Existe uma base teológica sobre igualdade de gênero, diz arcebispa da Suécia

Autoridade máxima da Igreja Evangélica Luterana da Suécia defende casamentos homossexuais com base na Bíblia

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Porto Alegre

Autoridade máxima da Igreja Evangélica Luterana da Suécia, a arcebispa Antdje Jackelén, 64, defende a igualdade de gênero e casamentos homossexuais religiosos com base na Bíblia. 

Eleita em 2014, é a primeira mulher a ocupar o posto. Até 2000, a Igreja da Suécia, como é chamada, pertencia ao Estado. Desde então, são poderes separados, e 58% dos suecos se declaram como pertencentes à religião.

Antdje Jackelén
Antdje Jackelén, 64, é arcebispa da Igreja Evangélica Luterana da Suécia -  Marcos Nagelstein/Agência Preview

“Homens que são inseguros com quem eles são não encontram novas formas de ‘ser homens’ fora do patriarcado. São infelizes e podem se tornar violentos”, disse ela à Folha em Porto Alegre.

Em sua primeira visita ao Brasil, ela participou de um evento sobre religião, gênero e ambiente. 

Por que igualdade entre homens e mulheres é uma questão importante para a Igreja? 

Na Bíblia, há uma passagem nas Cartas de Paulo aos Gálatas, em que ele diz que, no batismo, estamos todos perto de Cristo, não há liberto ou escravo, judeu ou grego, homem ou mulher. Somos todos um em Cristo.

Se voltarmos ao início da Bíblia, onde diz que Deus criou homens à sua imagem e semelhança, criou o homem e a mulher. Então, existe uma base teológica sobre igualdade de gênero. Existem outras passagens também, embora o patriarcado tenha deixado marcas na Bíblia.

Houve períodos em que as mulheres tinham mais poder do que as estruturas atuais permitem, por exemplo, na Igreja Católica.

Diferentemente da Igreja Luterana, que tem pastoras, na Igreja Católica não há mulheres ordenadas como padres. Qual é a principal dificuldade para as mulheres ocuparem esses espaços?

Essa discussão está ocorrendo na Igreja Católica. É muito difícil para uma igreja com um posicionamento tão antigo mudar. Mas tradições podem ser mudadas. O papa instalou uma comissão sobre o papel das mulheres e quer dar mais espaço, mas há muito a ser feito. 

Há exemplos de sínodos em que homens leigos puderam votar, mas mulheres não. Para mim, não há motivo lógico para ser assim. No decorrer da história, frequentemente são as mulheres que carregam a tradição, que ensinam histórias bíblicas às crianças e transmitem a fé.

Na Suécia, casais LGBTQi podem casar na Igreja Luterana. Por que o entendimento é diferente de outras igrejas cristãs? 

Na Suécia, como em muitos países, a homossexualidade foi considerada por anos uma doença. Foi em 1979 que o Estado abandonou essa ideia.

Na nossa igreja, ainda em meados da década de 1970, havia pessoas que quiseram discutir essa questão. Começamos a trabalhar teologicamente.

Então, na década de 1990, quando o Estado propõe o registro civil dos casais, discutimos: podemos nós, na igreja, abençoá-los? A maioria disse que amor é importante, é a coisa mais importante de acordo com a Bíblia, afinal, Deus é amor. 

Se as pessoas querem bênção para viver um relacionamento duradouro e responsável, por que não deveríamos abençoá-los? Em 2009, o Estado oficializou a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, ou seja, o casamento passou a ser “neutro” para os gêneros.

No nosso sistema, não é preciso casar primeiro no civil. A cerimônia na igreja é também um casamento civil.

Por que fé e religião são usados ao redor do mundo em lutas por menos direitos? 

Às vezes, a religião é usada para promover agenda contra a igualdade de gênero. É um problema que precisa ser exposto. Porque não enxergo teologicamente razão para alguém ser anti-justiça de gênero. 

A Bíblia é repleta de referências à justiça. Nota-se que se fala muito na Bíblia sobre pobreza e justiça, sobre se importar com mais pobres, com órfãos, com estrangeiros. Se você fosse fazer uma Bíblia com grifos em tudo que trata de sexualidade, seria muito pouco. Ainda assim, a tradição fez parecer que a Bíblia está repleta disso. É um falso senso de proporção.

Na sua apresentação em Porto Alegre, a senhora falou sobre os “5 Ps”. Pode explicá-los? 

Existe um coquetel perigoso de “5 Ps” que está assombrando muitos lugares do mundo. Esse coquetel está deixando o mundo bêbado. 

O primeiro “P” é a “polarização”, que separa o que deveria estar junto e trabalhar unido. Temos o “populismo”, que apresenta soluções simples, que provoca o povo e a chamada elite um contra o outro, reivindicando que essa elite teria perdido contato com o povo e, de outro lado, que se privilegia as minorias.

Há o “protecionismo”, em um tempo que cobra mais responsabilidade global. Mas dizem “não me importo, meu povo primeiro, meu país primeiro” às custas do bem comum.

Existe ainda a “pós-verdade” proliferando mentiras, com ajuda das redes sociais.

Finalmente, temos o “patriarcado”, que não é algo específico do nosso tempo, mas desenvolveu sinergia com esses outros quatro “Ps” e os fazem ainda piores. Em alguns lugares, podem ser a chave para as reações violentas, frustradas de uma masculinidade raivosa que perdeu orientação.

Enquanto trabalhamos para empoderar mulheres, precisamos trabalhar com a masculinidade. É importante para prevenir violência doméstica. Homens que são inseguros com quem eles são, não encontram novas formas de “ser homens” fora do patriarcado. Eles são infelizes e podem se tornar violentos.

Antdje Jackelén, 64
Arcebispa da Igreja da Suécia, foi eleita para o cargo máximo da hierarquia por maioria de votos em 2014. É doutora em teologia pela Universidade de Lund. A arcebispa é casada, tem duas filhas e quatro netos.

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