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Na crise com o Irã, Trump precisa mostrar ao mundo que sua palavra é confiável

EUA acusam Irã de estar por trás de ataques a campos de petróleo da Arábia Saudita

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David E. Sanger
The New York Times

Para um presidente que tem uma relação tênue com a verdade e relacionamentos amargos com seus aliados, o ataque contra campos de petróleo sauditas cria um desafio: como comprovar o argumento de seu governo de que o Irã está por trás dos ataques e mobilizar o mundo para reagir.

Agora, enquanto se defronta com uma das decisões de segurança nacional mais críticas de sua Presidência, Donald Trump está tendo que encarar esse desafio.

O presidente Donald Trump nos jardins da Casa Branca, em Washington
O presidente Donald Trump nos jardins da Casa Branca, em Washington - Mandel Ngan - 16.set.19/AFP

Nos próximos dias ou semanas é quase certo que ele enfrente a realidade de que boa parte do mundo –enfurecido com seus tuítes, seus ataques verbais, suas inverdades e acusações— possa não querer acreditar nos argumentos apresentados pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, e outros de que a responsabilidade pelo ataque cabe ao Irã.

Se Trump tentar formar uma coalizão para impor penalidades diplomáticas, intensificar as sanções para estrangular mais ainda as exportações iranianas de petróleo ou retaliar militarmente (ou de maneira cibernética), ele pode descobrir que, como o presidente George W. Bush quando travou guerra no Iraque, 16 anos atrás, ele está em grande parte sozinho.

Autoridades de inteligência já estão indicando sutilmente em conversas de bastidores que as evidências que apontam para a responsabilidade do Irã são sensíveis demais para serem levadas a público.

Uma teoria que vem ganhando força entre funcionários americanos é que o ataque com mísseis de cruzeiros ou drones foi lançado do sudoeste do Irã ou de águas próximas.

Mas as provas reunidas até agora não são inequívocas, disse um funcionário, usando intencionalmente a frase que o diretor da CIA em 2003, George J. Tenet, acabou lamentando quando a empregou para argumentar –incorretamente, como se descobriria mais tarde— que o Iraque estava construindo armas de destruição em massa.

Após a experiência amarga do Iraque, seria difícil para qualquer presidente americano persuadir o país e seus aliados a acreditar em sua palavra quando diz que é hora de arriscar mais uma guerra no Oriente Médio, exceto se houver provas irrefutáveis que possam ser levadas a público. Seria especialmente difícil para Trump.

Jornalistas observam em Riad restos de mísseis que a Arábia Saudita afirma terem sido usados no ataque contra suas instalações petrolíferas
Jornalistas observam em Riad restos de mísseis que a Arábia Saudita afirma terem sido usados no ataque contra suas instalações petrolíferas - Hamad I Mohammed/Reuters

Rex Tillerson, o primeiro secretário de Estado de Trump, avisou na terça-feira (17) que seu ex-chefe, que o demitiu 18 meses atrás, terá que pisar com cuidado.

“Mesmo sem levar em conta a questão da credibilidade dos EUA, o problema estaria ali”, disse Tillerson, que, como ex-executivo-chefe da Exxon Mobil, passou boa parte de sua vida trabalhando no Oriente Médio.

Em palestra feita dentro do Projeto Secretários de Estado Americanos, da universidade Harvard, onde estava explicando seus 14 meses turbulentos passados na administração Trump, Tillerson disse que seria difícil montar um conjunto de argumentos concretos contra o Irã.

“Não tenho dúvida de que vamos encontrar as impressões digitais do Irã sobre isso, mas talvez não suas mãos”, ele disse.

Mesmo se especialistas americanos e outros que estão na Arábia Saudita agora para conduzir um inquérito forense concluírem que o Irã construiu os drones ou mísseis de cruzeiro usados no ataque, eles podem ter dificuldade de comprovar, especialmente para o público, de onde foram lançadas as armas ou quem as disparou na direção dos campos de petróleo sauditas.

“Uma resposta militar contra o território soberano do Irã seria uma questão muito séria”, alertou Tillerson. “Não é uma coisa que deva ser empreendida por ninguém que não conte com informações plenamente conclusivas.”

