Descrição de chapéu The New York Times

Policiais franceses criticam corporação por falha em detectar radicalismo de agente que matou 4

Ataque na semana passada foi feito por um técnico que trabalhava no setor de inteligência

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Adam Nossiter
Paris | The New York Times

As evidências de que a polícia de Paris deixou passar em branco vários indícios sobre um funcionário que matou quatro colegas a facadas em sua sede na quinta-feira (3) estão levando a pedidos por mudanças em sua liderança.

Em coletiva de imprensa no sábado (5), o promotor do departamento francês de combate ao terrorismo, Jean-François Ricard, disse que o assassino, técnico de informática de 45 anos que trabalhava no setor de inteligência da polícia, havia tentado justificar a um colega os assassinatos de janeiro de 2015 no jornal satírico Charlie Hebdo e fizera o mesmo após outros massacres cometidos por radicais islâmicos.

Agentes patrulham arredores do local do ataque, na quinta-feira (3) - Tang Ji/Xinhua

Um funcionário do sindicato de policiais disse no sábado que os comentários preocupantes que ele fez após o ataque ao Charlie Hebdo em Paris foram denunciados a oficiais de escalão mais alto, mas nada foi feito.

O fato de estas e outras pistas potenciais –entre elas, um vídeo que o assassino postou no Facebook com cenas imitando uma degolação— terem passado despercebidas pela administração policial que o cercava, no coração de uma organização dedicada ao combate ao terrorismo, chocou a direção da polícia nacional e levou a chamados pela renúncia do ministro do Interior.

O assassino, que foi morto durante o massacre, foi identificado pelo promotor apenas como Mickaël H., mas a mídia francesa o descreveu como Mickaël Harpon, nascido na Martinica, departamento ultramar francês no Caribe.

Harpon se convertera ao islamismo havia anos, não recentemente como disseram as autoridades logo após o massacre, e era frequentador assíduo de sua mesquita local, onde participava das orações matinais e noturnas. Um diretor do sindicato dos policiais disse na sexta-feira que um imã radical que quase foi expulso da França atuava na mesquita.

O assassino também tinha contatos com “vários indivíduos suspeitos de fazerem parte do movimento salafista”, disse Ricard, aludindo a um movimento ultraconservador que faz parte do islamismo sunita.

Ricard também chamou a atenção para dezenas de mensagens de texto de teor religioso trocados pelo assassino com sua esposa pouco antes do massacre, que, para ele, apontam para “uma visão radical do islã”.

Além disso, o assassino teria deixado de ter “determinados tipos de contato com mulheres”, disse o promotor, sem especificar melhor.

Vários representantes do sindicato de policiais disseram no sábado que as informações que estão vindo à tona estão provocando indignação entre a polícia francesa.

“Há muitas perguntas e muito sentimento de revolta”, disse um representante do sindicato, Yves Lefebvre. “Os policiais perguntam ‘como é possível que isso tenha acontecido?’”

“Algo que poderia facilmente ter ocorrido vindo de fora agora está vindo de dentro”, ele prosseguiu, culpando em parte os protestos dos chamados “coletes amarelos”, que teriam desviado a atenção e os recursos da polícia das ameaças terroristas. “Há falhas no sistema”.

As autoridades ainda não responderam aos questionamentos mais profundos suscitados pelo massacre da quinta-feira. Mas a oposição política criticou diretamente os lapsos da polícia, desencadeando uma onda de ataques acirrados contra o ministro do Interior do presidente Emmanuel Macron, Christophe Castaner.

“Que cidadão francês pensaria que esse ministério é bem administrado?” disse no sábado o deputado de centro-direita Eric Ciotti, falando à televisão. “Isto não é tranquilizador, diante de algo que constitui uma ameaça extrema a nosso país.”

Depois do ataque, Castaner disse a jornalistas que o comportamento de Mikaël H. não havia causado problemas. Mas outros disseram que o agressor, surdo e frustrado por achar que sua deficiência o impedia de avançar em sua carreira na polícia, havia deixado escapar sinais de alerta.

“Quando o ministro disse que não havia nada de anormal nele, isso foi falso”, disse outra sindicalista, Linda Kebbab.

“Ele não era perverso e não defendia teorias conspiratórias, mas era facilmente manipulado”, ela acrescentou. “Todo o mundo sabia que ele estava perturbado.”

Em sua página do Facebook, mantida sob um pseudônimo que é um anagrama de seu nome, um punho negro cerrado acompanha o slogan “Poder Surdo”. Há vídeos de exortação muçulmana, filmes sobre sofrimento na Síria e nos territórios palestinos e um vídeo curioso com uma fila de homens sorridentes.

Cada um deles dá um tapinha no ombro do outro e passa um dedo por sua garganta, imitando uma degola. Esse vídeo foi postado em junho. Pelo menos uma das vítimas na quinta-feira foi degolada.

Moradores de Gonesse, na periferia nordeste de Paris, onde vivia o agressor, disseram que ele era simpático, simples e “uma pessoa que gostava de gente”.

Em 2009 ele foi levado perante um tribunal local, acusado de violência doméstica, mas acabou não recebendo qualquer penalidade, disse o promotor. Um conhecido de Harpon na mesquita disse que o agressor estava frustrado no trabalho porque sua deficiência auditiva o impedia de ser promovido. Na noite antes do massacre, vizinhos o ouviram fazendo declarações religiosas, segundo o promotor.

As atividades do assassino na quinta-feira foram captadas por câmeras de vigilância e começaram calmamente. Ele embarcou no trem em Gonesse às 8h22, chegou à grande sede da polícia no centro de Paris pouco antes das 9h e foi à sua sala de trabalho, como de costume.

Mas então, por volta das 11h20, começou a trocar mensagens de texto de teor religioso com sua mulher. Pouco depois do meio-dia ele saiu calmamente de sua sala, atravessou uma ponte, comprou uma faca de cozinha de 20 centímetros e um abridor de ostras e então voltou à sede da polícia.

Seus colegas tinham ficado no escritório para almoçar em suas mesas de trabalho. O assassino cortou a garganta de um deles, um major da polícia de 50 anos, e esfaqueou fatalmente no abdômen um policial de 38.

Dirigindo-se a outra sala, ele apunhalou um assistente administrativo de 37 anos e então desceu uma escada em direção ao grande pátio do prédio. No caminho, esfaqueou e matou uma policial de 39 anos, disse o promotor no sábado.

No pátio, ele ameaçou outro funcionário com sua faca. Quando um jovem policial o mandou largar sua faca, o assassino primeiro caminhou lentamente na direção do policial e depois começou a correr, empunhando sua faca. O policial disparou.

O massacre durou exatos sete minutos, disse o promotor.

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