Brasil não consegue incluir censura a Cuba em declaração do Grupo de Lima

Maioria foi contra ideia de Ernesto Araújo de condenar ingerência de cubanos na Venezuela

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Brasília

O governo brasileiro falhou na tentativa de incluir uma condenação a Cuba no documento oficial da reunião do Grupo de Lima que foi realizada nesta sexta-feira (8) em Brasília. 

Segundo interlocutores que acompanharam o encontro, o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o chanceler da Colômbia, Carlos Holmes Trujillo, defenderam que constasse na declaração final uma referência mais dura contra a ingerência do governo cubano na Venezuela.

Houve, no entanto, oposição da maioria das demais nações que compõem o Grupo de Lima à proposta. 

O ministro das Relações Exteriores Ernesto Araujo (no centro) durante a reunião do Grupo de Lima
O ministro das Relações Exteriores Ernesto Araujo (no centro) durante a reunião do Grupo de Lima - Adriano Machado/Reuters

A avaliação dos outros países presentes foi que a responsabilização da ilha governada por Miguel Díaz-Canel pela crise na Venezuela seria uma postura contraproducente e pouco pragmática.

Além do mais, alguns desses governos mantêm boas relações com Cuba e consideram que a superação da situação dramática na Venezuela passa por chamar a ilha para a mesa de negociações. 

No documento final divulgado após o encontro, os membros do Grupo de Lima “exortam os governos que apoiam o regime ilegítimo da Venezuela a favorecer a transição democrática”.

“Especialmente, fazem um chamado a Cuba a ser parte da solução da crise”, diz a declaração, em uma linguagem que foge dos termos duros esperados pelo Brasil.

No início da reunião, Ernesto classificou Cuba como um regime que “exporta a ditadura para praticamente toda a América Latina”. 

Ele fez os comentários ao defender o voto dado pelo Brasil na ONU, na quinta-feira (7), a favor do embargo econômico aplicado pelos EUA contra a ilha —um gesto que contrariou 27 anos de tradição diplomática brasileira. 

“Achamos fundamental que em todas as instâncias chamemos a atenção para esse papel que Cuba desempenha há 60 anos, não só na Venezuela, na tentativa de exportar a ditadura para praticamente toda a América Latina”, disse o chanceler brasileiro no começo do encontro do Grupo de Lima. “E nosso voto deve ser entendido nesse sentido.”

De acordo com pessoas que acompanham o tema, a menção a Cuba foi ponto central na reunião desta sexta. 

Na avaliação desses interlocutores, Brasil e Colômbia aceitaram uma redação mais branda porque, caso insistissem, ficaria evidente um racha entre os países que compõem esse fórum.

O Grupo de Lima é formado atualmente por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia. 

Os representantes de Juan Guaidó, reconhecido por esses países como presidente encarregado da Venezuela, também participam das reuniões.

Além da divisão sobre a condenação a Cuba, o Grupo de Lima teme perder relevância no futuro.

Não apenas porque o ditador Nicolás Maduro continua no poder apesar da pressão diplomática aplicada pelos países do Grupo de Lima, mas pela expectativa de que o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, se retire da aliança.

O chanceler do Peru, Gustavo Meza-Cuadra, mencionou na sua fala preocupação com o futuro do grupo frente a permanência de Maduro no poder. “Nos preocupa que a reiteração das nossas posições possam banalizar e normalizar a crise, que segue se agravando”, disse. 

Ao final da reunião, Julio Borges, que atua como o ministro das Relações Exteriores de Guaidó, reconheceu que os países do Grupo de Lima têm “tons e nuances diferentes” quando a presença dos órgãos de inteligência cubanos na Venezuela está na mesa de negociação.

“O Grupo de Lima é para tentar ajudar a Venezuela e eu, como representante, quero trazer com muita força e veemência o tema de Cuba. Todos os países estão de acordo no papel que joga Cuba no problema da Venezuela. Alguns têm tons e nuances diferentes, mas todo mundo sabe que a crise na Venezuela está conectada com o regime cubano”, afirmou.

“Obviamente eu gostaria de posições muito mais fortes, cruas e absolutamente potentes sobre o que, para mim, é um problema real: que até o momento não houve mudança política na Venezuela fundamente por Cuba”, disse Borges.

Apesar da falta de uma condenação veemente contra os cubanos, os aliados de Guaidó conseguiram uma vitória na reunião do Grupo de Lima. 

Os países que fazem parte do grupo aceitaram apoiar um acordo feito na Assembleia Nacional da Venezuela (controlada pela oposição ao chavismo), que permite a manutenção de Guaidó como presidente encarregado do país mesmo após 5 de janeiro de 2020, quando em tese terminaria o seu mandato parlamentar.

A declaração oficial diz que os países do Grupo de Lima apoiam a permanência de Guaidó nessa condição “até o fim da usurpação e a realização de eleições presidenciais livres, justas, transparentes e com observação internacional”.

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