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Recusa ao divulgar dados de contaminação lança dúvidas sobre reconstrução de Notre-Dame

Incêndio levou à alta da presença de chumbo nos arredores, o que gera riscos para parisienes

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Paris | The New York Times

O incêndio que tomou conta de Notre-Dame em abril contaminou a área com nuvens de poeira tóxica, expondo escolas, creches, parques e outras áreas de Paris próximas à catedral a níveis alarmantes de chumbo.

O pó de chumbo veio do telhado e da torre incinerados, que continham algo como 460 toneladas do metal perigoso, e criou um risco à saúde pública que gerou ansiedade crescente em Paris ao longo do verão.

Passados cinco meses do incêndio, as autoridades francesas se negam a revelar todos os resultados dos testes feitos de contaminação por chumbo, semeando incerteza pública.

Ao mesmo tempo, emitem declarações tranquilizadoras para tentar minimizar os riscos.

Notre-Dame em reconstrução após incêndio que consumiu parte da catedral, em abril
Notre-Dame em reconstrução após incêndio que consumiu parte da catedral, em abril - Kenzo Tribouillard - 14.jul.10/AFP

Os adiamentos e as negações levaram a acusações contra autoridades de terem priorizado a reconstrução da catedral –que o presidente Emmanuel Macron prometeu concluir em cinco anos—, e não a saúde de milhares de pessoas.

Uma investigação ampla do New York Times ajudou a traçar um retrato da resposta oficial falha.

A investigação trouxe à tona que as autoridades francesas cometeram lapsos importantes em alertar a população dos riscos à saúde, mesmo quando passaram a ter uma visão mais clara do perigo.

O incêndio de 15 de abril quase destruiu a catedral de 850 anos e desencadeou uma investigação imediata para averiguar se haviam sido adotadas medidas preventivas anti-incêndio suficientes para proteger uma joia da arquitetura gótica que recebia 13 milhões de visitantes por ano.

Milhões de pessoas em todo o mundo assistiram, chocadas, quando o telhado e a torre sucumbiram às chamas naquela noite e desabaram.

Mas as nuvens de fumaça que se elevaram encerravam seus próprios perigos. Continham níveis altíssimos de chumbo, segundo resultados de testes contidos em relatórios confidenciais e outros divulgados pelo governo.

A investigação do NYT se baseou em documentos confidenciais, incluindo avisos de inspetores de trabalho, um boletim policial e medições de chumbo encomendadas pelo Ministério da Cultura cujos resultados não haviam sido divulgados previamente.

Dois meios noticiosos franceses, Mediapart e Le Canard Enchaîné, também noticiaram as preocupações com chumbo.

Esses documentos, somados a dezenas de entrevistas, deixam claro que 48 horas após o incêndio as autoridades francesas já tinham indicações de que a exposição a chumbo poderia representar um problema grave.

Mas um mês se passou antes de as autoridades parisienses realizaram os primeiros testes de chumbo numa escola próxima a Notre-Dame.

As autoridades de saúde municipais e regionais ainda não testaram todas as escolas situadas nas proximidades da capital.

Em pelo menos 18 creches, pré-escolas e escolas primárias os testes detectaram níveis de pó de chumbo que ultrapassam o padrão regulamentar francês para prédios que abrigam crianças.

Em dezenas de outros espaços públicos, como praças e ruas, as autoridades descobriram níveis de chumbo até 60 vezes acima do padrão de segurança.

Uma das maiores preocupações pode ser a contaminação do solo de parques públicos.

Os maiores níveis de contaminação, revelados em documentos confidenciais do Ministério da Cultura aos quais o NYT teve acesso, foram detectados em diferentes pontos na catedral e perto dela.

As autoridades não limparam a área imediatamente após o incêndio e aguardaram quatro meses para terminar a descontaminação completa do bairro.

