Entenda os protestos que sacodem o mundo

Organizadas pelas redes sociais, manifestações populares levam milhares de pessoas às ruas do Chile a Hong Kong

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Policiais passam por barricada com fogo durante ato em Hong Kong Thomas Peter/Reuters

Daniel Avelar
Amsterdã

Nos últimos meses, o noticiário internacional foi dominado por ondas de protestos: marchas contra a austeridade paralisaram o Equador e o Chile; revoluções democráticas derrubaram governantes no Sudão e no Líbano; atos por autonomia regional foram registrados na Catalunha e em Hong Kong, e assim por diante.

Essas revoltas parecem ser caóticas e desconexas, destinadas a sumir tão repentinamente quanto surgiram, mas há semelhanças notáveis entre elas: enquanto os descontentes aprenderam a se organizar pelas redes sociais, as autoridades atingidas pela ira popular frequentemente responderam com força policial e vigilância em massa.

Não é um fenômeno inédito. O decênio que se encerra com um ascenso das revoltas populares em nível planetário já nasceu ao som dos gritos da Primavera Árabe, do movimento Occupy e das marchas de junho de 2013 no Brasil. Assim, os anos 2010 poderão ser lembrados como a década do “#basta!”​

Em termos históricos, o volume de protestos deste período só encontra paralelo nos rebeldes anos 1960, marcados por lutas por direitos civis ao redor do planeta. Ainda não dá para saber ao certo qual será o impacto das revoltas atuais, mas o primeiro passo é entender suas raízes. A Folha tenta explicá-las a seguir.

 

Argélia

Por que os manifestantes estão nas ruas?
As manifestações começaram após o presidente Abdelaziz Bouteflika, que reconciliou o país norte-africano após mais de 200 mil pessoas morrerem em uma guerra civil nos anos 1990, anunciar a intenção de concorrer a um quinto mandato. Ele governava o país com mão de ferro desde 1999, mas andava recluso nos últimos anos devido a problemas de saúde. 

O que mudou depois dos atos?
Bouteflika acabou cedendo à pressão popular e renunciou em 2 de abril. Novas eleições foram convocadas para 12 de dezembro, mas a oposição pretende boicotar a votação por não confiar nas autoridades.

“Minha intenção é contribuir para acalmar as mentes e corações dos cidadãos."
Abdelaziz Bouteflika, ex-presidente


Bolívia

Por que os manifestantes estão nas ruas?
Os protestos estão divididos entre pró e contra o presidente Evo Morales após ele conquistar um quarto mandato em 20 de outubro. Em uma apuração cheia de idas e vindas, com duas formas de contagem de votos diferentes, Morales foi declarado vencedor no primeiro turno por uma margem bastante apertada, mas o opositor Carlos Mesa não reconheceu o resultado. O Brasil também não reconheceu a reeleição.

O que mudou depois dos atos?
A OEA e a ONU recomendaram a realização de um segundo turno. O governo boliviano rejeitou a proposta, mas convidou observadores a realizarem uma auditoria.


“Todos nós temos que estar decididos a sair às ruas pra mostrar que não aceitamos a fraude."
Carlos Mesa, candidato opositor


Chile

Por que os manifestantes estão nas ruas?
Tudo começou com um aumento nas tarifas de transporte público. Os manifestantes foram às ruas, e houve destruição de estações de metrô. A pauta cresceu, e os chilenos passaram a brigar contra a desigualdade social. Após os atos de vandalismo, o presidente Sebastián Piñera declarou estado de emergência e toque de recolher. Apesar da violência policial, o movimento reuniu mais de 1 milhão de pessoas em Santiago, no dia 25. A revolta é a principal crise no país desde o fim da ditadura, em 1990.

O que mudou depois dos atos?
Piñera retrocedeu no aumento das tarifas e anunciou um pacote de medidas econômicas.


