À luz de velas e querosene, povoado de Madagascar espera energia elétrica há 20 anos

Apenas 15% do país é atendido pela rede elétrica, e expansão do serviço é lenta

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Ambohimasindray (Madagascar) | AFP

Louise Rasoahelinivo, 70, ganhou uma TV de seus filhos em 1989. Até hoje, não pôde ligá-la em sua casa, pois seu povoado, Ambohimasindrai, em Madagascar, ainda não tem energia elétrica. 

“A eletricidade continua a ser um produto de luxo ao qual só os habitantes da cidade têm acesso”, ela diz.

Nesse país africano de 26 milhões de habitantes, apenas 15% dos imóveis têm acesso a energia elétrica. A rede não é ampliada há oito anos.

O povoado de Ambohimasindrai, por exemplo, pediu acesso à rede elétrica há quase 20 anos. Até hoje, não obteve resposta. O lugar fica a 20 km da capital, Antananarivo.

Rua na periferia de Antananarivo, capital de Madagascar - Gianluigi Guercia - 24.jul.2019/AFP

Sem energia, os moradores recorrem a velas, lâmpadas de óleo e querosene para iluminar suas casas, o que gera risco de incêndio.

“Deixei uma vela acesa no meu criado-mudo, mas ela caiu e pôs fogo na minha roupa, e então o fogo se espalhou”, disse Raymond Rakotondrasoa, vizinho de Louise, olhando para o que restou de sua casa de adobe e palha. 

“Se tivesse acontecido à noite, eu poderia ter morrido”, disse. Naquele dia de agosto, ele perdeu todos seus pertences em questão de minutos.

Rakotondrasoa não suporta o cheiro e os vapores emitidos pelo querosene. “Por isso uso velas e uma lâmpada de óleo.”

Louise prefere o querosene porque é mais barato. “Uso duas velas por dia. Já um litro de querosene dura mais de um mês”, explica a costureira.

As velas custam entre 6 e 12 centavos de euro (R$ 0,50) cada uma, enquanto o querosone sai por 50 centavos de euro o litro. É uma diferença significativa em um país onde dois terços da população vive abaixo do limite da pobreza.

Crianças jogam bola em Antananarivo, capital de Madagascar - Gianluigi Guercia - 19.jul.2019/AFP

A estatal elétrica Jirama explicou à AFP que o pedido registrado pelo povoado era “antigo demais” para que ela pudesse dizer alguma coisa sobre o assunto.

De acordo com o Banco Mundial, Madagascar ocupa o 184º lugar entre 190 países em relação a acesso a energia elétrica.

Uma solução possível seria substituir as usinas hidrelétricas obsoletas construídas durante o domínio colonial francês, que terminou em 1960. No entanto, as autoridades locais relutam em iniciar obras grandes e caras que provavelmente se estenderão por mais tempo que os mandatos dos políticos, de cinco anos.

A Jirama tem uma dívida que chega a € 400 milhões (R$ 1,7 bilhão) e opera com prejuízo de € 75 milhões (R$ 333 milhões), segundo o Banco Mundial.

A estatal foi acusada por muito tempo de má gestão e de venda de energia com prejuízo: a empresa compraria a energia de fornecedores privados pelo dobro do preço cobrado dos consumidores.

O país tem superfície equivalente à da França, mas possui apenas 400 quilômetros de cabos de alta tensão e mil quilômetros de cabos de média tensão para distribuir os 417 megawatts gerados por ano.
 
A Jirama tem poucos incentivos econômicos para levar energia a pequenos povoados como Ambohimasindrai, o que exigiria um investimento grande para um retorno pequeno.

​Isabelle Ramiadanary, outra vizinha de Louise, decidiu apelar para a energia solar, mas seu painel precário quebrou depois de oito meses. Agora ela só consegue energia suficiente para carregar celulares e voltou a usar velas e querosene.

A energia solar é uma alternativa óbvia em um país que recebe cerca de 2.800 horas de luz do sol por ano.

De acordo com o Banco Mundial, o governo conta com esse potencial para alcançar seu objetivo de levar a energia elétrica a 70% da população até 2030.

Há expectativa de que a entrada do setor privado ajude. Em outubro, a empresa francesa Colas, a norueguesa SN Power, a empresa local Jovena e a plataforma de investimentos Africa5 firmaram um acordo para desenvolver uma usina hidrelétrica no rio Ivondro.

O projeto prevê uma usina de 120 megawatts, que começaria a fornecer energia em 2023. 

Tradução de Clara Allain

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