Candidato de centro-direita ameaça domínio da Frente Ampla no Uruguai

Pesquisa após 1º turno mostra Lacalle Pou com 47%, contra 42% de Martínez

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Buenos Aires

Durante a campanha eleitoral de 2014, o candidato do Partido Nacional (blanco), Luis Lacalle Pou, então com 41 anos, baseou sua propaganda no fato de ser uma opção "jovem", num país em que 15% da população tem mais de 60 anos --assim como quase todos os candidatos ao cargo de presidente.

Nos spots para a TV, remarcava a ideia de sua juventude, mostrando que surfava e vestia jeans. Numa clara provocação a seu rival, o hoje atual presidente Tabaré Vázquez, então com 74, chegou a fazer malabarismos num poste em Montevidéu e chamou a imprensa para fotografá-lo. 

Por um lado, a estratégia funcionou, e o centro-direitista Lacalle Pou conseguiu 43,3% dos votos. Porém, foi derrotado pelo então popular e socialista Tabaré (como é chamado no Uruguai), candidato da coalizão de centro-esquerda Frente Ampla, que venceu com 56% dos votos.

O candidato da oposição às eleições presidenciais no Uruguai, Luis Lacalle Pou - Xinhua/Nicolás Celaya

Um dos resquícios daquela campanha foi deixado de lado nesta eleição de 2019, que será decidida em segundo turno no próximo dia 24

Segundo a equipe de campanha do candidato, Lacalle Pou quis abandonar a ideia que para muitos soou infantil —a de que era uma opção "jovem", e que só por isso seria melhor que outras. 

Agora, ele enfrenta de novo a Frente Ampla, que está no poder desde 2005. Porém, o candidato atual não tem a mesma popularidade de Tabaré e deve lutar contra o desgaste de tantos anos no poder da mesma aliança. Trata-se de Daniel Martínez, 62, ex-prefeito de Montevidéu.

No primeiro turno, Martínez chegou na frente com 39,2%, enquanto Lacalle Pou teve 28,6%. Em terceiro e quarto lugar ficaram o colorado Ernesto Talvi, com 12,3%, e o ultra-conservador Guido Maníni Ríos, com 10,8%.

A primeira pesquisa realizada após o primeiro turno, divulgada nesta terça (5) pelo Instituto Equipos, deu vantagem de 47% para Lacalle Pou, frente a 42% de Martínez, fora da margem de erro.

Assim como nas duas eleições anteriores, o candidato do Partido Nacional recebeu apoio dos colorados no segundo turno. Nas duas ocasiões, porém, a aliança não serviu, e a Frente Ampla saiu vitoriosa.

Este ano, porém, traz novidades importantes. Em primeiro lugar, Lacalle Pou se mostra um candidato mais maduro.

Ao perfil de liberal nos costumes —apoia, por exemplo, as conquistas em direitos civis durante o período da Frente Ampla—, somou o discurso mais à direita no que diz respeito à economia e à segurança.

Advogado, filho de pais políticos —o ex-presidente Luis Alberto Lacalle Herrera (1990-1995) e a ex-senadora Julia Pou—, defende que o Uruguai mude de posição em relação à Venezuela, passando a atuar junto ao Grupo de Lima por mais pressões contra a ditadura de Nicolás Maduro. 

É pro-Mercosul, mas rejeitou o apoio na campanha do brasileiro Jair Bolsonaro, dizendo que não vê com bons olhos que se opine sobre a política interna de outros países. 

Já falou com o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, de modo protocolar e desejando-lhe uma boa gestão.

Considera o Estado uruguaio custoso e pouco eficiente, propondo ajustes. Em matéria de segurança, oferece mais soluções objetivas. Enquanto a Frente Ampla prefere o discurso da prevenção, Lacalle Pou diz que irá colocar mais policiais nas ruas e endurecer as penas para os crimes considerados graves. 

Esse discurso tem tido muito apelo num país que viu, em 2018, os homicídios aumentarem 48% e os roubos com violência subirem 53%, segundo o Ministério do Interior. 

Tem sido comum ver em Montevidéu, nos últimos tempos, o aumento do número de casas com câmeras, cercas e alarmes. Bairros luxuosos como Carrasco, cujas casas com jardim nem eram cercadas, receberam muros e grades, ou viram os moradores se mudar para condomínios em bairros com mais movimento —daí o surgimento de torres com apartamentos que não faziam parte da arquitetura da cidade.

Outra novidade no cenário político é o surgimento de mais uma força, e mais à direita. O candidato Guido Manini Ríos, ex-general aposentado com discurso ultraconservador e evangélico que amealhou 10,8% dos votos.

Além de ter recebido o apoio dos colorados, Lacalle Pou conseguiu também neste ano o endosso de Manini Ríos. 

Se a matemática simples fosse aplicada, somando todos os eleitores de Talvi e todos os de Manini Ríos, Lacalle Pou venceria o segundo turno. "Mas essa é uma projeção simplória, o partido colorado era, em sua origem, um partido de centro-esquerda e até hoje é laico. Por isso, parte de seus eleitores tradicionais não se identifica com a agenda de Manini Ríos", diz à Folha o cientista político Daniel Chasquetti, da Universidad de la República.

De acordo com o estudioso, "é possível que Lacalle Pou consiga amarrar essa aliança, mas há bolsões entre eleitores colorados e mesmo entre os votantes de Manini Ríos de classes mais baixas, que podem migrar para a Frente Ampla, seguindo a lógica do paternalismo, como os ex-eleitores de Lula que votaram em Bolsonaro no Brasil."

De todo modo, Lacalle Pou está empenhado em solidificar esse bloco anti-Frente Ampla. Os três partidos (blanco, colorado e cabildo aberto, o de Manini Ríos) lançaram um documento dizendo que, juntos, tiveram o apoio de "53% do total dos eleitores" e que, por isso, "todos juntos podemos oferecer ao país uma variedade de enfoques e de sensibilidades que nos ajude a dar melhores respostas à diversidade de necessidades e aspirações dos uruguaios".

Outras projeções para o segundo turno mostram que há um empate técnico entre os candidatos, com pequena vantagem para Lacalle Pou. 

Segundo Oscar Botinelli, diretor da Factum, um dos principais institutos de pesquisa do país, este é "o segundo turno mais incerto e competitivo desde 1999". E acrescenta: "a direita não tem os 53% da oposição só porque os líderes decidiram se unir, segundo nossas sondagens, isso deve cair para 47,5%".

Por sua vez, a Frente Ampla possui um teto e precisaria crescer, pelo menos, seis pontos. O próprio Daniel Martínez disse que o objetivo nas próximas semanas é fazer um intenso porta a porta e ganhar mais votos entre os eleitorados dos competidores.

"É positivo ter outros atores, mas estamos vivendo um momento de grande incerteza, é possível que isso seja disputado voto a voto até a eleição", conclui Chasquetti.

Quem disputa o segundo turno no Uruguai

O centro-direitista Lacalle Pou é liberal nos costumes, mas propõe reformas no Estado, que considera
pouco eficiente e custoso.

Pou, 46, quer colocar policiais nas ruas e instituir penas mais severas para crimes graves, o que pode apelar a eleitores de um país com criminalidade crescente

Já o candidato de centro esquerda Daniel Martínez, 62, foca a prevenção da criminalidade e melhoria das condições carcerárias.

Ex-prefeito de Montevidéu, Martínez declarou que evitará condenar a ditadura de Nicolás Maduro em fóruns internacionais, buscando a opção do diálogo

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