Ex-presidente do Paraguai é alvo de operação da Lava Jato

Horacio Cartes é suspeito de ter auxiliado com US$ 500 mil doleiro que estava foragido da Justiça brasileira

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Rio de Janeiro e São Paulo

O ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes foi alvo nesta terça-feira (19) de um mandado de prisão expedido na Operação Patron, desdobramento da Lava Jato do Rio de Janeiro.

Cartes é suspeito de ter auxiliado com US$ 500 mil (R$ 2,07 milhões) o doleiro Dario Messer enquanto ele estava foragido da Justiça brasileira, entre maio de 2018 e julho deste ano, quando foi preso. 

Messer ficou, segundo as investigações, até outubro de 2018 no Paraguai, país governado por Cartes até agosto do ano passado.

O ex-presidente foi incluído no alerta vermelho da Interpol. Ainda cabe à Justiça Federal do Rio de Janeiro efetuar o pedido de extradição de Cartes, que se encontra no Paraguai, às autoridades do país.

O ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes durante fórum em Paris
O ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes durante fórum em Paris - Eric Piermont - 3.jun.16/AFP

O Ministério Público Federal informou que está sendo formulado na tarde desta terça um pedido de cooperação jurídica internacional para o Paraguai.

Segundo o órgão, esse pedido não foi produzido anteriormente porque indícios apontavam para um risco de vazamento da operação —assim, as autoridades brasileiras decidiram aguardar o cumprimento dos mandados de prisão no Brasil.

Nesta terça, em entrevista a jornalistas paraguaios, o presidente Mario Abdo Benítez afirmou que o governo paraguaio avaliará a ordem de prisão emitida pela Justiça brasileira. Ele também disse que não há intocáveis no Paraguai. 

O juiz Marcelo Bretas expediu 17 mandados de prisões preventivas, três temporárias e 18 mandados de busca e apreensão. 

As três prisões temporárias e oito preventivas foram cumpridas no Brasil. Todos os alvos já estão presos. Já os nove mandados de prisão preventiva fora do país ainda não foram cumpridos.

A operação desta terça é um desdobramento da Câmbio Desligo, deflagrada em maio de 2018 com a expedição de mandados de prisão contra 50 doleiros, entre eles Messer.

Os alvos da Operação Patron são pessoas suspeitas de terem oferecido abrigo, ocultado recursos financeiros e fornecido apoio logístico para que esses recursos chegassem ao doleiro, durante o tempo em que esteve foragido. 

Segundo a Polícia Federal, a investigação identificou cerca de US$ 20 milhões ocultados, no total, sendo US$ 17 milhões num banco nas Bahamas e o restante no Paraguai.

De acordo com o MPF, a investigação foi baseada principalmente no conteúdo de mensagens trocadas por Messer em um aplicativo de mensagens.

Os telefones celulares do doleiro foram apreendidos na ocasião de sua prisão, em julho. 

O MPF afirma que Messer enviou uma carta ao ex-presidente Horacio Cartes —a quem chamava de "patrão"— solicitando US$ 500 mil para gastos jurídicos. Nesta carta, Dario escreveu a Cartes que precisaria de "seu apoio de sempre".

O intermediário desta entrega, segundo o Ministério Público, foi o empresário brasileiro Roque Fabiano Silveira, que vive no Paraguai e foi condenado pela Justiça por contrabando. 

Também alvo na operação, ele abrigou Messer em sua fazenda num dos períodos em que esteve foragido no Paraguai, segundo a Polícia Federal.

Diálogos travados entre Dario e Roque por meio de aplicativo de mensagem mostram, segundo a PF, que eles também negociavam diretamente com Cartes formas de se entregar e permanecer no Paraguai em condições vantajosas.

De acordo com as conversas, o empresário afirmou ao doleiro que estava procurando um apartamento ao lado de uma delegacia para que não tivesse que transitar muito para o comparecimento diário em caso de uma prisão domiciliar.

Outra medida foi agilizar no governo paraguaio autorização para que Myra Athaide, namorada de Messer, pudesse viver no país. Ela, que também foi alvo da ação, era responsável pela casa em que o doleiro foi preso em julho deste ano.

A PF aponta que ela foi a responsável por levar dinheiro de Messer para outros países, a fim de tentar ocultar sua fortuna.