O Ministério da Cultura, responsável pela limpeza do local e pela reconstrução de Notre-Dame, não implementou ou se recusou a implementar procedimentos de segurança para trabalhadores, deixando-os expostos a níveis de chumbo mais de mil vezes superiores ao padrão aceito.

“São níveis astronômicos, e a atitude das autoridades de saúde é inexplicável”, declarou Annie Thébaud-Mony, respeitada especialista francesa em saúde pública que lidera os chamados públicos por mais transparência desde o incêndio na catedral.

Os níveis de chumbo são considerados suficientemente preocupantes para alguns especialistas em saúde consultados pelo NYT. Eles desaconselharam levar crianças pequenas a áreas próximas a Notre-Dame, embora todos tenham concordado que é seguro ir a Paris.

Algumas autoridades francesas e especialistas em chumbo pediram que se evite uma paranoia e argumentaram que em uma cidade tão antiga quanto a capital francesa nem todos os altos níveis de chumbo podem ser atribuídos ao incêndio de Notre-Dame.

Os resultados podem refletir em parte a existência de problemas subjacentes maiores de contaminação por chumbo em Paris.

A contaminação por chumbo gera riscos sobretudo às crianças, especialmente às menores de 6 anos, além de grávidas e lactantes, que podem transmitir o chumbo aos filhos.

Quando ingerido, o chumbo interfere no desenvolvimento normal do sistema nervoso e pode causar danos cognitivos permanentes em crianças pequenas, produzindo problemas que podem variar da perda de alguns pontos de QI a dificuldades de leitura e uma tendência a comportamentos agressivos.

Mesmo assim, centenas de crianças continuaram a frequentar escolas perto de Notre-Dame durante semanas até que, em meados de maio, as autoridades começaram a testar os níveis de chumbo e a fazer a limpeza de prédios.

“É evidente que se você incinera centenas de toneladas de chumbo, haverá uma deposição importante de partículas nos arredores”, comentou Matthew Cachère, há anos advogado da Coalizão de Nova York para Acabar com a Contaminação por Chumbo.

“Eu teria imaginado que as autoridades de saúde soubessem o suficiente para entender que esta catástrofe tinha o potencial de causar grandes danos ambientais”, disse Chachère.

Notre-Dame é uma estrutura ímpar na França, e depois do incêndio a resposta oficial foi dividida entre as autoridades municipais, regionais e nacionais.

Cada órgão e nível tinham responsabilidades distintas e, em alguns casos, interesses que se contrapunham, gerando choques entre linhas de autoridade e reduzindo a responsabilização.

As autoridades de Paris, que só encomendaram testes de contaminação por chumbo um mês após o incêndio, disseram que queriam se comunicar com o público de maneira mais transparente, mas estavam seguindo o exemplo de órgãos regionais e nacionais.

“O estado teve medo de assustar a população”, explicou Anne Souris, vice-prefeita de Paris responsável pela saúde, observando também que as autoridades se viram diante de um desastre singular, com dificuldades de orientar-se em meio a regulamentos às vezes conflitantes.

“O poder público achou que protegeria a população, não divulgando informações sobre o problema do chumbo”, explicou.

Neste mês as autoridades parisienses abriram as escolas públicas para o novo ano letivo e disseram que nenhuma delas ainda apresentava nível alarmante de chumbo. Algumas escolas particulares não abriram em tempo, por medo do chumbo.

Em parte devido à falta de transparência das autoridades, muitos pais não estão convencidos de que as escolas estejam livres de chumbo.

A consciência pública do problema foi crescendo apenas lentamente. Foram necessários uma ação judicial, o vazamento para a imprensa francesa dos resultados de testes e críticas públicas feitas por especialistas.

Os peritos têm opiniões divergentes quanto a se a cidade deve submeter as crianças da área exposta a exames compulsórios.

Alguns especialistas franceses argumentam que a presença de alto nível de chumbo em superfícies não tem correlação necessária com a contaminação de crianças individuais.

