Líder de Hong Kong cancela projeto que motivou protestos, mas atos devem continuar

Proposta de envio de presos à China continental para julgamento foi estopim de manifestações

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Hong Kong e São Paulo

A chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, disse nesta quarta (4) que retirará oficialmente o projeto de lei de extradição que detonou uma onda de manifestações no território nos últimos meses. Os ativistas, porém, seguirão protestando.

“O governo retirará oficialmente o projeto de lei, para apaziguar por completo as preocupações da população”, disse Lam, em discurso transmitido pela televisão, no qual também prometeu criar um canal direto de diálogo com os manifestantes. 

A chefe-executiva de Hong Kong em coletiva de imprensa no dia 3 de setembro.
A chefe-executiva de Hong Kong em coletiva de imprensa no dia 3 de setembro. - Xinhua/Lu Hanxin

Os protestos na ex-colônia britânica ganharam força em junho devido a um projeto de lei que permitiria a extradição de presos para serem julgados pelos tribunais controlados pelo Partido Comunista na China continental. 

Tais cortes são consideradas menos justas do que as do Judiciário de Hong Kong.

A proposta já havia sido suspensa em meados de junho, mas os manifestantes queriam um cancelamento completo, o que foi finalmente anunciado nesta quarta-feira.

Contudo, a retirada do projeto, uma das principais demandas dos ativistas, não garante que a agitação popular vá acabar, porque o movimento ganhou força e evoluiu para agenda ampla pró-democracia.

Entre as demandas, uma reforma política que implantaria eleições diretas no território, a investigação de abusos por parte da polícia e a libertação de manifestantes presos.

Joshua Wong, um dos líderes dos ativistas, disse que a decisão da chefe-executiva veio muito tarde. “A falha de Carrie Lam em entender a situação tornou esse anúncio completamente fora de alcance”, afirma. 

“Ela tem de responder a todas as demandas: parar os processos judiciais [contra manifestantes], parar de nos chamar de rebeldes, investigação independente da polícia e eleição livre”, publicou ele em uma rede social.

A demanda por eleições livres vem desde o Movimento dos Guarda-Chuvas de 2014

Em Hong Kong, o líder é eleito por um comitê de 1.200 pessoas escolhidas pelo governo central chinês, e não pela população do território em eleições diretas.

O colegiado é composto por diversos setores da sociedade honconguesa —basicamente a elite local. Para que alguém possa se candidatar ao cargo de chefe-executivo, deve ter o apoio de ao menos 150 membros.

Assim, Lam foi escolhida em 2017 em uma eleição vista como não democrática, já que o território tem cerca de 3,8 milhões de eleitores registrados. Os cidadãos comuns elegem apenas metade dos assentos do Legislativo.

Em grupos no Telegram —o aplicativo de mensagens oficial dos protestos, no qual quase todos os manifestantes usam pseudônimos e fotos que não mostram o rosto— ativistas corroboram o discurso de que a revogação do projeto de lei é pouco. 

"A retirada formal do projeto de lei não significa que a luta pela liberdade de Hong Kong tenha terminado. Todas as cinco demandas precisam ser atendidas com igual importância", lê-se em documento divulgado pelos Guardiães de Hong Kong.​

Um comunicado divulgado pelo grupo Guardiães de Hong Kong afirma que, desde 12 de junho, quatro dias após a primeira grande manifestação, 1.138 ativistas foram presos, duas pessoas foram atingidas no olho e mais de 2.500 latas de gás lacrimogêneo foram jogadas por policiais. 

O informe também chama a atenção para a presença de agentes disfarçados de manifestantes nos atos, prática comum nas últimas semanas.​

A violência policial é uma preocupação constante. Em conversa com a Folha, Adam, 25, disse que “não há como aceitar apenas a retirada do projeto de extradição”, já que as forças de segurança usam de brutalidade e atacam cidadãos indiscriminadamente. 

Na visão dele, que foi às ruas pela primeira vez em 9 de junho, se a exclusão da proposta tivesse sido feita há tempos, os protestos em larga escala teriam sido evitados.  

D., estudante recém-formado de 21 anos, reconhece que a revogação é positiva, pois “mostra que os esforços tiveram resultado”. Mas está “longe de ser suficiente”, completa. 

Ele, que atua como ajudante de primeiros socorros nos atos, tem pouca esperança de que as outras demandas sejam atendidas, e afirma acreditar que o anúncio de Lam é só para diminuir os protestos.

Cartaz produzido por manifestantes em Hong Kong em resposta à retirada do projeto de lei de extradição - Reprodução Telegram

Na semana passada, a chefe-executiva disse a empresários que causou “destruição imperdoável” ao apresentar o projeto e que, se pudesse escolher, pediria demissão, de acordo com um áudio vazado.

Na reunião a portas fechadas, Lam disse ao grupo que agora tem espaço “muito limitado” para resolver a crise, porque a agitação se tornou uma questão de segurança e soberania nacional para a China em meio a crescentes tensões com os Estados Unidos. Depois, a mandatária negou que tenha discutido a renúncia com o governo chinês.

A China nega que esteja se intrometendo nos assuntos de Hong Kong, mas alertou novamente na terça-feira (3) que não permitiria que os distúrbios ameaçassem a segurança e a soberania chinesas.

Nesta quarta, a polícia de choque disparou balas “beanbag” (projéteis que contém saquinhos de bolinhas, considerados não letais) e usou spray de pimenta para dispersar manifestantes do lado de fora da delegacia de Mong Kok e da estação de metrô Prince Edward.

Um vídeo que mostra um homem sendo preso na estação foi amplamente compartilhado nas redes sociais, e ativistas afirmam que o material é evidência da brutalidade policial generalizada.

O homem é um amigo da escola primária de D., e entrou em coma no momento em que era detido. Manifestantes tiveram que negociar com as forças de segurança para que pudessem ajudá-lo.

Ele foi levado a um hospital, e seu estado de saúde é estável.

Hong Kong foi devolvida à China em 1997. O território possui sistemas político e econômico diferentes do resto da China, o que inclui um judiciário independente e o direito de protestar. Os manifestantes temem que essas liberdades estejam erodindo lentamente a mando de Pequim, uma acusação que a China nega.

Com Reuters

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