Grupo terrorista de esquerda usa sequestros como arma no norte do Paraguai

Com inspiração marxista, Exército do Povo Paraguaio tem como alvo autoridades e fazendeiros da região

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Santa Rosa del Aguaray (Paraguai)

Ao lado do hospital de Santa Rosa del Aguaray, cidade de 42 mil habitantes no norte paraguaio, um outdoor mostra as fotos de 29 pessoas com os dizeres "Buscados" (procurados), em letras chamativas. "Foragidos por [prática de] homicídio, sequestro, terrorismo, assalto agravado e associação criminal", diz. Promete-se recompensa.

São integrantes do EPP (Exército do Povo Paraguaio), embora a guerrilha marxista não seja citada pelo nome. O cartaz foi colocado pela FTC, a Força Tarefa Conjunta composta pelas Forças Armadas e pela Polícia Nacional, dedicada a combater o grupo.

Com a ajuda do Brasil, a galeria dos fugitivos vem sendo reduzida. Óscar Luis Benítez, um dos rostos do outdoor, foi extraditado para o Paraguai no final de setembro. Em breve, Lorenzo González, a seu lado no cartaz, deverá ter destino igual. 

Presos em 2017 em São Paulo, eles tiveram a extradição autorizada pelo STF. São acusados pelo assassinato de Cecília Cubas, filha do ex-presidente paraguaio Raúl Cubas, em 2005.

Além disso, em julho, o ministro Sergio Moro (Justiça) cancelou o refúgio de três outros supostos membros do EPP que estavam no Brasil, e um processo de extradição está em curso.

Mesmo sendo alvo dessa ofensiva, o grupo terrorista segue ativo e atemorizando a população de boa parte do centro-norte paraguaio, sobretudo nos Departamentos de San Pedro e Concepción.

Criado em 2008, mas com raízes em movimentos de esquerda radical do país desde a década de 1990, o EPP defende uma vaga ideologia marxista-leninista inspirada em outros grupos terroristas do continente, sobretudo as Farc.

Mas enquanto os integrantes do grupo colombiano, em sua maioria, abdicaram das armas e optaram pela via política, o EPP segue fazendo ataques. 

Sua força é bem mais restrita do que tinham as Farc, com um número de guerrilheiros armados que chegariam a algumas centenas, espalhados por acampamentos no maio da mata. 

Mencionam bandeiras como reforma agrária, distribuição das riquezas do Estado para as classes mais pobres e a derrubada do atual modelo constitucional paraguaio.

O modus operandi preferido é o sequestro de autoridades e fazendeiros da região, grande produtora de soja, milho, tabaco e gado leiteiro. Financiam-se cobrando resgates milionários, em geral pagos.

Paraguaios de origem brasileira conhecidos como "brasiguaios" estão entre seus alvos preferenciais, acusados de roubar terras e tirar emprego da população local.

"Isso é uma mentira, todos aqui empregam paraguaios. Eu mesmo tenho cinco funcionários, nenhum brasileiro", afirma o brasileiro Carlos Eduardo Pereira, 38, dono de uma churrascaria e uma escolinha de futebol na cidade.

Brasileiros com quem a Folha conversou na região dizem que a zona urbana de Santa Rosa del Aguaray, a 250 km de Assunção, é bastante tranquila. Mas nas vastas áreas rurais, cortadas por estradas de terra e pontilhadas por colônias agrícolas, a situação é diferente. 

Além dos sequestros, o EPP se manifesta queimando tratores, colheitadeiras e pequenos aviões que fazem fumigação de pesticidas em lavouras.

Em 2014, o brasiguaio Arlan Fick, à época com 17 anos, foi sequestrado pelo grupo na fazenda onde vivia com os pais, na região de Concepción. Passou nove meses em cativeiro até ser libertado mediante o pagamento de resgate de US$ 500 mil.

Em novembro do ano passado, outro brasileiro, o madeireiro Valmir de Campos, 48, não teve a mesma sorte. Foi sequestrado e morto por seis homens que disseram pertencer ao grupo.

Ainda mais visados que os brasileiros são os membros da minoria menonita, uma corrente protestante com origens na Alemanha no século 16. Historicamente perseguidos por sua fé, migraram ao longo dos séculos para Rússia, Canadá e México e chegaram ao Paraguai nos anos 1970, atraídos pela política do governo de então de abrir a fronteira agrícola do país.

