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The New York Times

Trump seguiu seus instintos em relação à Síria, e consequências foram calamitosas

Presidente ignorou avisos sobre o que aconteceria se ele retirasse as tropas americanas

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David E. Sanger
Nova York | The New York Times

Em apenas uma semana, o consentimento dado pelo presidente Donald Trump à iniciativa da Turquia de enviar suas tropas à Síria converteu a situação em uma carnificina sangrenta, impôs o abandono de um projeto bem-sucedido que operava havia cinco anos para conservar a paz numa fronteira volátil e entregou uma vitória inesperada a quatro adversários dos EUA: Rússia, Irã, o governo sírio e Estado Islâmico.

Poucas decisões presidenciais até hoje levaram tão imediatamente a consequências que mesmo os aliados do presidente descrevem como desastrosas. O modo como essa decisão aconteceu –nascendo de um “momento não planejado” com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, nas palavras de um diplomata sênior americano—provavelmente será debatido durante anos por historiadores e teóricos conspiratórios.

Mas uma coisa já ficou clara: Trump ignorou meses de avisos sobre as calamidades que decorreriam se ele seguisse seus instintos de retirar as forças americanas da Síria e abandonar os curdos. Trump não tinha nenhum plano B. A surpresa foi a rapidez com que tudo caiu por terra em volta do presidente e de sua inexperiente equipe de política externa.

Imagem da cidade à distância, com fumaça subindo entre as árvores e casas
Fumaça na cidade síria de Tal Abyad, vista a partir da Akcakale, no lado turco - Mustafa Kaya - 13.out.2019/Xinhua

O presidente e sua equipe vêm sendo pegos desprevenidos, dando explicações divergentes sobre o que Trump disse a Erdogan, como os Estados Unidos podem reagir e até mesmo se a Turquia continua a ser uma aliada. Por algum tempo, Trump disse que tomou a decisão porque o Estado Islâmico já tinha sido derrotado e porque estava decidido a acabar com as “guerras intermináveis”. No final da semana, ele anunciou o envio de 2.000 tropas à Arábia Saudita. 

Um dia, ele estava convidando Erdogan a visitar a Casa Branca; no dia seguinte, estava ameaçando “destruir e obliterar totalmente” a economia da Turquia se o país ultrapassasse um limite que ele nunca chegou a definir.

Falando em off, assessores admitem que o erro de Trump foi fazer o telefonema de 6 de outubro sem preparo e sem deixar claro para Erdogan quais seriam as consequências, desde sanções econômicas até a diminuição da aliança da Turquia com os EUA e de sua posição na Otan.

Desde então, Trump já ameaçou com as duas coisas. Mas não está claro se Erdogan enxerga qualquer uma delas como um risco real.

O drama está muito longe de ter acabado. No domingo, os curdos trocaram de lado, dando as costas a Washington e transferindo sua lealdade ao presidente sírio, Bashar Assad. Autoridades do Pentágono debateram qual seria a resposta mais adequada a dar se as forças turcas (aliadas da Otan) voltassem a abrir fogo sobre os militares americanos que se preparam para recuar de suas posições na Síria. Essas tropas estão encurraladas, já que a Turquia fechou o acesso por terra.

E autoridades dos Departamentos de Estado e Energia passaram o fim de semana estudando planos para evacuar cerca de 50 armas nucleares táticas que os EUA mantêm há muito tempo na base aérea de Incirlik, na Turquia, a cerca de 400 quilômetros da fronteira síria.

Enquanto isso, Erdogan nutre ambições nucleares próprias: um mês atrás, ele disse que não pode aceitar regras que proíbem a Turquia de possuir armas nucleares. “Não existe país desenvolvido no mundo que não as tenha”, disse o presidente turco (na realidade, a maioria não tem).

O outro grande beneficiário é o Irã, possivelmente o adversário geopolítico mais comentado de Trump, que apoia o regime sírio e procura ter mais liberdade de ação na Síria.

Mas nada disso parece ter sido levado em conta por Trump, que não aprecia briefings e reuniões na Casa Branca em que se procura planejar o que vai acontecer dois ou três movimentos à frente. Em vez disso, o presidente fala frequentemente sobre confiar em seus instintos. “Meus instintos às vezes me dizem mais do que o cérebro de outra pessoa jamais poderia me dizer”, ele falou no final do ano passado.

Trump estava aludindo ao Federal Reserve (o banco central americano), mas poderia estar falando de política externa: em 2017, logo após seu primeiro encontro com o presidente russo, Vladimir Putin, ele falou a um repórter que era seu “instinto básico” sobre como lidar com líderes estrangeiros, aguçado ao longo de anos trabalhando no mundo imobiliário, que o guiava. 

Trump pode agora acabar argumentando que nada poderia ter impedido Erdogan de levar adiante seu intento, que a Rússia se beneficiaria de qualquer maneira, que há outras maneiras de reagir contra o Irã.

Talvez a história tome seu partido. Por enquanto, porém, ele abriu mão de quase todo o cacife que tinha.

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