“Estamos em guerra contra um inimigo poderoso, que está disposto a usar a violência sem nenhum limite."
Sebastián Piñera, presidente


Egito

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
Protestos surgiram na capital, Cairo, e em outras cidades do país para exigir a renúncia do ditador Abdel Fatah al-Sisi, repetindo cenas registradas durante as manifestações da Primavera Árabe, em 2011.
Os atos foram convocados pelas redes sociais pelo ator e empresário Mohamed Ali, que vive exilado na Espanha, e se tornaram a pior crise enfrentada por Sisi desde que ele chegou ao poder por meio de um golpe de Estado, em 2013. Vídeos em redes sociais mostram gritos de “fora, Sisi” e “o povo quer a queda do regime”.

O que mudou depois dos atos?
O movimento murchou após forte repressão policial.

“O povo quer a queda do regime."
Grito de manifestantes, imitando cantos da Primavera Árabe


Equador

Por que os manifestantes estão nas ruas?
Manifestações paralisaram o Equador contra a decisão do presidente Lenín Moreno de extinguir subsídios sobre combustíveis. Os cortes atendiam às exigências de ajuste fiscal em troca de empréstimos de mais de US$ 4,2 bilhões negociados com o FMI. Como em outros momentos de turbulência no país, movimentos indígenas foram protagonistas.

O que mudou depois dos atos?
Moreno decretou um estado de emergência e chegou a transferir temporariamente a capital de Quito para Guayaquil, mas acabou cedendo às demandas e suspendeu o corte nos subsídios.

“O bem mais valioso que temos é a paz, e eu valorizo a paz como valorizo o sacrifício dos irmãos indígenas."
Lenín Moreno, presidente, após ceder aos manifestantes


Espanha

Por que os manifestantes estão nas ruas?
Uma série de protestos (pacíficos, mas com focos de violência) eclodiram na região da Catalunha após a Suprema Corte condenar nove líderes separatistas a até 13 anos de prisão. As penas são relacionadas a um plebiscito sobre a independência catalã, realizado em 2017 sem a anuência de Madri. Ao desencadear novas manifestações, o veredito acabou dando ainda mais força aos separatistas. A Catalunha tem idioma e bandeira distintos, e os partidários da independência reclamam de partilhar as riquezas da região com outras partes da Espanha.

O que mudou depois dos atos?
Por enquanto, nada. O impasse continua.


“A União Europeia permite que a polícia de um de seus Estados-membros use a violência contra seus cidadãos."
Carles Puigdemont, líder catalão exilado


Haiti

Por que os manifestantes estão nas ruas?
Milhares vêm enfrentando repressão policial desde setembro para exigir a renúncia do presidente Jovenel Moïse, após sucessivos escândalos de corrupção e cortes no fornecimento de combustíveis. O movimento atual repete ondas de protesto anteriores e gera incerteza sobre o futuro do país mais pobre das Américas, que segue caótico dois anos após o fim de uma missão de paz da ONU liderada pelo Brasil. A população ainda sofre os efeitos do grande terremoto de 2010 e de um furacão em 2016.

O que mudou depois dos atos?
O impasse continua. Acusado de não aparecer durante a crise, Moïse prometeu falar à nação mais vezes.


“Não deixarei o país nas mãos de gangues armadas e traficantes."
Jovenel Moïse, presidente, ao dizer que não pretende renunciar


Hong Kong

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
A revolta começou após o anúncio de um projeto de lei que facilitaria a extradição de suspeitos para serem julgados na China continental. O plano foi visto como uma ameaça às liberdades individuais no território autônomo e acabou revogado. O movimento passou a englobar outras demandas do povo, que vê interferência crescente do regime chinês e também pede a responsabilização de agentes que atacaram manifestantes durante os atos, os maiores ocorridos ali desde 1997.

O que mudou depois dos atos?
Projeto de lei foi engavetado, mas o impasse continua.