O doleiro acabou desistindo de se entregar e fugiu para São Paulo, com uma identidade falsa, em outubro do ano passado.

Cartes é amigo de longa data de Messer, a quem chamava de "irmão de alma". O ex-presidente manteve relações próximas com o pai do doleiro, Mordko Messer, que o ajudou na década de 1990, quando esteve na mira da Justiça por evasão de divisas.

A polícia também informou que uma das famílias que abrigaram Messer, investigada nesta operação, tem uma relação muito próxima com narcotraficantes ligados à facção criminosa PCC. O doleiro se refugiou em propriedades da família Mota a partir de setembro de 2018.

Integrantes dessa família, segundo as autoridades, negociaram dois fuzis G36 com um suposto contrabandista de armas brasileiro. 

De acordo com a PF, não foi identificada até o momento vinculação direta entre o dinheiro movimentado por Messer e a aquisição destes fuzis. 

Alguns indícios de relações dessa família com o narcotráfico foram obtidos por meio de relatórios de inteligência financeira do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Segundo o Ministério Público, esses relatórios foram produzidos com autorização judicial.

A procuradoria também afirma que Messer continuou a atuar como doleiro mesmo foragido. 

Eduardo Campos, presidente do banco Basa, propriedade de Cartes, afirmou à imprensa paraguaia que o ex-presidente não teve contato com Messer enquanto ele era procurado pela Justiça. 

"O mandado é supostamente por [Cartes] ter colaborado com a fuga ou ajudado a esconder Darío Messer. Realmente é surpreendente, porque não houve nada disso. Nem sequer contatos ou reuniões com Messer. Horacio Cartes está com a consciência tranquila", disse, à Rádio Universo. 

O ex-presidente é um dos empresários mais ricos do país. É dono de bancos e empresas que atuam na área do tabaco.

Havia queixas e denúncias de outros países, como Colômbia e México, de que os cigarros paraguaios piratas, muitos deles fabricados pelas empresas de Cartes, estavam entrando ilegalmente em seus países.

Nos anos 1980, ele foi preso por evasão de divisas e, em 2011, o Wikileaks revelou que os EUA investigavam suas relações com um esquema internacional de narcotráfico e lavagem de dinheiro.

Um de seus bancos, o Amambay (hoje chamado de Basa), foi investigado por uma comissão parlamentar brasileira em 2004, a partir de dados enviados pela DEA, o departamento de combate às drogas dos EUA. 

Cartes também se envolveu com o futebol. Foi presidente do Libertad de 2001 a 2013, um dos principais clubes do Paraguai, e dirigente da Associação Paraguaia de Futebol.

O paraguaio deixou a presidência em agosto do ano passado com baixa popularidade, com apenas 18% de aprovação.

Ele tentou, sem sucesso, aprovar uma emenda constitucional que o permitisse concorrer à reeleição. Denúncias apontaram que ele apresentou assinaturas falsas.

Em agosto deste ano, o atual presidente, Mario Abdo Benítez, foi alvo de uma tentativa de impeachment, pela acusação de ter fechado um acordo com o Brasil para a divisão da energia de Itaipu que prejudicaria o Paraguai.

Na ocasião, Cartes foi um dos avalistas da permanência de Benítez e usou sua força no Congresso para ajudar a barrar o processo.

OUTRO LADO

Procurada pela reportagem, a defesa de Cartes afirmou que o decreto de prisão é "absurdo e ilegal" e que irá entrar com habeas corpus em favor de seu cliente.

"Se a acusação [de que o ex-presidente deu US$ 500 mil a Messer] fosse verdadeira, seria absurda. Ainda que fosse verdadeira, uma coisa é abrigar na sua casa. Outra coisa é emprestar dinheiro para alguém pagar advogado. Emprestar dinheiro para pagar advogado não é crime", disse o advogado Edward Carvalho.

Ele defendeu, ainda, que o Paraguai não pode extraditar Cartes, um paraguaio nato. Isso porque o Brasil não permite a extradição de brasileiros natos e, segundo a sua interpretação, um dos princípios da extradição é a reciprocidade entre os dois países. 

Ele também argumentou que o ex-presidente não pode ser preso no Paraguai por ter imunidade como ex-presidente e senador.

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