Fronteira Líbano-Israel revive rotina de tensão

Recentes agressões dos dois lados reacendem temor de um novo conflito na região

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Karen Marón
Maroun Al Ras (Líbano)

Calma. Silêncio. Centenas de olhos ocultos que, com a tecnologia mais avançada, espreitam do outro lado da linha divisória. Nenhum movimento se divisa atrás da fronteira quase invisível, delimitada por uma estrada de terra entre Líbano e Israel —um limite frágil entre os povoados de Maroun Al Ras e Avivim, que pode desencadear um novo confronto.

O mundo observa esta região atentamente desde que, no último dia 1º, o grupo radical libanês Hizbullah destruiu um dos mais emblemáticos veículos blindados israelenses, o Hatehof Wolf, resistente a minas e explosivos e com capacidade para transportar 12 pessoas com seus equipamentos militares.

No parque Jardim do Irã, construído pelo governo iraniano no vilarejo libanês Maroun al-Ras, na fronteira sul com Israel, podem ser vistos campos queimados após troca de agressões entre o Hizbullah e forças israelenses.
No parque Jardim do Irã, construído pelo governo iraniano no vilarejo libanês Maroun al-Ras, na fronteira sul com Israel, podem ser vistos campos queimados após troca de agressões entre o Hizbullah e forças israelenses. - Mahmoud ZAYYAT / AFP

A ação deixou feridos entre os militares do comboio e matou um alto comandante israelense, de acordo com o Hizbullah. No entanto, Israel afirma que não houve nenhuma morte neste caso. 

O ataque foi lançado em resposta a uma ofensiva em que Israel matou dois combatentes do Hizbullah na Síria e violou o espaço aéreo libanês com aviões não tripulados.

A ONU denunciou e condenou as ações israelenses e exigiu a suspensão imediata desses voos.

Foram registradas 550 violações aéreas, em um total de 2.057 horas de sobrevoo; 481 dessas invasões, ou 87% do total, foram cometidas por drones, enquanto o restante envolveu aviões de combate ou outros não identificados.

Do Parque Irã, um espaço de recreação financiado pelo governo iraniano sobre a colina da aldeia libanesa de Maroun Al Ras, vê-se com clareza cada detalhe da fronteira e do assentamento israelense, ou moshav, de Avivim.

Pode-se notar, por exemplo, uma faixa de terra queimada com o letal fósforo branco utilizado por Israel no conflito de 2006 entre os dois países —arma cujo uso contra alvos militares não é proibido por nenhum tratado internacional, mas permitido só para áreas onde não haja civis.

Avivim está situada no extremo norte de Israel, na Alta Galileia, a menos de um quilômetro da Linha Azul, demarcada pela ONU em 2000 e que serve de fronteira não oficial depois que Israel retirou em definitivo suas tropas de solo libanês e pôs fim a 18 anos de ocupação.

O povoado foi construído sobre a aldeia xiita de Saliha, localidade palestina palco de um massacre durante a Guerra Árabe-Israelense de 1948 —todos os moradores originais foram expulsos.

As ruas que atravessam os pequenos povoados do lado libanês se dividem em duas cores: o verde das bandeiras do Movimento Amal (Esperança) e o rosto de seu líder, Nabih Berri, presidente do Parlamento libanês desde 1992; e a característica cor amarela dos estandartes do Hizbullah, com o rosto de seu líder, Hassan Nasrallah, e as imagens gigantes dos jovens e adultos vistos como mártires das guerras travadas contra Israel desde a criação da organização, em 1985.

A atual cerca de arame que separa os países está sendo substituída por um muro de cimento construído por Israel, constituindo outro ponto de atrito.

Os israelenses a chamam de barreira, não de muro. Isso porque a estrutura pode assumir a forma de cerca eletrônica com tecnologia muito avançada em alguns trechos, como a que Israel já ergueu desde 2003 em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia ou a que levantou em sua fronteira sul com o Sinai.

O novo muro ainda inacabado foi criticado pelas autoridades de Beirute, para as quais a Linha Azul não acompanha exatamente o traçado da fronteira, tanto que haveria zonas libanesas que teriam ficado do lado israelense. A barreira motivou ações regionais e internacionais para evitar sua construção.

