Polícia detém mais de 350 em protestos contra alta de combustíveis no Equador

Em 2º dia de atos, presidente reafirma que corte de subsídio a gasolina e diesel não será revisto

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Quito e São Paulo | Reuters e AFP

Protestos violentos contra o corte de subsídios aos combustíveis paralisaram novamente o transporte nas principais cidades do Equador nesta sexta (4), um dia depois de o presidente Lenín Moreno ter declarado estado de exceção no país.

Na capital, Quito, a maior parte dos serviços de ônibus e táxi permaneceram em greve depois de o preço do diesel subir de US$ 1,03 (R$ 4,18) para US$ 2,30 (R$ 9,33) na quinta (3), e o da gasolina, de US$ 1,85 (R$ 7,50) para US$ 2,39 (R$ 9,69) —o país não tem moeda própria e usa o dólar.

Em Guayaquil, segunda cidade mais populosa do Equador, com 2,67 milhões de pessoas, alguns postos de gasolina estão fechados.

No norte da capital, moradores foram para o trabalho na carroceria de caminhonetes, pagando US$ 0,50 pelo trajeto de aproximadamente 9 quilômetros entre El Condado e El Bosque. 

Ônibus das Forças Armadas foram usados como transporte público na província de Pichincha, onde fica Quito. Em virtude do estado de exceção, o Exército está nas ruas para conter as manifestações.

"Não queremos desestabilizar o país, mas, infelizmente, neste momento se trata de sobreviver", disse à imprensa o presidente da Federação Nacional de Transportadores Pesados, Luis Vizcaíno. "Se as tarifas de combustível diminuírem um pouco, acho que pode haver uma saída para o Equador retornar à paz."

O presidente disse que está aberto a conversar com os manifestantes, mas que o corte dos subsídios não será revisto.

"Haverá mecanismos para aliviar o impacto em alguns setores, mas sob nenhuma circunstância nós alteraremos a medida", afirmou a repórteres em Guayaquil, repetindo o que já havia dito na quinta.

O ministro dos Transportes, Gabriel Martínez, disse que "à medida que as horas do dia passam, teremos uma situação muito mais controlada e segura, para que as atividades normais sejam retomadas".

Nesses dois dias de atos, mais de 350 pessoas foram presas e 21 policiais ficaram feridos.

Nos piores distúrbios em anos, manifestantes mascarados atiraram pedras e confrontaram a polícia na capital, enquanto taxistas e caminhoneiros bloquearam ruas e estradas com pedras e pneus em chamas.

Houve também ataques a ambulâncias da Cruz Vermelha que levavam pacientes para o hospital. Em uma rede social, a organização rechaçou o ocorrido e disse ser "neutra, imparcial e independente". 

O presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Transporte de Táxi, Jorge Calderón, foi preso e deve ser processado por interrupção de serviço público.

​O presidente decretou estado de exceção "para garantir a segurança dos cidadãos". A medida torna o território equatoriano uma zona de segurança, e o governo pode suspender ou limitar direitos como livre circulação, além de fechar portos, aeroportos e passagens de fronteira.

O fim dos subsídios que existiam há 40 anos se deu em função de um acordo de US$ 4,2 bilhões que o país fechou com o FMI (Fundo Monetário Internacional). 

O pacto, assinado em fevereiro, permitiu ao Equador receber uma quantia imediata de US$ 652 milhões.

Em troca, deverão ser feitas mudanças estruturais, incluindo o aumento da receita tributária e o fortalecimento da independência do Banco Central.

Moreno enfrenta então as primeiras consequências dos termos que assinou para obter créditos depois do elevado endividamento público da economia dolarizada.

Autoridades do país afirmam que a eliminação dos subsídios era necessária para elevar a economia e deter o contrabando.

Opositor do governo, o ex-presidente Rafael Correa, que ficou no poder entre 2007 e 2017, antes de Lenín Moreno assumir, escreveu em uma rede social que o país vive uma "crise moral" e que há mecanismos constitucionais que podem ser invocados nesta situação.

Ele citou o artigo 130 da Constituição, que afirma que a Assembleia Nacional pode destituir um presidente em caso de grave crise política e agitação interna e convocar eleições antecipadas.

"Que todos se vão! Convoquem as eleições. Recuperemos a paz", completou.

​Correa também divulgou um vídeo em que aparece cantando uma versão da música "Bella Ciao", popularizada na série "Casa de Papel", na qual troca uma das palavras do refrão por "Lenín ciao", em referência ao presidente. 

A canção foi um hino da resistência italiana ao ditador Benito Mussolini.

Aliados no passado —Moreno foi vice-presidente durante a primeira gestão de Correa—, os dois se desentenderam e viraram rivais nos últimos anos. 

Correa, 56, tem perfil mais personalista e centralizador, o que alguns críticos chamam de autoritário. Seu governo se alinhou à esquerda, incentivando uma maior participação do Estado na exploração de petróleo e se opondo a acordos com organismos como o Banco Mundial e o FMI. 

Já o centrista Moreno, 66, é mais moderado e contemporizador. Sua administração vem adotando políticas amigáveis ao mercado, razão pela qual recebe críticas de seu ex-aliado.

A popularidade de Moreno vem caindo desde que foi eleito, mas ele conta com o apoio da elite econômica e dos militares.

A oposição não vem só do ex-presidente. A Bancada Revolução Cidadã, que reúne parlamentares contrários ao governo, rechaçou a medida de estado de exceção e acusou Moreno de criminalizar as manifestações ao prender ativistas. 

"Responsabilizamos o governo nacional pelos atos repressivos que vulneram a integridade dos cidadãos que exercem seu legítimo direito de se manifestar contra essas medidas econômicas", afirmaram em um comunicado.

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