Descrição de chapéu Governo Trump

Líderes ao redor do mundo imitam Trump em ataques à imprensa, diz jornalista da CNN

Jim Acosta, principal repórter do canal na Casa Branca, ficou conhecido após debater com o americano

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São Paulo

Os ataques de Donald Trump contra a imprensa são cada vez mais copiados por líderes ao redor do mundo e cabe aos jornalistas alertar o público desse problema. É essa a visão de Jim Acosta, principal repórter da CNN na cobertura da Casa Branca e um dos maiores alvos do presidente americano. 

“Não podemos deixar os valentões tomarem conta do parquinho. Se isso acontecer, eles não vão parar”, disse o jornalista em entrevista por telefone à Folha

O repórter da CNN Jim Acosta (esq.) durante entrevista coletiva na Casa Branca na qual debateu com Donald Trump em novembro de 2018
O repórter da CNN Jim Acosta (esq.) durante entrevista coletiva na Casa Branca na qual debateu com Donald Trump em novembro de 2018 - Jonathan Ernst - 7.nov.18/Reuters

Após um bate-boca entre eles durante uma entrevista coletiva em novembro do ano passado, Trump chegou a ordenar que as credenciais de Acosta fossem retiradas, impedindo sua entrada na Casa Branca. A medida acabou barrada na Justiça e o repórter foi criticado pelo tom usado em suas declarações

Essa e outras histórias dos bastidores da cobertura da atual gestão americana estão no novo livro de Acosta, “O inimigo do povo” —expressão usada por Trump para criticar jornalistas

Na obra, que acaba de ganhar uma edição em português, o repórter mostra as ameaças de morte que recebeu e também defende sua atuação como jornalista e seus confrontos com o presidente americano.

Por que o senhor decidiu usar uma expressão que Trump usa para atacar a imprensa como título do seu livro? 

Essa expressão realmente simboliza a situação da imprensa livre na América neste momento. Queria que o leitor refletisse se é apropriado ou não o presidente dos Estados Unidos se referir a imprensa como “inimiga do povo”. Nós provavelmente nunca tínhamos passado por algo assim nossa história. Temos visto nos últimos três anos essa hostilidade direcionada à imprensa pelo presidente, que é absorvida por muitos de seus apoiadores e redirecionada por eles de uma maneira ameaçadora contra nós.

Há jornalistas, não apenas eu, que receberam inúmeras ameaças de morte desde que Trump assumiu o cargo. Acho que as pessoas devem refletir sobre isso, se esse é o tipo de país que queremos deixar para a próxima geração e que tipo de exemplo estamos dando ao mundo. 

Os ataques de Trump contra a imprensa estão sendo copiados ao redor do mundo? 

Com certeza. O maior exemplo é Bolsonaro chamando de fake news as histórias que não gosta. Eu estava no jardim da Casa Branca quando ele usou essa expressão. Se Donald Trump não tivesse começado falar em fake news, dificilmente Bolsonaro diria a mesma coisa ali.

Líderes ao redor do mundo estão tentando imitar Donald Trump no modo como lidar com a imprensa. Creio que não há dúvidas que isso traz um efeito negativo para o debate político. Líderes na Europa agora abraçam esses ideais ultranacionalistas e ultraconservadores e atacam imigrantes para ganhos políticos, atacam a imprensa para ganho político. E esse fenômeno não está diminuindo, pelo contrário. 

Como a imprensa deve lidar com esses ataques? 

Minha visão pessoal é que não podemos deixar os valentões tomarem conta do parquinho. Se isso acontecer, eles não vão parar. Tem alguns na imprensa que consideram que somos só jornalistas, devemos apenas noticiar o que acontece, oferecer a outra face e não nos posicionarmos sobre este tipo de coisa. Já eu acho que é possível de uma maneira educada e profissional, mas também determinada, mostrar para as pessoas o que está acontecendo. 

 
É possível manter a neutralidade nessa situação? 

