Descrição de chapéu The New York Times

Manifestante em Hong Kong protesta contra repressão de policiais... como seu marido

Mulheres de agentes tentam ajudá-los a se reaproximar dos cidadãos

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Hong Kong | The New York Times

Enquanto semanas de protestos transformavam Hong Kong em um campo de batalha entre manifestantes e polícia, poucas famílias sentiram tanto os efeitos de polarização quanto a de uma jovem chamada Sunny.

Sunny, 26, é uma manifestante que vai às ruas para denunciar o que considera políticas opressivas do governo central em Pequim.

Seu marido é um oficial de polícia de baixa patente, que trabalha em turnos noturnos de 12 horas para conter as manifestações que sua mulher apoia.

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Sunny, manifestante casada com um policial - Lam Yik Fei/The New York Times

Desde junho, eles têm convivido assim: em lados opostos das barricadas durante a noite, e no dia seguinte cuidando juntos de suas duas filhas.

Eles testemunharam a divisão que se aprofunda nas ruas e que passou a definir a luta pela alma de Hong Kong. Essa luta agora está inserindo uma divisão em sua casa e nas de famílias semelhantes, e até mesmo nas fileiras da força policial.

"No início não parecia diferente de quaisquer outros protestos que sempre tivemos ao longo dos anos", disse Sunny em uma entrevista. "Mas agora não podemos sequer falar sobre a vida cotidiana normal. Ninguém tem paciência para isso."

Como o governo de Hong Kong intensificou a pressão e as prisões, confrontos cada vez mais violentos entre manifestantes e polícia deixaram as ruas mais tensas. A divisão entre os dois lados tem crescido.

O secretário de Segurança, John Lee, defendeu as ações adotadas pela polícia, dizendo que a força continua sendo a mais profissional da Ásia.

"Apesar dos perigos e das dificuldades com que se deparam, eles ainda desempenham suas funções oficiais com coragem", disse ele.

Em declarações públicas, as autoridades acusaram os manifestantes de assediar policiais, e às vezes seus familiares, online ou pessoalmente.

O tratamento pelos manifestantes provocou a ira de muitos agentes, que agora enfrentam críticas frequentes nas ruas, onde alguns meses atrás eram amplamente respeitados.

Sunny e seu marido se conhecem desde que eram crianças, e se casaram há cinco anos. Ela pediu que seu nome completo não fosse publicado, por medo de represálias do governo ou de outros policiais.

O marido de Sunny se recusou a falar pessoalmente ou dar seu nome, mas enfatizou o abismo entre as demandas do governo e as queixas dos manifestantes.

"Isso coloca tanta pressão sobre mim e minha família", disse ele por mensagem de texto, acrescentando que a polícia "não tem escolha" senão prender os que violam a lei.

Mas ele reconheceu que as autoridades poderiam melhorar sua condução dos protestos e disse que sua mulher o lembra disso.

"Ela me mantém na linha", disse ele. "Está sempre me pedindo para considerar como os policiais podem recuperar a confiança dos cidadãos."

Por meio de suas conversas, Sunny passou a compreender que, na rua, a polícia se torna um substituto de um governo que é cada vez mais odiado pelo público.

"Parece que temos um inimigo comum", disse.

Em julho, ela decidiu organizar um grupo no Facebook, chamado Conexão de Parentes de Policiais. Sua missão é restaurar a confiança do público na polícia.

"Nós não fazemos parte da força policial, mas somos os mais próximos deles, e eles podem estar mais abertos a escutar nossa voz", disse. "Se as mulheres se prontificarem, os cidadãos irão apoiá-las."

A maioria dos membros do grupo no Facebook é como ela: têm um parente próximo na polícia, mas apoiam os manifestantes.

Dos policiais que se sentem em conflito em seus cargos, poucos ousam falar enquanto a força sofre tanta pressão e escrutínio público.

Cathy Yau, 36, estava na força policial de Hong Kong há 11 anos antes de se demitir, em julho, quando decidiu dar um passo adiante e correr o risco de criticar publicamente a polícia.

Ela expressou uma visão que acredita estar se tornando mais comum nas forças de segurança.

"Eu senti como se o governo estivesse se escondendo por trás da força policial", disse ela. "Muitos policiais são cidadãos normais de Hong Kong quando tiram o uniforme depois do trabalho. Somos todos cidadãos de Hong Kong, mas o governo não parece se importar que haja sangue na rua."

Em 10 de julho, ela decidiu que não aguentava mais e passou sua carta de demissão sob a porta de seu chefe.

Dez dias depois, Yau assistiu a um vídeo ao vivo de um grupo de homens com camisas brancas batendo em manifestantes na estação de trem de Yuen Long, enquanto policiais —seus ex-colegas— observavam.

"Foi a primeira ligação de emergência que fiz na vida", lembrou. "A cena era terrível, extremamente decepcionante."

Em seu apartamento minúsculo, Yau desenrolou o diploma que recebeu quando fez o juramento como policial em 2008. Segurar esse papel dá uma sensação mista, disse ela, depois do que viu neste verão.

"Isso me perturba", disse ela, referindo-se aos policiais usarem força contra os manifestantes. "Talvez seja difícil para eles não seguir ordens; mas eles podem optar por agir de forma diferente."

Depois que Yau divulgou sua história, vários policiais a procuraram pedindo conselhos sobre como poderiam seguir seus passos, disse ela.

Uma lhe disse que estava preocupada com a segurança e o bem-estar de sua filha. Outro explicou que caiu sob a suspeita dos chefes e foi convidado a revelar sua posição política.

Yau diz que agora quer concorrer à Câmara Municipal, em novembro.

"Decidi que precisava de uma nova plataforma para fazer o que eu queria fazer", disse ela. "Tudo se resume a saber se há um governo que serve ao seu povo de forma diligente e ama seu povo. As pessoas são assim, muito simples. Elas não querem sair para protestar."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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