Descrição de chapéu The Washington Post

Decisão sobre Síria põe à prova apoio de Trump entre republicanos em meio a impeachment

Presidente é questionado por abandonar aliados curdos e abrir caminho para invasão da Turquia

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Philip Rucker Robert Costa
Washington | The Washington Post

A decisão do presidente Donald Trump de retirar repentinamente as forças americanas do norte da Síria enfureceu lideranças evangélicas e republicanos de linha dura, dividindo opiniões em sua coalizão política no exato momento em que ele procura fortalecê-la para conseguir sobreviver à intensificação da investigação do Congresso para seu impeachment.

Em vez de contar com apoio republicano unânime enquanto ele mergulha num confronto constitucional com os democratas da Câmara e se prepara para uma campanha difícil para sua reeleição, Trump agora está lutando em duas frentes dentro de seu próprio partido.

O presidente Donald Trump, ao assinar ordens executivas na Casa Branca - Jonathan Ernst - 9.out.2019/Reuters

​Trump tenta silenciar a dissensão em relação à sua conduta ao pressionar a Ucrânia a investigar um rival político doméstico e, ao mesmo tempo, as vozes que discordam de sua decisão sobre a Síria, à qual seus críticos atribuem a ofensiva lançada pela Turquia contra a Síria na quarta-feira (9).

Os últimos dias testaram os limites do apoio republicano a Trump, numa encruzilhada política altamente tensa que mergulhou políticos eleitos em incerteza.

Enquanto os parlamentares republicanos vêm hesitando em falar diretamente sobre o tópico central da discussão sobre impeachment –a conduta de Trump com seu colega ucraniano--, muitos sentem-se à vontade em condenar fortemente a decisão do presidente em relação à Síria.

Tudo isso ressalta a fluidez de posições entre as fileiras republicanas.

Caso em pauta: o senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, um dos defensores mais leais de Trump, cujo feed no Twitter nesta semana ilustra essa dinâmica perfeitamente.

No prazo de 15 horas Graham repetiu fielmente os argumentos de Trump, acusando os democratas da Câmara de “destruir” a Constituição com sua iniciativa de impeachment, mas também condenou a administração Trump por ter “abandonado descaradamente” seus aliados curdos, “garantindo o ressurgimento do Estado Islâmico”, segundo o senador.

Outro exemplo: a senadora republicana do Wyoming Liz Cheney, membro da liderança de seu partido, que na semana passada apoiou Trump, escrevendo no Twitter que a investigação de impeachment “está começando a parecer uma armação política”.

Na quarta-feira Cheney lançou uma declaração arrasadora: “A decisão do presidente Trump de retirar as forças americanas do norte da Síria está tendo consequências repugnantes e previsíveis”.

Posicionar-se contra um presidente que exige lealdade absoluta dos membros de seu partido sempre teve riscos, mas muitos republicanos se sentem muito mais seguros em fazê-lo sobre questões de política externa, nas quais Trump frequentemente diverge da posição republicana histórica —como em relação à Síria—, do que quando o que está em pauta são questões que afetam Trump pessoalmente, como o impeachment. É o que dizem funcionários e estrategistas republicanos.

“A complexidade envolvendo a Síria, a Turquia e os curdos extrapola o entendimento das pessoas comuns”, explicou o ex-governador republicano da Carolina do Norte Pat McCrory.

“Essa é uma das questões que parece importante, mas ninguém entende as complexidades. Você só ouve dizerem que ‘Trump pode ter cometido um erro sobre isso’, mas não muito mais.”

Para a maioria dos defensores de Trump, disse McCrory, a questão da Síria “não é algo pessoal. É uma divergência na área de política externa.”

Michael Steel, ex-assessor da liderança republicana na Câmara, explicou que nos últimos três anos os parlamentares “vêm testando os limites da tolerância de Trump com posições divergentes”.

Segundo ele, quando o assunto são divergências sobre políticas, “o que se vê é uma tolerância muito maior". "Não vemos tempestades de posts furiosos no Twitter sobre republicanos que votaram por sanções contra a Rússia. A mesma coisa se aplica às diferenças de posição em relação à Síria.”

