a viagem breve que ele fez à Colômbia em fevereiro e que não sabia quem eram os homens.

“Não pedimos para ver os antecedentes criminais quando alguém quer fazer uma foto conosco”, ele disse a jornalistas em Caracas.

Segundo o relatório visto pelo Washington Post, pelo menos 600 membros das Farc e do ELN (Exército Nacional de Libertação) se reuniram em bases secretas no estado venezuelano do Amazonas.

O relatório aponta para uma presença muito maior envolvida em garimpos ilegais e outras operações ilícitas em uma faixa larga de território venezuelano que se estende da costa caribenha à fronteira com o Brasil.

O documento inclui fotos com nomes e codinomes de supostos guerrilheiros, além de narcotraficantes colombianos e membros colombianos de quadrilhas criminosas que estão operando na Venezuela.

“Não estou surpreso”, disse Francisco Santos, o embaixador colombiano aos Estados Unidos. “Na realidade, o relatório subestima a extensão atual da ação do ELN. Este cresceu no último ano e seus integrantes agora estão mais à vontade, porque o governo da Venezuela criou as condições para que eles trabalhem para ajudar-se mutuamente na região da fronteira.”

As alegações crescentes contra o regime de Maduro ocorrem no momento em que os EUA lideram um esforço internacional para afastar o ditador venezuelano, com algumas das sanções econômicas mais duras já impostas por Washington.

Este mês, quase uma dúzia de países do hemisfério ocidental concordou em evocar o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), pacto de 1947 que autoriza ações conjuntas como sanções econômicas, bloqueios navais e o uso de força militar.

O diálogo organizado pelo governo norueguês para chegar a um acordo entre o governo de Maduro e a oposição liderada por Guaidó fracassou. Os representantes de Maduro agora estão negociando com grupos oposicionistas menores.

Em resposta, os representantes de Guaidó estão pressionando os governos europeus, em especial, a adotar uma linha mais dura contra Maduro, para isolar um líder que no ano passado declarou vitória em uma eleição vista ampla como tendo sido fraudulenta.

As alegações de apoio venezuelano a guerrilhas colombianas vêm desde duas décadas atrás, no tempo de Hugo Chávez, o predecessor de Maduro. Mas líderes oposicionistas dizem que o apoio a essas guerrilhas, além das operações destas em território venezuelano, se intensificaram sob o ditador.

“Hoje está muito claro que as guerrilhas colombianas estão envolvidas em atividades ilegais na Venezuela e que o governo de Maduro é cúmplice nisso”, disse o líder oposicionista Leopoldo López, falando ao telefone da embaixada espanhola em Caracas, onde está refugiado desde o fracasso de um levante em 30 de abril.

“Isso contribui para abrir os olhos da comunidade internacional para a urgência de que sejam tomadas medidas.”

Figuera disse que encomendou o relatório ao qual o Washington Post teve acesso no final do ano passado, após um ataque letal do ELN contra um posto militar venezuelano.

A ação ocorreu depois de comandantes militares venezuelanos terem tomado a medida rara de prender quatro guerrilheiros colombianos em território venezuelano. Entre os detidos estava um comandante do ELN: Felipe Ortega Bernal, também conhecido como “Garganta”.

Figuera disse que quando entregou o documento a Maduro, este lhe mandou repassar o material a outros altos funcionários, entre eles o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López.

Segundo Figuera, Padrino López parecia compartilhar sua preocupação pelo fato de guerrilheiros colombianos estarem operando com impunidade em território venezuelano.

“Mas ele me disse que não tinha sido autorizado a empreender ações”, disse Figuera.

Um mês mais tarde, disse Figuera, um líder guerrilheiro colombiano sênior lhe pediu uma reunião pessoal. Ele teria procurado Maduro novamente. “Maduro me disse apenas: ‘Vou cuidar disso’”, falou Figuera. “Foi só isso. Assunto encerrado.”

Tanto o governo venezuelano quanto a guerrilha negam a existência de qualquer apoio logístico ou tático coordenado.

Em maio, o ELN, hoje o maior grupo guerrilheiro ativo da Colômbia, negou que mantenha tropas na Venezuela e que tenha qualquer lealdade a Maduro.

“Essas acusações são falsas”, disse Israel Ramírez, comandante sênior do ELN conhecido pelo codinome Pablo Beltran, em mensagem gravada distribuída para a mídia. “Há registros de dezenas de membros do ELN que foram detidos na fronteira venezuelana e imediatamente deportados para a Colômbia.”

Jorge Rodriguez, o ministro das Comunicações de Maduro, rejeita a reportagem da revista Semana.

Disse que os documentos no qual ela se baseia são falsos e fazem parte de uma conspiração da direita para afastar Maduro do poder.

“Eles matam a verdade para preparar o terreno para uma agressão armada contra a Venezuela”, disse Rodríguez.

Tradução de Clara Allain

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