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Quem fala pela natureza? Sobre incêndios amazônicos e populistas

No momento, a ONU é nossa maior esperança para evitar a ruína da Amazônia

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Todd A. Eisenstadt
Latino América 21

​O aumento dos incêndios na Amazônia brasileira, patrimônio da humanidade, mostra duas formas perigosas de aquecimento: a do fogo na selva e a do populismo autoritário. A comunidade internacional deve pressionar para que ambas cessem, e de forma rápida. Nossos filhos dependem disso.

Com relação aos incêndios, que cresceram em 75% este ano no Brasil, em comparação com anos anteriores, escrevi um livro com Karleen West, "Quem Fala pela Natureza?" (Oxford University Press, 2019); existe um documentário em espanhol sobre o livro, dirigido por Larry Engel, ganhador do prêmio Emmy. Nele mostramos, através da análise de uma pesquisa nacional no Equador encomendada pelo Cedatos (Centro de Estudios y Datos), que nos lugares em que o meio ambiente já está destruído, as pessoas deixam de se preocupar com ele.

Conduzimos um levantamento com uma amostra de cidadãos, com presença reforçada de comunidades indígenas na região amazônica do norte do Equador (onde a floresta continua a mostrar danos causados pelos derramamentos de petróleo da Chevron-Texaco na década de 1990) e na região amazônica sul (onde em geral a floresta não foi danificada).

Fogo na selva amazônica na região de Porto Velho (Rondônia)
Fogo na selva amazônica na região de Porto Velho (Rondônia) - Ricardo Moraes - 21.ago.2019/Reuters

Enquanto na região sul as pessoas se preocupam muito com a integridade da floresta, manifestando entusiasmo pelo conceito global e abstrato de "cuidar do meio ambiente", na região norte elas já não se preocupam tanto com esse conceito. Lá, a preocupação era com temas que resultam da degeneração ambiental, como o desemprego, migração (para as cidades) e saúde pública, entre outros.

A primeira lição do livro é que temos que mobilizar a todos para proteger a floresta antes que a deterioração continue. No Equador, no Brasil, ou seja lá onde for. Ainda que se preocupar com a conservação ambiental possa se tornar algo mais complicado e, portanto, exista o risco de abandoná-la como conceito. E há uma segunda lição: o populismo realmente não funciona.

No Equador, estudamos as políticas do ex-presidente Rafael Correa, que, apesar de seus defeitos, parece ter sido mais democrático do que Jair Bolsonaro. Este é canhestramente populista, apoia os mais baixos padrões da humanidade e seus únicos rivais hemisféricos na "corrida ao fundo do poço" talvez sejam Nicolás Maduro e Donald Trump.

No caso equatoriano, vimos que as políticas populistas de entregar projetos e empregos em troca da destruição da floresta influíram menos sobre os cidadãos mais vulneráveis à mudança do clima (os que viviam na Amazônia). Eles, e sobretudo as comunidades indígenas amazônicas, lutaram contra a destruição da selva e se empenharam na solução do problema da mudança do clima.

Parece que o desafio, para os leitores do hemisfério em geral, é aprender a pensar como se vivessem na primeira fila — ou na "linha de fogo" — da vulnerabilidade à mudança do clima. Hoje somos todos brasileiros e temos que pressionar o governo ignorante do Brasil. Como tentou o presidente Emmanuel Macron na reunião do Grupo dos 7 na Europa. Mas com ainda mais urgência.

O argumento de Bolsonaro sobre as violações da soberania de seu país é uma falácia. A América Latina conhece violações desse tipo desde a época colonial (que de certa maneira Trump busca reviver agora com seu tratamento aos migrantes latinos nos Estados Unidos), mas no momento esse argumento da soberania precisa ser suplantado por um argumento humanitário e em favor da natureza.

A natureza precisa de quem fale por ela. Temos que insistir para que a boa vontade de outros presidentes, os presidentes "verdes" de outros países amazônicos — e de qualquer país que enfrente uma crise ambiental — seja a predominante. É preciso isolar presidentes como Bolsonaro, fazendo pressão internacional e interna sem suborná-los com ofertas de dinheiro ou fazer ameaças que não serão cumpridas.

Reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nova York
Reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nova York - Li Muzi - 10.set.2019/Xinhua

O Conselho de Segurança das Nações Unidas precisa obter consenso (infelizmente com a unanimidade de seus cinco membros permanentes) para poder declarar emergências de segurança ambiental. A instituição talvez seja a única com legitimidade para cumprir o objetivo de enviar pessoal para proteger áreas naturais que são patrimônio da humanidade quando elas estão em alerta vermelho, como a Amazônia atual.

É certo que o histórico da ONU em sua atuação em favor da humanidade é contraditório. É uma organização repleta de escândalos de corrupção, que sofre de falta de liderança e de uma ineficácia notória. Mas em momentos como este não podemos deixar o futuro de um patrimônio tão importante quanto a Amazônia nas mãos de um populista autoritário.

Até que projetemos uma instituição melhor, o Conselho de Segurança da ONU é a melhor opção. Além disso, contando com o apoio forte da França e do Reino Unido, teríamos de eleger um presidente democrata nos Estados Unidos e esperar que a situação se torne suficientemente crítica para conquistar o apoio daqueles que negaram poder à organização no passado, como a China e a Rússia.

Mas é preciso trabalhar agora a fim de criar condições para que alguém fale pela natureza, com a voz democrática e unida da humanidade. No momento, a ONU é nossa maior esperança para evitar a ruína da Amazônia e a apatia e desesperança que isso acarreta.

Todd A. Eisenstadt é professor de ciência política na American University, em Washington, e diretor de estudos do Centro de Políticas de Meio Ambiente (CEP, na sigla em inglês). Foi professor visitante na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, no Equador, e no Centro de Investigación y Docencia Económicas, na Cidade do México.

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@latinoamerica21

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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