Mas muitas crianças foram submetidas a um risco alto. Mais de 6.000 crianças com menos de 6 anos vivem em um raio de 800 metros dos locais em que os testes apontaram níveis elevados de chumbo.

A recusa das autoridades em exigir que as crianças façam exames vai praticamente impossibilitar a avaliação da extensão total da exposição a chumbo, já que os níveis de chumbo declinam com o tempo à medida que o elemento é eliminado do corpo.

“Elas não incentivaram as pessoas a fazer exames de concentração de chumbo, não fecharam as escolas e a Agência Regional de Saúde não emitiu um alerta”, disse Thébaud-Mony. “A cidade de Paris se escondeu atrás das autoridades.”

Centenas de crianças foram expostas a chumbo

Imponente como uma fortaleza, a sede da Polícia da Prefeitura de Paris fica diante de Notre-Dame e serviu como centro do comando de operações na noite do incêndio na catedral.

Enquanto as sirenes tocavam e os bombeiros temiam que a catedral desabasse, uma creche situada dentro do prédio da polícia foi fechada às pressas, por medo de que pudesse ser esmagada por escombros da catedral.

Dias mais tarde, a creche, que atende filhos de policiais, foi testada para averiguar a presença de chumbo.

De acordo com um documento confidencial da polícia, em algumas áreas dela foram constatados níveis de chumbo até 2,5 vezes acima do padrão francês para prédios frequentados por crianças.

O documento indica que as autoridades francesas tomaram conhecimento do perigo da contaminação por chumbo dias após o incêndio, mas mantiveram silêncio.

Os filhos dos policiais foram transferidos para uma segunda creche mais distante de Notre-Dame, em outro prédio da polícia.

Até 80 crianças brincariam nessa segunda creche nas semanas seguintes. Mas descobriu-se que o segundo prédio também estava contaminado.

Novos testes, que trouxeram resultados mais preocupantes do que em um primeiro momento, também foram escondidos dos policiais e do público.

Na segunda creche, 20 medições indicaram níveis de chumbo no limite ou acima do limite para prédios que abrigam crianças.

Esses níveis foram constatados, entre outros, na salinha dos "duendes" e nas salas onde bebês eram alimentados com mamadeiras.

As janelas do prédio haviam ficado abertas durante o incêndio, segundo o relatório policial confidencial.

No início de maio a prefeitura finalmente fechou a segunda creche para que fosse descontaminada e informou os policiais da situação.

Mas nenhum alarme mais geral tocou.

“Tomamos medidas imediatamente e fechamos nossas próprias creches por um mês e meio”, disse Frédéric Guillo, policial e representante de sua categoria junto a uma das maiores centrais sindicais francesas, a CGT.

“Por que as autoridades públicas não fizeram nada pelas outras creches?”, perguntou.

Um problema era que mensagens diferentes estavam sendo recebidas de diferentes órgãos do governo.

Em 9 de maio a Agência Regional de Saúde divulgou comunicado de tom tranquilizador ao público, confirmando apenas “a presença de pó de chumbo na vizinhança imediata da catedral”.

Ao mesmo tempo, funcionários do Ministério da Cultura, responsável pela reconstrução de Notre-Dame, estavam minimizando os riscos em uma reunião com autoridades de saúde pública, inspetores do trabalho, a polícia e representantes locais, segundo uma pessoa presente à reunião.

O conservador regional do Ministério da Cultura Antoine-Marie Préaut disse que as autoridades levaram as preocupações a sério. “Não estamos minimizando o risco de contaminação por chumbo”, disse.

As creches e as escolas públicas próximas a Notre-Dame continuaram abertas por semanas após o incêndio.

No início de maio as autoridades parisienses divulgaram recomendações de que fosse realizada a limpeza de escolas próximas à catedral, mas ofereceram poucas orientações aos pais.

Em meados de maio, sem informar o público do fato, a prefeitura começou a fazer os primeiros testes de chumbo em escolas primárias públicas.

