Macri e Fernández chegam ao dia da eleição argentina em papéis trocados

Kirchnerista já age como eleito e se encontra com líderes, enquanto presidente roda país em comícios

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Buenos Aires

​O candidato pró-mercado passou os últimos 30 dias fazendo 30 comícios para multidões em 30 diferentes cidades do país. Se jogou do palco sobre o público, como um astro de rock, abraçou e brincou com crianças e bebês e até beijou o pé de uma fã sua de mais de 70 anos, chamando-a de “minha Cinderela”. 

Pediu aos apoiadores que entoassem o mantra “sí, se puede” e levou sua bela mulher, Juliana Awada, a tiracolo para todos os lados, beijando-a publicamente em várias ocasiões.

Enquanto isso, o candidato considerado “populista”, da vertente esquerdista do peronismo chamada de kirchnerismo —nascida com o casal de ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner— tem se reunido com empresários, banqueiros, autoridades do FMI (Fundo Monetário Internacional) e feito viagens ao exterior para se encontrar com líderes na Europa e no México.

Algo parece errado?

Pois a curiosa inversão de papéis entre o presidente Mauricio Macri, 60, e o opositor Alberto Fernández, 60, é o efeito mais visível do resultado das eleições primárias, realizadas em agosto último. 

No pleito, o atual mandatário de centro-direita ficou nada menos que 15 pontos atrás de seu rival, o candidato que a senadora e ex-mandatária, Cristina Kirchner, escolheu para liderar a chapa em que aparece como postulante a vice.

Macri e Fernández medem forças no primeiro turno das eleições argentinas neste domingo (27). Todas as pesquisas apontam o opositor como vencedor já nessa rodada, com distâncias que vão de 13 a 20 pontos percentuais, dependendo do levantamento.

Na Argentina, para se eleger presidente, o candidato precisa obter 45% dos votos ou índice superior a 40%, desde que a distância para o segundo colocado seja de ao menos dez pontos percentuais.

Imediatamente, Macri lançou a estratégia de recuperar votos nas ruas, porta a porta, enquanto Fernández começou a dialogar com o mercado, que já o considera o novo presidente da Argentina. Se de fato vencer, ele assume o cargo no dia 10 de dezembro.

Nos dois debates, realizados nos dois últimos domingos, a rivalidade entre ambos se acirrou. Fernández chamou Macri de “mentiroso” e “irresponsável”, e o presidente disse que Fernández “estava de volta com o dedinho acusador” —fazendo referência a um modo de se expressar e de realizar ataques tanto de Cristina quanto de Fernández, que costumam apontar o dedo na direção de quem quer que seja o alvo no momento.

O kirchnerista diz já ter o próximo ministério armado e afirma que Cristina não teria ingerência sobre essas escolhas. 

Os nomes que mais circulam como prováveis líderes de pastas são os de Santiago Cafiero (chefe de gabinete), Felipe Solá (relações exteriores), Eduardo “Wado” de Pedro (interior) e Matías Kulfas (economia). 

Já Macri só tem tempo para seus assessores de imagem e para a calculadora. Uma fonte próxima ao presidente na Casa Rosada afirma que a convicção de que um segundo turno é possível é muito real —e teria tido início nos primeiros comícios da turnê “Sí, Se Puede”, que de fato impressionam pela quantidade de participantes.

Nas primárias, foram votar 75% dos eleitores. Se os comícios funcionarem, calcula o governo, essa base poderia ser estendida para 80%. Com  os votos dos nanicos de direita Juan José Gómez Centurión e José Luis Espert, cujos eleitores dificilmente se identificariam com o peronismo, o segundo turno começa a parecer palpável, afirma a fonte.

O fato é que o argentino está indo votar neste domingo marcado pela frustração. Especialmente com a economia. 

Os números mostram uma inflação de mais de 50% nos últimos 12 meses, o desemprego em 10,1% e perspectiva de encolhimento do PIB, além do aumento da pobreza.

“É normal que as pessoas vejam o peronismo como solução. Num país que foi governado por sete décadas por peronistas, quando um governo não peronista fracassa, pede-se o peronismo de volta”, diz o sociólogo Juan José Sebreli. 

Segundo o Pew Research Center, o pessimismo marca a votação deste domingo. Os dados mostram 82% da população descontentes com o modo como o país é governado hoje. Sobre a situação econômica do país, 83% afirmam que ela é é ruim. Apenas 15% dizem acreditar que esse quadro pode melhorar.

Sebreli afirma, também, que há uma relação e algo de efeito contágio entre o voto de castigo que os argentinos devem aplicar a Macri neste domingo e o que está ocorrendo em países como Chile e Equador. 

“É um fenômeno global em linhas gerais, de crise da democracia representativa, e que nos países da América Latina está se expressando assim. E é uma crise complicada, porque não temos nada melhor que a democracia representativa para substituir a ela mesma.”

Encerrados os atos de campanha na quinta-feira (24), Mauricio Macri reuniu os ministros para um “asado” (churrasco) na residência oficial, em Olivos, na sexta-feira (25).

Seu plano é votar no domingo ainda pela manhã e depois esperar o resultado na quinta Los Abrojos, que pertence a sua família. No fim do dia, ele deve comparecer ao “bunker” da coalizão para festejar ou reconhecer a derrota.

Enquanto isso, Fernández diz estar tendo conversas com sua mulher, a jornalista Fabiola Yañez, 38, sobre se devem se mudar ou não para a residência de Olivos. Afinal, moram em Puerto Madero, a poucas quadras da Casa Rosada, junto com uma das estrelas de sua campanha eleitoral, seu cachorro Dylan.


Entenda a eleição

O que está em jogo? Além do presidente, os argentinos vão escolher 130 dos 257 deputados, 24 dos 72 senadores e a maior parte dos governos regionais 

Como funciona a eleição para presidente? Vence em 1º turno quem obtiver mais de 45% dos votos ou mais de 40% e pelo menos dez pontos percentuais para o segundo colocado. Caso seja necessário, o 2º turno está marcado para 24 de novembro 

O que as pesquisas indicam? Uma vitória do oposicionista de centro-esquerda Alberto Fernández (que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice). Prejudicado pela crise econômica, o presidente Mauricio Macri (de centro-direita) aparece em 2º lugar

E a votação para o Congresso? Na Câmara, a votação é no sistema de lista fechada (o eleitor vota no partido e as cadeiras são divididas de acordo com a porcentagem recebida). No Senado, o voto também é nas agremiações, mas a sigla mais votada elege dois senadores e a segunda colocada, um

Mauricio Macri e Alberto Fernandez - Agustin Marcarian-20.out.19/Reuters
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