Hoje reunindo cerca de 3.500 pessoas, vivem em colônias agrícolas e são uma comunidade à parte, embora interajam com paraguaios e brasiguaios. Vestem-se de forma conservadora (homens com camisa e calça social e mulheres com longos vestidos) e comunicam-se entre si em plattdeutsch ("alemão baixo"), um dialeto germânico.

Por serem em geral fazendeiros bem-sucedidos e se encaixarem à perfeição na narrativa do EPP de que estrangeiros exploram paraguaios, viraram alvo de sequestros e pedidos de resgate.

Um dos episódios mais traumáticos para a comunidade foi o sequestro de Bernhard Blatz, em setembro de 2017, à época com 21 anos. Ele dirigia uma picape por uma estrada de terra perto de sua fazenda, enquanto o pai, Peter Blatz, 53, guiava uma colheitadeira logo atrás.

Ao fazerem uma curva, viram-se numa emboscada. Cinco guerrilheiros armados, sendo três homens e duas mulheres, avançaram sobre o carro do jovem e o levaram. O pai conseguiu escapar, não sem antes ser alvo de um tiro, que passou a milímetros de sua testa, sem feri-lo.

"Demoraram três meses para fazer contato, três meses em que eu não dormia nem comia", relatou o pai à Folha em espanhol com sotaque, numa fazenda que arrenda para plantar soja.

Até que chegou uma carta à colônia de Rio Verde, a 20 km do centro de Santa Rosa del Aguaray, pedindo resgate.

O EPP queria US$ 1,25 milhão por Bernhard e Franz Hiebert, outro jovem menonita que havia sido sequestrado em outra colônia agrícola dias antes. Também pediram a doação de cinco carretas cheias de cestas básicas para populações carentes, ao custo de US$ 50 mil cada.

Parte do resgate foi pago com uma vaquinha entre os menonitas, e o resto saiu do bolso de Blatz e do pai do outro sequestrado. A negociação foi direta com o EPP e não envolveu as autoridades paraguaias, que são contrárias a esse procedimento.

Mesmo após o pagamento do resgate, os reféns ainda demoraram um mês para serem libertados, em uma fazenda a cerca de 70 km de distância do local do sequestro.

"Um dia finalmente meu celular tocou e ouvi uma voz: 'é meu papai?'", lembra Peter. O filho não sabia se o pai estava vivo, porque ouviu o tiro disparado pelos terroristas contra ele na hora da emboscada, mas desconhecia que tinham errado. 

O jovem ficou cinco meses sequestrado, a maior parte do tempo acorrentando a uma árvore e com os olhos vendados. Estava 16 kg mais magro.

Por causa da tensão, diversas famílias menonitas estão se mudando da região mais para o norte, onde a ação do EPP é menor, ou até para a Bolívia. 

Um deles é Willie Lower, 30, cujos pais vieram do México em 1974. "É triste, porque construímos essa colônia do zero. Mas está ficando insustentável, o preço da terra já caiu muito", afirma.

O governo paraguaio, que mantém uma base armada perto do centro da cidade, diz que o EPP, nos últimos anos, passou a ser um grupo praticando banditismo sem ideologia, inclusive tendo contatos com organizações criminosas brasileiras como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho.

Mas a dificuldade em eliminar o grupo e o alto custo de manter a Força Tarefa Conjunta geram desgaste para o governo paraguaio.

A Folha entrou em contato com o porta-voz da FTC para obter um posicionamento sobre o combate ao EPP, mas não recebeu resposta.

Em 24 de setembro, em uma audiência no Congresso, o ministro da Defesa paraguaio, Bernardino Soto, defendeu a estratégia contra a guerrilha.

"O objetivo [do EPP] era negar a autoridade do governo no norte do país, controlar a população e ter um território onde o Estado não pudesse exercer sua soberania. E a pergunta é: conseguiram seus objetivos? Não", afirmou. "Claro que seguimos trabalhando e essa luta é longa", prosseguiu.

Enquanto o conflito continua, a população de Santa Rosa del Aguaray protesta. Na entrada da cidade, outro cartaz pede: "Paz no Norte!!!", com as fotos do oficial das Forças Armadas Edelio Morinigo, sequestrado em julho de 2014, e do fazendeiro Félix Urbieta, levado em outubro de 2016. Não se sabe se foram mortos ou se seguem reféns.

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