Estrategicamente localizado a 911 metros de altitude, com vinhedos e terras cultivadas, Maroun Al Ras, 120 quilômetros a sudeste de Beirute, é determinante em um eventual confronto bélico, pelo fato de estar acima das cidades à sua volta.

Foi no povoado que houve um grande enfrentamento entre o Exército israelense e os combatentes do Hizbullah durante a guerra de 2006, no que ficaria sendo conhecido como a batalha de Maroun Al Ras.
Hoje, aguarda-se com grande expectativa o que vai acontecer a seguir.

“Por termos um vizinho tão agressivo, precisamos estar preparados para qualquer violação das resoluções das Nações Unidas”, diz o engenheiro Adenan Alawei, 50, presidente do município que agrupa quatro vilarejos com população de 15 mil pessoas, de onde partiram centenas de migrantes para países como Alemanha, Austrália e Canadá.

“Os veículos atravessam a fronteira sem levar em conta a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil) ou o Exército libanês, afirma Alawei, que nasceu nesta área.
Os pais dele saíram da capital libanesa cinco décadas atrás, quando teve início o processo de expulsão e deslocamento forçado dos habitantes da região por forças israelenses.

Diretor técnico de uma importante empresa de elevadores, Alawei diz que, quando atacam o município, a população civil não dispõe de bunkers para se refugiar e corre para Beirute ou ainda para outras regiões.

“Mas isso não aconteceu desta vez porque as pessoas estavam tranquilas quando o Hizbullah disse que responderia à nova agressão israelense.”

“Estamos em compasso de espera”, diz ele, com a serenidade adquirida pela experiência dos anos de conflito. “Eles [os israelenses] desapareceram do quartel militar e do povoado. Só nos próximos dias é que vão dar uma resposta.” E, de fato, apenas os próximos dias trarão a resposta.


 

O conflito Líbano-Israel ao longo das décadas

Invasão israelense e missão da ONU - 1978

Um atentado de militantes da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) perto de Haifa (Israel) deixa 39 mortos e desencadeia a Operação Litani, em que forças israelenses invadem o sul do Líbano sob o argumento de combater terroristas na região fronteiriça. O episódio leva à criação da Unifil, missão da ONU para estabilizar a região

Guerra e ocupação de tropas de Israel - 1982

Militares israelenses voltam a invadir o solo libanês para desarticular a estrutura da OLP no país vizinho. A operação inclui um cerco a Beirute, mas ao fim a capital não é tomada por Israel. As tropas estacionam no sul do Líbano e dão início ao longo conflito, mesmo após a saída dos combatentes palestinos. Em 1985, nasce a milícia radical Hizbullah (“Partido de Deus”), para resistir à ocupação israelense

Retirada de Israel - 2000

Após 18 anos de ocupação, o governo de Israel aceita retirar suas tropas do sul do Líbano, em um acordo com a ONU. As Nações Unidas criam a Linha Azul, marco divisório que hoje funciona como a fronteira (não oficial) entre os países

Guerra contra o Hizbullah - 2006

Militantes do Hizbullah invadem o norte de Israel e atacam veículos militares, matando três soldados e capturando outros dois. Em resposta ao atentado, Israel realiza diversos bombardeios aéreos, faz um bloqueio naval e volta a invadir o sul do Líbano. O confronto dura pouco mais de um mês e termina com um cessar-fogo articulado pela ONU

Atritos pós-2006

Desde o fim do último grande confronto, a fronteira continua a registrar diversas agressões dos dois lados, como violações à Linha Azul, o que mantém o quadro de tensão

Tradução de Clara Allain

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior desta reportagem afirmou incorretamente que um ataque feito pelo Hizbullah contra um veículo blindado matou um alto comandante israelense. No entanto, não é possível confirmar que esta morte ocorreu. Israel disse que a ação deixou vítimas fatais. O grupo libanês afirmou que houve mortes, mas não apresentou provas. O texto foi atualizado com essas informações. 
 

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