Nas duas semanas seguintes foram testadas nove escolas primárias e creches nas proximidades de Notre-Dame, seis das quais acusaram níveis de chumbo até 2,5 vezes acima do limite regulamentário aceito.

Em julho as escolas fecharam para as férias de verão, e a ansiedade pública começou a aumentar.

No início da julho o site francês de jornalismo investigativo Mediapart publicou os primeiros documentos vazados sobre preocupações com o chumbo em Notre-Dame e arredores.

Pais exigiram transparência maior sobre os riscos, e entidades ambientalistas soaram alarmes.

A agência regional de saúde havia convidado anteriormente grávidas e crianças de até 7 anos a fazer exames de chumbo. Agora a agência passou a enfocar as escolas, ampliando o perímetro de atenção e o número de escolas testadas.

Quando os resultados começaram a chegar, ficou claro que mais e mais escolas apresentavam níveis preocupantes de chumbo.

Nesse momento as crianças já estavam de férias, ainda que algumas escolas na área de Notre-Dame continuassem abertas para funcionar como acampamentos de férias.

Os testes revelaram níveis de chumbo superiores ao limite recomendado em pelo menos 18 creches, pré-escolas e escolas primárias.

Duas escolas que estavam sendo usadas como acampamentos de férias foram fechadas quando os testes revelaram contaminação preocupante.

Ainda não está claro por que todas as escolas da área não foram testadas mais prontamente.

Muitos dos resultados dos testes só foram divulgados quando a pressão pública aumentou. Algumas semanas mais tarde, no final de julho, uma entidade ambiental francesa moveu uma ação judicial contra o governo pela lentidão em responder à crise.

Em entrevista telefônica, Anne Souris, a vice-prefeita de Paris responsável pela saúde pública, disse que as autoridades parisienses não divulgaram os resultados dos testes porque queriam coordenar sua ação com as autoridades nacionais.

Como outros representantes do poder público, ela também disse que uma cidade tão antiga quanto Paris tem um problema com chumbo que antecede em muito o incêndio de Notre-Dame.

“Temos um problema muito amplo com chumbo”, disse Souris. “O problema vai muito além de Notre-Dame, mas, já que não existe norma para espaços públicos, precisamos de um plano maior para lidar com o chumbo em Paris.

Com algumas exceções, os regulamentos franceses relativos a chumbo são diretrizes, e não normas legalmente compulsórias. Ou seja, são essencialmente optativos.

O Ministério da Saúde definiu que mais de 70 microgramas de chumbo por metro quadrado equivalem a “risco de contaminação por chumbo para crianças expostas a esse nível” e requerem “intervenção pronta”.

Mas essa regra diz respeito a espaços fechados. Em Paris, as autoridades vêm discordando em relação ao limite de chumbo permissível em espaços externos.

As dúvidas dos pais

No momento em que começa o novo ano letivo, e as famílias parisienses mandam seus filhos de volta à escola, muitas querem saber se seus filhos foram expostos a chumbo e se ainda correm risco.

“Num primeiro momento as escolas e as autoridades locais tentaram nos tranquilizar”, comentou Anne Souleliac, mãe de três filhos e moradora do quinto arrondissement (distrito).

“Mas será que já temos uma noção real do risco? Acho que não.”

Em maio, Souleliac pediu ao diretor da escola primária particular de seu filho mais velho que a escola fizesse testes de chumbo, mas o pedido foi ignorado, segundo ela.

Em agosto, depois de as autoridades terem ampliado a área considerada de risco, a escola mudou de posição e encomendou os testes.

Os resultados não foram divulgados publicamente, mas a escola adiou o início do novo ano letivo.

Enquanto as autoridades continuaram a realizar testes de chumbo, cinco escolas primárias particulares deixaram de reabrir em tempo para o início do novo ano letivo.

Embora a Agência Regional de Saúde tenha resistido a pedir que as crianças tenham que passar por exames compulsórios, cerca de 400 crianças fizeram esses exames por iniciativa de seus pais, segundo informou a agência na quinta-feira (12).

