Governo peruano afirma que renúncia de vice-presidente é inválida

Gestão diz que Araóz segue no cargo porque carta de demissão foi entregue a um Congresso dissolvido

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Lima e São Paulo | AFP

O primeiro-ministro peruano, Vicente Zeballos, afirmou nesta quarta-feira (2) que a renúncia apresentada no dia anterior pela vice-presidente do país, Mercedes Araóz, não é válida.​

Isso porque sua carta de demissão foi entregue para o presidente de um Congresso que foi dissolvido, o que anularia o documento. De uma perspectiva legal, portanto, Araóz segue no cargo. 

Na segunda (30), o presidente Martín Vizcarra, usando recursos previstos na Constituição,
dissolveu o Congresso
e convocou novas eleições legislativas para janeiro de 2020.

Em represália, o Legislativo aprovou a suspensão de Vizcarra e nomeou a vice Araóz como presidente interina.

Mercedes Araóz, que em tese segue como presidente interina do Peru - Fabrice Coffrini/AFP

Araóz aceitou e foi empossada imediatamente por Pedro Olaechea, que preside atualmente uma Comissão Permanente do Congresso. 

Contudo, como o Congresso já estava dissolvido, esses movimentos não tiveram efeito jurídico: Vizcarra segue como presidente e Araóz como sua vice, e não como presidente interina.

Com isso, ela apresentou sua renúncia no dia seguinte, que não foi aceita pelo governo de Vizcarra. Olachea afirmou que, de fato, a Comissão Permanente não tem o poder de aceitar a demissão de Araóz. 

"Quero profundamente que nosso país supere essa grave crise institucional, para o bem de todos os peruanos, especialmente dos menos favorecidos, que são os mais afetados pela irresponsabilidade dos políticos", disse.

Embora o Congresso tenha sido dissolvido na segunda-feira, sua Comissão Permanente, composta por 27 membros, permanece no cargo, incluindo 18 fujimoristas (oposição).

O órgão tem poderes restritos: a Constituição o habilita a ratificar a nomeação de alguns funcionários e aprovar créditos, mas não a lidar com reformas constitucionais ou fazer moções contra o governo.


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Ainda nesta quinta, Vizcarra nomeou os novos ministros de seu governo, entre eles um fujimorista dissidente, Francesco Petrozz, para a pasta da Cultura. 

O ministério de Relações Exteriores será chefiado por Gustavo Meza Cuadra, um diplomata que desempenhou um papel fundamental no processo por fronteiras marítimas que o Peru venceu contra o Chile na Corte Internacional de Justiça, em Haia, em 2014.

A crise institucional no Peru se arrasta desde 2016, quando a empreiteira brasileira Odebrecht começou a cooperar com autoridades locais para revelar esquemas de pagamento de propinas.

Vizcarra assumiu em março deste ano depois da renúncia de PPK, eleito em 2016 por uma pequena diferença de votos e sem nunca conseguir maioria no Congresso.

Após seu envolvimento com a Odebrecht vir à tona, deixou o cargo, não sem antes fazer série de concessões à bancada fujimorista na tentativa de se manter no poder. Ao assumir, Vizcarra tentou aprovar uma agenda anticorrupção, mas bateu de frente com os oposicionistas diversas vezes. 

O impasse entre parlamentares e Executivo chegou ao ápice na segunda, quando Gonzalo Ortiz de Zevallos, primo do presidente do Congresso, foi nomeado juiz do Tribunal Constitucional peruano.

Diante da insistência dos parlamentares em prosseguir com as indicações, Vizcarra dissolveu o Congresso.


ENTENDA A CRISE

Como começou? 
A oposição fujimorista compõe maioria no Legislativo peruano e se articulava para nomear 6 novos membros dos 7 assentos do Tribunal Constitucional (TC). O presidente anunciou que dissolveria o Congresso caso lhe fosse negado voto de confiança para reformar a nomeação, o que foi ignorado pelos parlamentares. Como a sessão foi marcada por confusão, apenas um magistrado foi nomeado.

O que é o Tribunal Constitucional?
É o órgão máximo de interpretação e controle da Constituição peruana. Equivale ao STF (Supremo Tribunal Federal) brasileiro. É a última e definitiva instância do Judiciário. Se difere da Corte Suprema, instância superior na qual são julgados recursos de processos provenientes de outras cortes do país, o que, no Brasil, seria uma espécie de STJ.

Por que tantos olhares se voltam ao Tribunal Constitucional?
O fujimorismo é liderado por Keiko Fujimori, presa preventivamente acusada de receber propina da Odebrecht. Em setembro deste ano, a Corte Suprema determinou que Keiko cumpra a reclusão de 18 meses, mas sua defesa anunciou que recorreria ao TC. Seu pai, o ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), também aguarda decisão do TC para recurso que pede sua liberdade.

A dissolução é constitucional? 
De acordo com a lei peruana, o presidente pode dissolver o Congresso se duas moções de confiança forem derrotadas pelo Legislativo. Vizcarra interpretou que, quando os congressistas optaram por nomear magistrados, não foi dada prioridade ao seu pedido e, portanto, concretizou-se a segunda derrota de seu governo —a primeira foi em 2017, antes de Pedro Pablo Kuczynski renunciar. Como não houve uma votação explícita para recusar a moção de confiança, a oposição afirma se tratar de um golpe.

O que acontece agora? 
Se a dissolução do Congresso não for revertida por decisão judicial, a Constituição determina que novas eleições sejam realizadas em 4 meses. A oposição reagiu, aprovando a suspensão temporária de Vizcarra e nomeando a vice-presidente do Peru, Mercedes Aráoz, como presidente interina. Como o Congresso já estava dissolvido, o movimento, em teoria, não tem efeito jurídico.

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