Força curda acusa Turquia de atacar mesmo após cessar-fogo

Ainda que sons de disparos e bombardeios tenham sido ouvidos, Erdogan nega que combates tenham continuado

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Istambul, Washington e Bruxelas | Reuters

As Forças Democráticas da Síria, reunião de milícias liderada pelos curdos, acusaram nesta sexta-feira (18) a Turquia de bombardear áreas civis na cidade de Ras al-Ayn, violando assim o cessar-fogo de cinco dias acertado com os EUA.

"Apesar do acordo para interromper os combates [no nordeste da Síria], os ataques aéreos e de artilharia continuam a atingir posições de combatentes e assentamentos civis", escreveu Mustafa Bali, porta-voz do grupo, em uma rede social.

Bali ainda afirmou que as ações turcas na noite de quinta causaram mortes, mas não deu mais detalhes. De acordo com a agência de notícias Reuters, sons de disparos de metralhadoras e de bombardeios foram ouvidos nesta sexta na fronteira dos países, ainda que tenham diminuído ao fim da manhã. 

Veículos das forças militares turcas em estrada próximo à cidade fronteiriça de Ceylanpinar
Veículos das forças militares turcas em estrada próximo à cidade fronteiriça de Ceylanpinar - Stoyan Nenov/Reuters

​O presidente americano, Donald Trump, minimizou os ataques e disse que eles foram "eliminados rapidamente". "Eles estão de volta à pausa total." 

O pacto acertado na quinta entre Ancara e Washington prevê que os curdos deixem uma "zona de segurança", cuja área os EUA consideram ser apenas parte do território que a Turquia quer tomar.

Já o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, negou que novos confrontos estejam ocorrendo e afirmou que a "zona de segurança" se estende por 440 km ao longo da fronteira com a Síria.

Para os curdos, no entanto, a área se limita a uma pequena faixa entre Ras al-Ayn e Tal Abyad, cidades fronteiriças que foram palco da maior parte dos combates e que estão a apenas 120 km de distância.

Donald Tusk, presidente do Conselho da União Europeia (o braço executivo do bloco), condenou o trato de Erdogan com o governo americano. Para ele, a interrupção das hostilidades turcas não é um cessar-fogo genuíno e pediu a Ancara que pare imediatamente as operações militares na Síria. 

Em Bruxelas, onde ocorre a cúpula da UE, Tusk afirmou que o cessar-fogo é, na verdade, "uma exigência de rendição aos curdos" e voltou a apelar à Turquia que respeite a lei humanitária internacional.​

Na mesma linha, o presidente da França, Emmanuel Macron, classificou a ofensiva turca como "loucura" e criticou a incapacidade da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de reagir ao ataque —tanto EUA quanto Turquia fazem parte do órgão. 

Segundo Macron, ele teria recebido a notícia de que os EUA decidiram se retirar do nordeste da Síria pelo Twitter e que o movimento, junto com a ofensiva unilateral de Ancara, fazia da Europa um aliado menor no Oriente Médio. 

Macron acrescentou que ele, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e a chanceler alemã, Angela Merkel, se encontrarão com Erdogan nas próximas semanas, provavelmente em Londres.

As ofensivas turcas começaram depois que Trump anunciou a retirada de suas forças militares no nordeste da Síria. Como os EUA apoiavam os curdos no combate à facção terrorista Estado Islâmico (EI) naquela região, a decisão foi encarada como uma traição.

Na prática, o movimento autorizou a ofensiva da Turquia, que quer alocar até 2 milhões de refugiados sírios que vivem atualmente na Turquia e afastar a milícia curda YPG, considerada um grupo terrorista por Ancara.

Na sequência dos primeiros ataques, o presidente americano recuou e disse que não estava abandonando os antigos aliados, que "são pessoas especiais e lutadores maravilhosos". 

Em nota, declarou que o ataque tinha sido "uma má ideia" e que não tinha apoio dos EUA. Depois, em declarações contraditórias, disse que os curdos não eram anjos e que o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) é "provavelmente uma ameaça maior, em muitos aspectos, do que o EI".

Os oito dias de incursão turca na Síria levaram à morte de 72 civis, 224 soldados das Forças Democráticas Sírias e 183 homens apoiados pela Turquia, segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos.

Com a saída das forças militares da região, é provável que a extensão das ambições da Turquia seja determinada pela Rússia e pelo Irã, preenchendo o vácuo criado pela decisão americana.

O regime do ditador Bashar al-Assad, apoiado por Moscou e Teerã, já tomou posições no território antes protegido por Washington. No dia 22, Erdogan irá a Moscou para se reunir com o presidente russo, Vladimir Putin.

Em Washington, senadores dos EUA que criticaram o governo Trump por não impedir o ataque turco disseram que vão trabalhar para impor sanções contra a Ancara.

A ofensiva criou uma nova crise humanitária na Síria com —de acordo com estimativas da Cruz Vermelha — a fuga de 200 mil civis, um alerta de segurança devido a milhares de combatentes do Estado Islâmico potencialmente abandonados nas prisões curdas e um imbróglio político nos EUA contra Trump.

Uma autoridade turca disse à Reuters que Ancara conseguiu "exatamente o que queria" nas negociações com os Estados Unidos.

Também nesta sexta, inspetores da ONU anunciaram que investigam acusações de que as forças turcas teriam usado fósforo branco contra crianças na Síria durante a operação militar desta semana. O possível uso dessa arma química foi denunciado pelo Crescente Vermelho Curdo. 

O fósforo branco é usado por militares de forma rotineira, como agente incendiário para iluminar áreas escuras à noite, entre outras funções. Seu uso contra civis é proibido por leis internacionais, por causar fortes dores e queimaduras ao entrar em contato com a pele. 

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