Dessas crianças, 8,5% mostraram níveis de contaminação por chumbo no limite ou acima do limite permitido na França. A agência não revelou em quais escolas estudam essas crianças.

As autoridades destacam que “medições ambientais” conduzidas já no dia seguinte ao incêndio acusaram “boa qualidade do ar”.

Nada foi dito em relação às centenas de pessoas que assistiram ao incêndio de Notre-Dame e podem ter sido expostas ao pó de chumbo na atmosfera.

“É compreensível que os pais tenham dúvidas”, comentou Fabien Squinazi, ex-diretor do Laboratório de Saúde Pública de Paris. Ele assessorou as autoridades sobre o problema do chumbo durante o verão.

“Mas se crianças passaram alguns minutos num pátio escolar com alto nível de chumbo e o resto do dia numa sala de aula não contaminada, não há motivo para preocupação. Um alto nível de chumbo nas superfícies não significa automaticamente que uma criança tenha sido contaminada.”

A região que é alvo da maior atenção oficial é a Île de la Cité, a ilha no rio Sena onde se situa a catedral de Notre-Dame.

As autoridades locais abriram um centro especial para examinar crianças de até 7 anos e mulheres grávidas residentes na ilha.

Mas para todo o resto da população, incluindo os moradores da área de preocupação mais ampla, os exames de nível de chumbo só são oferecidos a pessoas munidas de pedidos especiais preenchidos por médicos.

Falhas prolongadas de segurança

As pessoas expostas aos mais altos níveis de chumbo foram as que trabalharam na própria catedral.

Em julho, em meio à preocupação pública crescente, as autoridades suspenderam os trabalhos na catedral, dizendo que eram necessárias medidas mais rígidas “em conformidade com as exigências da fiscalização de trabalho”.

Na realidade, as obras no local só foram suspensas depois de sete cartas alarmantes, dezenas de emails e uma série de reuniões acaloradas entre inspetores de trabalho e os responsáveis pelo trabalho de reconstrução da catedral dentro do cronograma ambicioso de cinco anos traçado pelo presidente Emmanuel Macron.

O NYT teve acesso às cartas confidenciais dos inspetores de trabalho, que detalham uma multidão de falhas que expuseram operários a níveis de chumbo excepcionalmente elevados.

Testes feitos no interior da catedral constataram níveis de chumbo até 588 vezes acima do limite regulatório permitido.

Na área de Notre-Dame aberta a operários e agentes de segurança os níveis de chumbo eram até 1.300 vezes mais altos, segundo as medições confidenciais do Ministério da Cultura às quais o New York Times teve acesso.

Fora da obra propriamente dita, nas calçadas vizinhas, os operários foram expostos a níveis de chumbo de até 955 vezes o limite permitido.

Um mês após o incêndio, um inspetor de trabalho avisou que nem todos os operários estavam usando equipamentos de segurança e exortou as autoridades a “implementar imediatamente as medidas necessárias para proteger funcionários dos riscos da exposição a chumbo”.

Para intensificar o perigo, os inspetores notaram que operários que trabalhavam no interior da catedral não estavam descontaminando as roupas que usavam por baixo dos macacões de trabalho quando saíam do trabalho.

Os funcionários voltavam para casa nessas roupas, expondo suas famílias à possibilidade de contaminação por chumbo.

Segundo Squinazi, o especialista parisiense, os filhos desses operários precisam ser submetidos a exames.

O inspetor de trabalho constatou que quando operários iniciaram a descontaminação da área aberta da catedral, no início de junho, eles não usaram roupas protetoras e não tinham recebido nenhuma orientação sobre a exposição a chumbo.

Em carta final datada de 22 de julho, outro inspetor denunciou que operários estavam entrando no local por meio das unidades de descontaminação pelas quais deveriam passar quando saíam.

“O modo como os trabalhos estão organizados no momento não permite uma descontaminação eficaz dos operários”, concluiu o inspetor.

