Em abril, Pedro Sánchez e Pablo Iglesias tinham a faca e o queijo na mão. Uma aliança entre as formações que lideram, o PSOE e o Podemos, asseguraria um governo estável a uma Espanha abalada pelo divisionismo catalão, a ascensão da ultradireita e a estagnação econômica.
Refém dos pequenos barões do partido e traumatizado pela extinção fulminante do Partido Socialista francês, Sánchez optou por provocar um novo pleito.
Objetivo atingido para Iglesias, idealizador da estratégia de desgaste permanente dos socialistas que motivou a dissidência do seu antigo braço direito, Íñigo Errejón, fundador do Más España.
Os dois líderes da esquerda irreconciliável são os grandes derrotados do pleito deste domingo (10). O PSOE perdeu três cadeiras no Parlamento, e o Podemos, sete. Aspecto ainda mais importante, os dois perderam a capacidade de formarem um governo juntos.
A crise de governabilidade é agravada pela situação da direita, rachada entre o Partido Popular, de centro-direita, e o novato Vox, de ultradireita, que duplicou seu número de deputados.
Os extremistas se beneficiaram do cansaço dos eleitores —era a quarta eleição em quatro anos— e da situação explosiva da Catalunha. Chegaram em primeiro em regiões importantes, como Múrcia, e emergiram como a terceira força eleitoral da Espanha.
Contrariando a tese de que os extremos se retroalimentam, o Vox cresceu nas costas dos “centristas radicais” dos Cidadãos.
O partido de Alberto Rivera, que pretendia replicar a revolução de Emmanuel Macron na França, esteve às portas do poder nos últimos quatro anos.
Mas ele se recusou a selar uma aliança com socialistas ou conservadores, por medo de perder sua aura.
Rivera terminou apontado como principal responsável pela crise de governabilidade, e seu partido perdeu 40 dos seus 57 deputados neste pleito.
Exasperados pela inércia, seus eleitores radicalizaram e votaram em massa no Vox. Um desastre eleitoral para Rivera, que anunciou sua demissão na manhã desta segunda-feira (11).
Os resultados permitem a formação de duas alianças de governo que podem potencializar a radicalização.
A primeira é um bloco de centro formado pelos dois partidos que dominavam a social-democracia espanhola até ontem, o PSOE e o PP.
Um pacto suicida, dado que os eleitores mais ideológicos das duas legendas se deslocariam para o Vox e para as formações independentistas.
A segunda seria uma aliança alargada entre PSOE e pequenos partidos, que levaria a um acirramento ainda maior da direita, totalmente oposta a qualquer negociação com os movimentos pró-independência da Catalunha.
Resta convocar novas eleições e assumir o risco de o Vox forçar uma aliança com o PP.
Tal como na Alemanha, os barões regionais da centro-direita parecem cada vez mais dispostos a derrubar o famoso cordão sanitário e desenvolver acordos de governo com movimentos extremistas.
Se as atuais tendências eleitorais persistirem, a Europa pode se deparar com a ultradireita no poder na Alemanha, na Espanha e na Itália numa questão de meses.
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