Trump defendeu sua decisão de tirar as forças americanas da Síria numa sessão longa de perguntas e respostas com jornalistas na Casa Branca na quarta-feira.

Ele argumentou que os americanos estão fartos há muito tempo das “guerras intermináveis” em outros países e que “mais dia, menos dia alguém teria que tomar essa decisão”.

Falando de uma visita passada para acompanhar o retorno aos EUA dos corpos de soldados americanos mortos no exterior, o presidente disse que os familiares às vezes “correm até o caixão".

"Eles furam a barreira militar, eles correm até o caixão e pulam em cima dele chorando, mães e esposas chorando desesperadamente. E isso se deve a essas guerras intermináveis que nunca acabam.”

Trump fez pouco caso nesta semana das queixas de alguns de seus principais aliados, incluindo evangélicos destacados, sobre sua decisão em relação à Síria, abstendo-se –pelo menos até agora— dos insultos e provocações no Twitter com os quais geralmente reage a críticas.

Questionado sobre os comentários de Lindsey Graham, Trump reagiu com moderação incomum.

“Lindsey e eu pensamos diferentemente”, disse. “Acho que Lindsey gostaria de manter nossas forças lá pelos próximos 200 anos e talvez acrescentar uns 200 mil soldados em cada lugar, mas eu discordo dele sobre isso.”

Os assessores de Trump dizem que sua atitude desafiadora se deve à sua confiança em que a maioria dos eleitores republicanos se interessa muito mais pela discussão do impeachment que por política externa e porque ele acredita que muitos de sua base compartilham seus instintos não intervencionistas.

O estrategista republicano Chip Saltsman, do Tennessee, disse que ativistas conservadores estão altamente mobilizados com a disputa do impeachment, que opõe Trump aos democratas da Câmara.

“Não conversei com ninguém da base republicana que tenha mencionado a Síria”, disse Saltsman. “Falei com lideranças evangélicas que tocaram nesse assunto. Mas, para a base eleitoral, neste momento, o impeachment é uma questão tão premente que a questão da Síria ainda não chamou a atenção dela.”

Lideranças evangélicas vêm falando abertamente contra a retirada das tropas americanas da Síria, tanto porque cristãos na região temem as consequências de uma conquista turca quanto pelo medo de que instabilidade ou um vácuo de poder na região possam levar o Irã a ampliar sua influência e acabar ameaçando Israel.

“Os evangélicos encaram essa decisão de Trump como um soco no estômago, mas os socos no estômago nem sempre têm impacto duradouro”, disse David Brody, correspondente político chefe da Christian Broadcasting Network.

Para ele, as reações negativas sobre a Síria criam uma mini crise para a Casa Branca, mas “o presidente já fez tanto pelos evangélicos, em matéria de juízes e legislação, que esta decisão sobre a Síria não será sua sentença de morte”.

O ex-governador do Arkansas Mike Huckabee, republicano que tem grande número de seguidores entre a direita religiosa, escreveu no Twitter: “Geralmente apoio o presidente em política externa e não quero ver nossas tropas travando as guerras de outros países, mas abandonar os curdos foi um erro ENORME. Eles nunca nos pediram para travar as guerras DELES, apenas para nos darem as ferramentas para eles se defenderem. Eles têm sido aliados leais. NÃO PODEMOS abandoná-los”.

Mesmo assim, Trump, assim como o vice-presidente, Mike Pence, e o assessor sênior Jared Kushner, cultivaram relacionamentos com lideranças evangélicas tão assiduamente que algumas dessas lideranças o apoiam em qualquer situação.

Por exemplo, o pastor evangélico e televangelista Robert Jeffress, de Dallas, disse que Trump lhe mandou “uma carta manuscrita profundamente apreciada” para agradecer por suas palavras de apoio na televisão.