Ele ameaçou parar a obra se não fossem adotadas medidas de segurança. Três dias mais tarde, ela foi fechada.

Representantes sindicais furiosos acusaram o governo de priorizar a reconstrução do monumento, em detrimento da saúde pública. O Ministério da Cultura rejeita a acusação.

“Não negamos que tenha havido um risco com o chumbo, mas as medidas que adotamos logo após o incêndio ajudaram a evitar a exposição dos trabalhadores”, disse Préaut, o conservador do Ministério da Saúde.

Segundo ele, das dezenas de operários que já trabalharam na obra, três acusaram níveis de chumbo no sangue superiores ao limite permitido. Eles estão recebendo acompanhamento médico.

As empresas que estão realizando o trabalho dizem que testam seus trabalhadores, mas que não divulgaram os resultados dos exames por uma questão de confidencialidade médica.

Préaut observou que a exposição a chumbo é um tópico complicado, em parte devido à ausência de limites regulatórios claros.

“Existe chumbo em outros lugares em Paris”, explicou. “Cada vez que há uma construção aqui, encontramos algum chumbo em volta dela.”

Os trabalhos na catedral foram retomados em 19 de agosto com uma série de novas medidas de segurança, incluindo a obrigatoriedade de lavagem dos pés, chuveiradas de descontaminação e uso de roupas íntimas descartáveis. Uma empresa contratada realiza a descontaminação das roupas de trabalho.

Foram adotadas verificações rígidas na entrada e saída de trabalhadores da obra.

Mas, mesmo após a retomada dos trabalhos, ainda era possível ver operários trabalhando no lado norte da catedral sem luvas ou máscaras. Segundo as medições do próprio Ministério da Cultura, os níveis de chumbo nessa área eram dez vezes superiores ao limite recomendado.

Sobre o telhado, onde alguns operários trabalharam por meses sem máscaras ou luvas, algumas medições acusaram níveis de chumbo 2.300 vezes acima do limite de segurança.

O arquiteto-chefe responsável pela reconstrução da catedral, Philippe Villeneuve, descreveu o chumbo como um dos desafios mais complexos da reconstrução.

“Sabemos como reconstruir o telhado, a torre, as abóbadas”, disse. “Mas, chumbo? Não sabemos quais são os limites e desconhecemos as regras exatas a seguir.”

Ele e outros agora temem que os trabalhos leve mais tempo que o previsto devido às precauções.

“Já não estamos trabalhando no mesmo ritmo”, disse, atribuindo isso “ao problema com o chumbo”.
“A questão do chumbo ainda não está resolvida.”

Preocupações se acumulam

Os donos de estabelecimentos comerciais nas ruas em volta de Notre-Dame viram sua receita cair vertiginosamente desde o incêndio.

Os turistas foram proibidos de acessar algumas ruas, a praça e a catedral, no passado um dos locais mais visitados do mundo.

Os comerciantes dizem que inspetores da prefeitura ou do estado realizaram testes de chumbo em seus cafés ou restaurantes e que seus locais são seguros.

Marie-Madeleine Miquel, ou Mado, 80, é dona de três restaurantes nas proximidades da catedral. Segundo ela, os testes não revelaram níveis alarmantes de chumbo.

Mesmo  assim, a receita de seus restaurantes caiu 90% desde o incêndio.

“O que vai me matar não é o chumbo”, comentou, sentada em seu restaurante vazio, com partes de sua rua ainda fechadas enquanto não terminavam as operações de descontaminação. “É a falta de turistas.”
Outros continuam preocupados, enquanto a ansiedade dá lugar à incerteza.

“Nem todas as crianças foram testadas, e os pais estão mal informados”, disse Mathé Toullier, porta-voz da maior organização francesa que representa vítimas de contaminação por chumbo.

“Só daqui a alguns anos vamos saber se houve consequências, e essas consequências podem ser terríveis.”

Tradução de Clara Allain

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