De fantasia a 'valores', tema racial ganha evidência nas eleições no Canadá

Alguns candidatos defendem políticas para limitar liberdade de expressão de certas culturas

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Ottawa | Reuters

Há muito tempo o Canadá se orgulha de seu multiculturalismo e sua harmonia racial, mas a campanha eleitoral de 2019 expôs tensões raciais, incluindo fotos do primeiro-ministro Justin Trudeau fantasiado, com o rosto pintado de preto, e a ascensão de um partido populista de extrema direita determinado a impor o que chama de "valores canadenses".

Com seis partidos competindo em uma campanha eleitoral apertada, alguns candidatos hoje defendem políticas específicas destinadas a limitar a liberdade de expressão de certas culturas.

Mais notavelmente, o pequeno Partido Popular do Canadá (PPC), do ex-ministro Maxime Bernier, quer reduzir os níveis de imigração.

Em declarações sem precedentes para um líder partidário nacional, Bernier cita preocupações sobre se os imigrantes estão se alinhando aos "valores canadenses". Nega, porém, que ele ou seu partido sejam racistas ou estejam promovendo políticas racistas.

Quatro partidos –Liberal, Conservador, Verde e Bloco Quebecois– foram forçados a recusar ou repreender candidatos por fazerem comentários racistas.

Trudeau pediu desculpas em setembro, depois de ser amplamente criticado quando surgiram imagens dele de "blackface" e turbante em uma festa de "Mil e Uma Noites" em 2001.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, em campanha para as próximas eleições, em Hamilton, Ontário
O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, em campanha para as próximas eleições, em Hamilton, Ontário - Stephane Mahe / Reuters

Na última quarta-feira (16), o ex-presidente dos EUA Barack Obama exortou os canadenses a reeleger Justin Trudeau numa mensagem em sua conta no Twitter. Ele disse estar orgulhoso por ter atuado com o premiê canadense e o qualificou como um líder trabalhador e eficaz.

A série de incidentes com tons racistas levou alguns observadores a prever que haverá problemas sociais duradouros após a eleição de 21 de outubro, que tem os liberais, no poder, e os conservadores, de oposição, empatados nas pesquisas.

"Penso que este é um ponto de inflexão para o Canadá. A raça é finalmente uma questão aqui, e como lidaremos com ela como país, no nível político e no nível social, vai determinar muitas coisas no futuro", disse Balpreet Singh, consultor jurídico da Organização Mundial Sikh do Canadá.

No início deste mês, um homem de Montreal disse a Jagmeet Singh, líder dos Novos Democratas, de oposição, e praticante sikh, que deveria tirar seu turbante "para parecer um canadense".

Singh, cuja declaração foi captada por câmeras da imprensa, respondeu: "Não concordo, senhor", dizendo ao homem que "os canadenses se parecem com todo tipo de pessoas".

Em 2019, mais de 331 mil novos imigrantes –cerca de 1% da população– devem chegar ao Canadá.

Nem todos os canadenses veem a raça como uma questão dominante. Uma pesquisa da Ipsos neste ano revelou que 47% dos entrevistados canadenses consideram o racismo um problema sério, contra 69% em 1992.

Nas recentes campanhas eleitorais canadenses, a questão racial espreitou abaixo da superfície, mas foi menos evidente.

Durante a campanha de 2015, por exemplo, os conservadores então no governo anunciaram planos de uma linha direta para os canadenses denunciarem "práticas culturais bárbaras" –medida que muitos disseram ser dirigida aos muçulmanos.

Os conservadores afirmaram na época que a medida visava proteger mulheres e crianças de casamentos forçados, poligamia ou mutilação genital feminina.

Outro tema importante, há quatro anos, foram as feridas do racismo colonial contra os povos indígenas.

Errol Mendes, professor de direito na Universidade de Ottawa e especialista em direitos humanos, disse que a linha direta contra "práticas bárbaras" em 2015 foi uma "tentativa desesperada que falhou tremendamente" e por isso causou danos limitados à coesão social.

"Desta vez há muito mais tentativas de marginalização racial que poderão ter impacto em longo prazo", disse.

Mendes citou as plataformas do PPC e uma polêmica lei de Quebec que proíbe certos funcionários públicos de usar símbolos religiosos como turbantes, hijabs e quipás judaicos na província de língua francesa. Quebec diz que a lei visa consolidar uma sociedade secular.

Todos os líderes partidários nacionais, cautelosos para não afastar os eleitores, adotaram uma abordagem cautelosa dessa lei polarizante, observando que vários grupos de Quebec já a estão contestando na Justiça.

Trudeau é o único candidato a dizer que poderá levar a província a julgamento. O líder conservador Andrew Scheer disse que não fará isso. O chefe dos Novos Democratas, Singh, afirma desaprovar fortemente a lei, mas não prometeu contestá-la.

"Chegará um momento em que as coisas vão se destrinchar, e não podemos nos antecipar a isso", disse Dania Hadi, muçulmana que usa o lenço de cabeça hijab. "Hoje é Quebec, talvez amanhã seja outra província."

Alguns especialistas dizem que essas preocupações com raça são reais, mas exageradas.

"Acho que não podemos dizer que o racismo é um grande problema no Canadá", afirmou Amira Halperin, pesquisadora especializada em questões de migração na Universidade da Colúmbia Britânica.

"O problema é que existem muitos grupos, muitos indivíduos que não fazem parte dessa abordagem acolhedora, que são racistas e vivem aqui no Canadá."

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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