“A responsabilidade é minha... Eu peço as mais sinceras desculpas ao povo de Hong Kong.
Carrie Lam, líder do governo local, após cancelar projeto de extradição


Iraque

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
Os protestos pedem a melhoria das condições de vida no país, destruído após a invasão dos EUA e da guerra contra o Estado Islâmico. Entre os manifestantes, há membros de vários grupos religiosos. A revolta põe em xeque o governo do premiê Adil Abdul-Mahdi. Uma derrocada no Iraque pode agravar o caos na região, uma vez que o país é palco de disputas entre seus vizinhos Irã e Arábia Saudita.

O que mudou depois dos atos?
O presidente Barham Saleh propôs antecipar eleições e disse que o premiê Mahdi aceitaria renunciar se houver acordo no Parlamento para apontar um substituto.

“Eu espero que você saia com a sua dignidade intacta, mas se você resistir ... deverá ser deposto imediatamente."
Muqtada al-Sadr, clérigo xiita, sobre o premiê Mahdi.


Líbano

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
Os libaneses sofrem há anos com a corrupção dos governantes e com uma economia em frangalhos. A gota d’água foi o anúncio de uma nova taxa sobre ligações telefônicas feitas por aplicativos como o WhatsApp, equivalente a R$ 0,83 por dia. O movimento representa demandas de diferentes seitas do país e atinge toda a classe política. É uma das piores crises no país desde 1990.

O que mudou depois dos atos?
O premiê Saad Hariri renunciou na terça (29). Seus rivais do Hizbullah temem ser os próximos alvos da ira popular. A taxa para os aplicativos foi revogada. O governo apresentou um plano de combate à corrupção e de privatizações.

“Eu não posso esconder isso de vocês. Eu estou num beco sem saída."
Saad Hariri, premiê, ao anunciar sua renúncia


Reino Unido

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
Brexit. Nos últimos meses, multidões têm se reunido em Londres para exigir a realização de um segundo plebiscito que possa revogar a saída britânica da UE. Mais de 1 milhão participaram do ato no dia 19, em 
uma das maiores mobilizações de rua da história do país. Mas as manifestações têm feito pouco eco no Parlamento. O premiê Boris Johnson, alvo frequente dos atos, tentará conquistar uma maioria parlamentar nas eleições de dezembro para enfim aprovar o divórcio do bloco europeu.

O que mudou depois dos atos?
Eleições gerais foram antecipadas para dezembro e o brexit foi adiado para janeiro, mas o impasse continua.

“Eu prefiro estar morto em uma vala [a pedir o adiamento do brexit]."
Boris Johnson, premiê, antes de solicitar novo prazo


Rússia

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
Uma eleição rotineira para a câmara de vereadores de Moscou se transformou em um problema para o presidente Vladimir Putin. Protestos começaram após as autoridades cancelarem a inscrição de candidaturas independentes. Os atos desafiam o autoritarismo crescente no país, onde opositores são perseguidos e muitas vezes acabam no exílio e haverá aumento do controle do uso da internet.

O que mudou depois dos atos?
Os eleitores impuseram uma derrota simbólica ao governo na votação de setembro, reduzindo a maioria dos aliados de Putin no legislativo municipal.

“Nós acreditamos que as ações duras das forças de segurança para barrar os protestos são absolutamente justificadas."
Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin.


Sudão

Por que os manifestantes estão nas ruas? 
Uma série de protestos explodiu em dezembro, quando um aumento no preço do pão virou prerrogativa para exigir a queda do ditador Omar al-Bashir. Enfrentando repressão policial, os manifestantes conquistaram sua deposição em abril, mas seguiram protestando para que os militares não tomassem conta do governo e impedissem eleições. O Exército tentou sufocar a revolta e matou mais de cem ativistas na capital, Cartum, em junho.

O que mudou depois dos atos?
Bashir foi deposto por um golpe do Exército e militares partilharam poder com civis. A transição para a democracia deve ocorrer após eleições em 2022.

“Não confiamos nas Forças Armadas, confiamos que o povo do Sudão protegerá a revolução."
Samahir Elmubarak, porta-voz dos protestos.

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