Descrição de chapéu The New York Times

Nas Bahamas, pai cego carrega filho nas costas em busca de lugar seguro

lhas do Caribe foram arrasadas pela passagem do furacão Dorian

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Rachel Knowles
Nassau | The New York Times

O vento arrancara o telhado da casa. Lá fora o mar estava subindo, engolindo a terra. Brent Lowe sabia que precisava escapar –levando junto seu filho de 24 anos, que tem paralisia cerebral e não consegue andar.

Mas Lowe tinha outro problema: ele é cego. Ele ajeitou seu filho adulto sobre as costas e desceu o degrau da varanda. A água revolta lá fora chegava a seu queixo.

“Foi apavorante demais”, disse Lowe, 49. Agarrando-se a vizinhos, ele tateou até chegar à casa mais próxima que ainda estava em pé. A casa ficava a cinco minutos de distância –uma eternidade.

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Moradores em Treasure Cay, nas Bahamas, onde 95% das casas foram danificadas - Daniele Volpe - 4.set.2019/The New York Times

Histórias de sobrevivência improvável, como essa, estão vindo à tona pouco a pouco nos dias posteriores à passagem do furacão Dorian pelas Bahamas, castigando as ilhas de Grande Bahama e Ábaco durante dias antes de seguir adiante para a costa Leste dos Estados Unidos.

A devastação já pôde ser visualizada desde o ar, mas o custo humano total da catástrofe ainda está longe de ser conhecido ao certo, com 30 mortes confirmadas até o momento e as autoridades avisando que o número real pode ser muito maior.

O total real de mortos “pode ser estarrecedor”, disse o ministro da Saúde, Duane Sands, que atualizou o número oficial na noite de quinta-feira.

Alguns bairros foram reduzidos a escombros, quase completamente achatados pela tempestade. Em outros, 95% das casas foram danificadas ou destruídas.

Milhares de pessoas agora estão sem teto, abrigando-se em ginásios ou igrejas. As autoridades preveem receber grande número de corpos à medida que a extensão da destruição ficar mais clara.

Quando o furacão Dorian chegou às ilhas, no domingo, recordou Lowe, sua fúria total pareceu se abater sobre ele.

A tempestade foi uma das mais poderosas que já atravessou o Atlântico. Seu olho estava se aproximando, e as oito pessoas dentro da casa de cimento de Lowe estavam especialmente vulneráveis.

Além de Lowe e seu filho com deficiência física, alguns vizinhos cujas casas já tinham sido destruídas também estavam abrigados ali. Entre eles havia duas crianças.

Com a tempestade uivando em volta, o telhado da casa começou a se levantar e depois cair novamente. ​

Os ventos sustentados em Ábaco chegaram a 296 km/h naquele dia, com rajadas de até 352 km/h. O grupo procurou se proteger no banheiro, onde todos se apertaram juntos e ficaram rezando, pedindo ajuda. O filho de Lowe estava encolhido dentro da banheira.

Foi quando o vento carregou o telhado para longe.

Expostos aos ventos e à chuva, os vizinhos tiveram que sair na tempestade, um a um. Eles se agarraram uns aos outros e partiram para procurar um lugar que lhes desse proteção.

“Nunca antes na vida passei por algo assim”, disse Lowe. Ele já passou por furacões anteriores, mas disse que jamais poderia ter imaginado o terror daquele dia.

Grupo de haitianos em Treasure Cay, nas Bahamas, onde 95% das casas foram danificadas
Grupo de haitianos em Treasure Cay, nas Bahamas, onde 95% das casas foram danificadas - Daniele Volpe - 4.set.19/The New York Times

O grupo chegou à casa de um vizinho. Lowe e seu filho ficaram ali por um dia até que um ônibus de resgate pudesse buscá-los, na segunda-feira, e levá-los a um abrigo.

Na noite de terça-feira Lowe foi levado para Nassau, onde poderá fazer a diálise que necessita três vezes por semana. Seu filho teve que permanecer em Ábaco, sob os cuidados de sua cunhada.

“Vim para cá só com a roupa que eu usava no corpo no sábado”, contou.

Embora Lowe e seu filho agora estejam em segurança, a via crucis deles está apenas começando, sob certos aspectos.

Lowe diz que não sabe se sua filha mais velha sobreviveu à tempestade. As linhas telefônicas não funcionam há dias, e a comunicação com Ábaco é extremamente precária.

“Falei com ela logo antes de o vendaval começar”, disse. “Eu queria tanto ter podido falar com alguém para saber como eles estão, estou realmente preocupado com eles, com todo o mundo.”

Tantas pessoas perderam suas casas devido ao furacão que em Marsh Harbour, a cidade principal de Ábaco, até 2.000 pessoas procuravam abrigo numa clínica e em um complexo do governo.

As autoridades avisaram que pode ser necessário montar acampamentos de barracas para alojar os muitos sobreviventes.

As autoridades bahamenses pediram aos cidadãos que se mantenham unidos.

“Não há palavras para expressar a dor que sentimos por nossos compatriotas nas ilhas Ábaco e em Grande Bahama”, disse em comunicado o ministro do Turismo e da Aviação, Dionisio D’Aguilar.

“Temos que nos unir para socorrer nossos irmãos e irmãs em sua hora de necessidade e ajudar nosso país a se reerguer.”

Como muitos de seus vizinhos, Lowe agora está sem teto. Tendo passado toda sua vida nos arredores de Marsh Harbour –onde criou seus filhos e trabalhou numa peixaria até perder a visão devido à diabetes--, ele viu sua casa, sua comunidade e tudo que construiu serem obliterados.

Mesmo assim, quer voltar a Ábaco. “Preciso ir”, disse. “É lá que minha família está. Meus filhos estão lá, meus irmãos, minhas irmãs, todos estão lá.”

Mas ele não tem certeza alguma quanto ao futuro da ilha. A destruição foi catastrófica. Na área onde ele vivia, “90% das casas estão comprometidas”, disse Lowe. “Estou falando de telhados arrancados, as casas totalmente desabadas. Quando eu voltar para casa, não sei onde vamos morar, não sei o que vou fazer.”

Tradução de Clara Allain

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