“Ele sabe que estamos ali para lhe dar nosso apoio e lembrar às pessoas de nosso lado que não devem se surpreender se o presidente que fez campanha prometendo acabar com guerras queira acabar com guerras”, disse Jeffress.

Em relação ao impeachment, os parlamentares republicanos estão mais alinhados com Trump, pelo menos publicamente, do que estão em relação à Síria.

Mesmo assim, novas divergências estão emergindo. O senador republicano Rob Portman, do Ohio, líder partidário experiente que é tido em alta conta por sua cautela e seus instintos políticos aguçados, disse ao Columbus Dispatch que “não é apropriado um presidente pedir a cooperação do governo de outro país para investigar um adversário político”.

Portman se somou aos senadores republicanos Mitt Romney, do Utah, Joni Ernst, de Iowa, Ben Sasse, do Nebraska, e Susan Collins, do Maine, que expressaram graus diversos de repúdio à conduta de Trump.

Scott Reed, o estrategista político chefe da Câmara de Comércio americana, disse que os líderes republicanos estão avaliando os fatos “dia a dia”, porque as informações continuam a vir à tona em ritmo acelerado. “Todos estão em posição de aguardar para ver”, ele disse, falando dos parlamentares.

As pesquisas de opinião pública indicam um aumento do apoio popular ao impeachment. Uma pesquisa Washington Post-Schar School divulgada nesta semana indiciou que 58% dos americanos são favoráveis à abertura da investigação de impeachment. Entre eles se incluem três em cada dez republicanos.

O ex-parlamentar republicano Charlie Dent disse que seus amigos na Câmara estão fazendo cálculos de impeachment baseados em política de base.

“Acho que os deputados vão ficar ao lado do presidente enquanto a base ficar ao lado dele”, disse Dent. “Acho isso um erro, para falar francamente. Eles poderiam afetar mais as opiniões da base se mais deles se manifestassem. Essa é uma das funções da liderança.”

Alguns setores da Casa Branca reconhecem que Trump não pode ignorar o nervosismo dos republicanos.

Trump está trabalhando intensivamente para mobilizar sua base política. Após discussões na Casa Branca no mês passado sobre a necessidade urgente de “levar Trump ao país”, nas palavras de um funcionário, o presidente programou comícios de campanha para esta quinta-feira no Minnesota e para sexta na Louisiana.

Nas próximas semanas o chefe de gabinete interino da Casa Branca Mick Mulvaney pretende ajudar Trump a iniciar uma ofensiva discreta para garantir a adesão de parlamentares republicanos, oferecendo jantares e reuniões privadas, encontros em Camp David e outras maneiras de expressar sua apreciação pelo apoio deles.

A informação é de três assessores de Trump não autorizados a falar publicamente.

O porta-voz da Casa Branca Hogan Gidley disse por email: “A administração aguarda com prazer levar adiante seus contatos com parlamentares sobre muitas questões reais que afetam o povo americano e, infelizmente, até mesmo as questões vergonhosamente politicamente motivadas dos democratas, como este impeachment fajuto”.

Enquanto isso, Mike Pence viajou ao Meio-Oeste na quarta-feira para tentar aumentar as pressões no Congresso pela aprovação do acordo comercial entre EUA, México e Canadá. “Vim ao Iowa hoje para aumentar a pressão”, disse Pence em um evento em Waukee.

“A verdade é, e todos sabemos disso, que os democratas vêm passando seu tempo com investigações intermináveis e um impeachment partidário”, disse Pence. “Mas já chega. O povo americano merece mais que isso.”

Ao lado do vice estava Joni Ernst, que enfrentará uma disputa difícil para se reeleger em 2020 e que recentemente foi confrontada por um eleitor frustrado como fato de ela não opor resistência a Trump.

Ernst estava toda sorrisos quando, ao lado de Pence, saudou os presentes numa fazenda cercada por milharais, deixando muito claro que abraça plenamente a administração Trump.

Mais tarde ela ficou ao lado de Pence para falar com jornalistas e disse que estava feliz por estar ao lado dele.

Tradução de Clara Allain

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