As autoridades do Pentágono parecem concordar com ele. Por isso as alternativas estão sendo discutidas agora incluem opções como retaliações contra instalações iranianas fora do território iraniano ou ciberataques.

Imagem de satélite mostra fumaça após ataque contra a instalação petrolífera na Arábia Saudita no último sábado (14)
Imagem de satélite mostra fumaça após ataque contra a instalação petrolífera na Arábia Saudita no último sábado (14) - Planet Labs Inc/AFP

Se for escolhida a segunda opção, seria algo como as ciberoperações que explodiram as centrífugas nucleares iranianas dez anos atrás ou a eliminação de bancos de dados militares há alguns meses, depois de um drone americano ser derrubado pelo Irã.

Os sauditas parecem ter consciência do problema de credibilidade.

Até agora, nem mesmo eles seguiram publicamente a posição de Pompeo.

Em comunicado divulgado na segunda-feira (16), o governo saudita pediu uma investigação internacional encabeçada pela ONU para determinar a responsabilidade .

Para Trump, o ceticismo que acompanha qualquer avaliação de responsabilidade feita pelos EUA será afetado ainda por outro problema: as autoridades europeias culpam o próprio Trump, tanto quanto os iranianos, por criar as circunstâncias que levaram ao ataque.

Para elas, foi a decisão do presidente americano de abandonar o pacto nuclear de 2015 que desencadeou os acontecimentos que culminaram na inutilização dos dois campos petrolíferos sauditas.

Nos últimos 18 meses, Trump vem impondo mais e mais sanções sobre o Irã.

Em um primeiro momento, os iranianos ignoraram essas medidas e continuaram a pautar-se pelo pacto firmado quatro anos atrás, que limita a capacidade nuclear do país em troca do levantamento da maioria das sanções que pesam sobre Teerã.

Mas, à medida que a campanha de “pressão máxima” da administração americana foi se fazendo sentir, as autoridades iranianas começaram a extrapolar os limites do pacto –argumentando que não podiam se ater a pacto que Trump havia abandonado— e a apreender navios petroleiros.

O argumento europeu é que Trump provocou o Irã desnecessariamente. É por isso que o presidente francês, Emmanuel Macron, está liderando um esforço para enfraquecer o efeito das sanções americanas, emitindo uma linha de crédito de US$ 15 bilhões ao Irã, na esperança de levar o país a voltar a cumprir os termos do pacto, do qual a França foi uma das signatárias.

A chanceler alemã Angela Merkel disse na terça-feira (17) que a melhor estratégia para desarmar as tensões com o Irã seria que Trump recuasse.

“O pacto para impedir o Irã de adquirir capacidade militar nuclear é a base à qual precisamos voltar”, disse.

O enviado de Trump para questões iranianas, Brian H. Hook, argumenta que os europeus interpretaram incorretamente a estratégia do Irã. Segundo ele, mesmo depois de Teerã firmar o acordo de 2015, o país continuou a armar grupos terroristas, a apoiar o presidente sírio, Bashar Assad, a construir mais mísseis poderosos e a lançar ciberoperações contra os Estados Unidos.

Esta discussão não será resolvida facilmente. O mais provável é que os líderes europeus hesitem em tomar o partido de Trump e dos sauditas se eles propuserem medidas que possam escalar e converter-se em um conflito mais amplo.

Também os americanos talvez questionem se vale a pena tomar tais ações, observou Meghan L. O’Sullivan, coordenadora de Bush no Iraque e autora do livro “Windfall: How the New Energy Abundance Upends Global Politics and Strengthens America’s Power” (Prosperidade inesperada: como a nova abundância energética subverte a política global e reforça o poderio dos EUA).

“Muitos americanos pensam que o interesse americano em proteger a oferta de petróleo do Oriente Médio diminuiu muito”, ela comentou na terça-feira (17).

“Eles se enganam a esse respeito, mas é fato que a maioria dos americanos pensa que os tempos em que se justificaria travar guerra por petróleo já ficaram no passado.”

Tradução de Clara Allain 

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