Sim, acho que você sempre deve buscar a neutralidade. Mas como digo no livro, há alguns episódios nos quais é simplesmente impossível ser neutro. Por exemplo, quando o presidente dos Estados Unidos diz que haviam pessoas boas dos dois lados [na cidade de] Charlottesville, que tinha recebido uma marcha neonazista. Não acho que dê para ser neutro aí, é preciso se posicionar no lado da verdade. E a verdade é que não existiam pessoas boas marchando do lado dos nazistas.

Trump já afirmou que considera a imprensa como oposição a seu governo... 

Isso é uma ideia que veio do [ex-assessor] Steve Bannon. Ele e Trump decidiram começar a chamar a imprensa assim. Mas a imprensa não é oposição, a imprensa existe para fazer um trabalho. Estamos aqui para mantê-los sob pressão, para responsabilizá-los, para obrigá-los a dizer a verdade. Fica claro da minha parte que o presidente Trump não gosta de ser questionado, não gosta de ser chamado de um líder desonesto, que engana o público. E algumas vezes isso leva a uma hostilidade. 

O senhor se arrepende dessas discussões com Trump? 

Seria bom ter uma relação melhor com essa Casa Branca, mas quando o presidente dos Estados Unidos te chama de inimigo do povo, acho que você precisa dizer adeus a essa ideia que somos todos amigos que vão cantar e dançar juntos. Não estamos aqui para ser amigos deles, dizer que estão sempre certos. Estamos aqui para fazer as perguntas difíceis. 

A gestão Trump é diferente das gestões anteriores nesse aspecto? 

Tinha momentos que a gestão Obama também não gostava de nós e isso é parte do trabalho. Mas uma diferença clara é que apesar dessas frustrações, eles nunca atacaram a imprensa dessa maneira. Uma das razões que escrevi o livro foi porque acho que o público ao redor do mundo tem o direito de saber o que está acontecendo nos Estados Unidos. Por exemplo, antes de Trump surgir, eu nunca precisei de segurança em comícios políticos. Agora quando vou em comícios de Trump preciso de guarda-costas. Isso não deveria acontecer nos Estados Unidos. 

Como você tem lidado com essas ameaças? 

Alertei as equipes de segurança da CNN e tive que conversar com a polícia e o FBI [a polícia federal americana]. Mas não acredito que deva ficar quieto sobre isso. Acho que o público deve saber. Ao mesmo tempo, é difícil para minha família. Minha mãe me perguntou outro dia: “‘você não pode cobrir o Joe Biden?”. Mas não quero que isso aconteça, não quero que tenhamos que mudar o que fazemos por causa da forma como somos tratados, isso encorajaria esse tipo de comportamento. 

Há uma passagem no livro na qual um eleitor de Trump se desculpa com o senhor por tê-lo xingado. Esse tipo de atitude é comum? 

Acho que temos visto isso acontecer cada vez mais. Sempre que vou para um evento de Trump alguém vem até mim e diz “estou triste que isso esteja acontecendo com você”. Acho que com um tempo as pessoas vão ver que esse clima não é saudável para nossa democracia. Mas infelizmente não será algo que acontecerá da noite para o dia. Algumas pessoas pensam que se Trump perder em 2020 tudo voltará a como era antes. Não acho isso, creio que os Estados Unidos mudaram, as pessoas estão umas contra as outras e isso não vai parar. Essa hostilidade vai continuar por um certo tempo. 

O inimigo do povo

  • Preço R$ 48,62 (378 págs)
  • Autor Jim Acosta
  • Editora HarperCollins
  • Tradutor Rogerio W. Galindo

Jim Acosta, 48

Jim Acosta, principal repórter da CNN na cobertura da Casa Branca, em Washington
Jim Acosta, principal repórter da CNN na cobertura da Casa Branca, na entrada de um tribunal em Washington - Mandel Ngan - 16.nov.18/AFP

Nascido em Washington, é filho de um refugiado cubano. Formado em comunicação e ciência política, trabalhou na CBS antes de entrar na CNN, em 2007. Já participou da cobertura da guerra do Iraque e das eleições de Barack Obama e de Donald Trump. Em 2018 se tornou o principal repórter do canal de notícias na Casa Branca. 

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