Depois de vitória na Síria, Rússia busca mais influência na África

Putin faz cúpula inédita visando aumentar fluxo comercial e oferece ajuda militar

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São Paulo

Enquanto ainda saboreia os frutos de sua vitória estratégica na Síria, o presidente Vladimir Putin reuniu representantes dos 54 países da África pela primeira vez na história da Rússia. O objetivo, retomar o nível de influência que o Kremlin tinha no continente durante a Guerra Fria.

Putin acena entre o ditador egípcio Abdel Fattah al-Sisi e o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa (dir.)
Putin entre o ditador egípcio Al-Sisi e o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa (dir.), em Sochi - Alexei Drujinin/Sputnik/AFP

Putin encerrou nesta quinta (24) um encontro de dois dias em Sochi, balneário do mar Negro. Ali, apresentou-se como uma opção mais confortável aos regimes africanos, muitos deles ditaduras brutais, do que o Ocidente.

“Vemos como vários estados ocidentais recorrem à pressão, intimidação e chantagem em relação a nações africanas soberanas. Desta forma, eles tentam retomar sua influência perdida sobre antigas colônias. Nós pretendemos defender interesses econômicos comuns com nossos parceiros africanos”, disse Putin antes da cúpula.

Se na Síria, onde o russo foi fiador de um acordo que encerrou a ofensiva turca contra territórios curdos no norte do país e está em vias de estabelecer uma tentativa de finalizar a guerra civil iniciada em 2011, os principais perdedores políticos foram os americanos, na África a situação é diversa.

Os europeus, que dominaram boa parte do continente, hoje têm primazia econômica por lá. Segundo o Banco Mundial, o fluxo comercial entre África e União Europeia é de US$ 334 bilhões ano. Os russos têm, hoje, apenas US$ 20 bilhões.

Além disso, uma das maiores antigas potências coloniais, a França, atua ativamente em missões militares nos países da região conhecida como o Sahel, uma faixa ao sul do deserto do Saara que inclui 16 países, sendo a garantidora da paz em diversos conflitos.

O outro grande ator no continente é a China, com extensa presença econômica no setor de infraestrutura, e também de defesa, em vários países. O volume comercial africano com Pequim é de US$ 214 bilhões anuais, enquanto os americanos movimentam cerca de US$ 60 bilhões.

No caso chinês, um aliado que tem reforçado amplamente laços militares com Moscou, Putin está em situação menos favorável para se oferecer como alternativa: a ditadura comunista também não distingue coloração política de parceiros e tem condições infinitamente superiores às russas de oferecer vantagens econômicas.

Visitante africano com submetralhadora russa Kalachnikov em evento paralelo à cúpula de Sochi
Visitante africano com submetralhadora russa Kalachnikov em evento paralelo à cúpula de Sochi - Serguêi Chirikov/AFP

Com tais disparidades, resta a Putin o discurso político e gestos de boa vontade.

Ele anunciou o perdão dos US$ 20 bilhões em débitos acumulados entre países africanos e a antiga União Soviética —a Rússia foi o principal Estado sucessor do império comunista desmantelado em 1991.

Os soviéticos tinham forte presença na África durante a Guerra Fria contra os americanos, fomentando revoluções anticolonialistas.

Na cúpula, foram divulgadas iniciativas na área de energia, como o financiamento de oleodutos no Congo, de uma refinaria no Marrocos e de uma usina nuclear na Etiópia.

O maior banco russo, o Sberbank, montou uma parceria de US$ 5 bilhões com o governo para apoiar negócios na África.

Por fim, a área militar tão prezada pelo Kremlin. Putin anunciou a venda de 12 helicópteros de ataque Mi-35 para a Nigéria. Em 2019, a Rússia deverá vender cerca de US$ 4 bilhões em armamento para países da região.

O presidente russo também disse que estaria pronto para ajudar, como fez na Síria, a estabilizar dois conflitos que hoje escapam do controle apesar da presença de forças das Nações Unidas: na República Centro-Africana e no Sudão.

Como cereja do bolo, dois bombardeiros supersônicos para ataques nucleares Tu-160 pousaram em uma base na África do Sul nesta quinta, um sinal simbólico da cooperação russa com o continente.

Se o esforço de Putin dará certo, é incógnita agora, mas ele demonstra que o presidente está buscando ampliar sua influência após ter se tornado ator central no Oriente Médio.

 
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