Descrição de chapéu BBC News Brasil

O lugar paradisíaco que tenta acabar com uma das epidemias de heroína mais graves do mundo

Cerca de 5.000 pessoas, de uma população de 94 mil, estão viciadas na droga

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Kanika Saigal
Seychelles | BBC News Brasil

​O arquipélago paradisíaco das Seychelles está sofrendo uma epidemia de drogas de grandes proporções.

Conhecidos por seus recifes de coral, manguezais e praias de areia branca, o arquipélago do Oceano Índico recebe 360 mil turistas todos os anos.

Mas distante das ilhas particulares, dos resorts e restaurantes sofisticados, a pequena nação está enfrentando uma epidemia de heroína de enormes proporções.

Costa de La Digue, em Seychelles - Lyu Shuai/Xinhua

Entre 5.000 e 6.000 pessoas de uma população total de 94 mil pessoas —o equivalente a quase 10% da população ativa— são viciadas em heroína, de acordo com a Agência para a Prevenção do Abuso e Reabilitação de Drogas (APDAR) nas Seychelles.

Per capita, as Seychelles sofrem com a maior taxa de abuso de heroína do mundo.

Jed Lesperance tinha 20 anos quando começou a usar drogas. Ele tem 34 anos agora. "Comecei a fumar maconha com meus amigos de vez em quando. No começo, foi divertido", disse ele.

"Mas, com o tempo, passei a usar heroína, e ela começou a tomar conta da minha vida. Eu estava fumando heroína duas a três vezes por dia, até roubando da minha avó para pagar pelo meu hábito. Dentro de algumas semanas, eu me tornei viciado", disse.

A heroína faz uma longa jornada pela Ásia Central, especialmente saindo do Afeganistão, antes de ser contrabandeada para as ilhas pelo leste da África.

Composto por 115 ilhas, o arquipélago das Seychelles tem muitos pontos de fronteira, algo difícil de monitorar.

Clínicas matinais de metadona

Mas, em vez de tentar fazer uma "guerra às drogas", que criminalizaria a grande proporção de usuários de heroína nas Seychelles, o chefe da agência antidrogas introduziu uma política de drogas no estilo português —considerando a dependência de drogas como uma doença crônica tratável.

"A Agência para a Prevenção do Abuso e Reabilitação de Drogas foi criada em agosto de 2017, e introduzimos o Programa de Manutenção com metadona em maio de 2018", disse Patrick Herminie à BBC.

Os usuários de heroína têm duas opções: aderir ao programa mais intenso —que inclui um período de tratamento hospitalar em que eles devem se comprometer com a desintoxicação— ou ao programa que se concentra na redução de danos.

Os indivíduos têm acesso a apoio médico e psicossocial nos dois programas.

"Atualmente, temos mais de 2.000 pessoas registradas em um de nossos programas, e 68% delas estão empregadas", disse Herminie.

Lesperance é uma daquelas pessoas que se beneficiaram com a adesão a um programa de reabilitação criado pela agência.

Todas as manhãs, ele visita uma das clínicas de metadona móveis do país —vans brancas que são administradas por agentes de saúde e enfermeiras qualificadas para dar a dose correta de metadona aos dependentes em recuperação.

Dezenas de pessoas fazem fila diante das janelas abertas da van branca, prontas para mostrar sua identidade. Seu nome, a data e a hora são registrados em uma planilha e, após o recebimento das informações, a dose correta de metadona é distribuída a eles.

Lesperance, que está limpo há três meses, agora trabalha como confeiteiro em um hotel cinco estrelas em Mahe, a maior ilha das Seychelles.

"Desde que encontrei trabalho, tenho muito mais estabilidade, e isso me incentivou a continuar no programa. Eu também pude dar parte do dinheiro que ganho de volta à minha avó, o que tornou nosso relacionamento muito melhor", disse ele.

Michelle Sabury, que ajuda a recrutar viciados em drogas para programas de reabilitação, concorda que "ele virou uma pessoa completamente diferente".

"Quando ele chegou, ele estava abaixo do peso e tinha muito pouca esperança. Agora, ele parece muito mais saudável e pode ir trabalhar todos os dias. Estamos orgulhosos do que ele conseguiu", disse ela à BBC.

Após receber a metadona, muitos dos participantes do programa ficam para conversar com seus colegas ou com um assistente social antes de irem para o trabalho ou voltarem para casa.

Alguns até levam os familiares, ilustrando como o estigma associado ao tratamento nas Seychelles está se desintegrando lentamente.

'Meu namorado era traficante'

Uma das assistentes sociais, Levina Mosses, é uma dependente de heroína recuperada que agora vem oferecer apoio a outros que desejam deixar a droga.

"Comecei a me aproximar da heroína aos 17 anos. Meu namorado era traficante na época, então nunca tive de pagar por drogas. Mas depois de anos de abuso de heroína, eu disse 'chega'. Minha única opção era ficar limpa."

Mosses deixou o namorado, também pai de seus filhos, há 11 anos —e está limpa desde então.

"Eu acho que é importante obter apoio de pessoas que estiveram em situações semelhantes, para que possam ver como é sair do outro lado. A epidemia de heroína afetou tantas pessoas no meu país, é justo ser aberto e honesto sobre os problemas que estamos enfrentando", disse ela.

Após o lançamento dos programas de reabilitação, o preço da heroína nas Seychelles caiu.

"Uma dose de heroína —em torno de 0,1 g— costumava custar cerca de 1.000 rúpias (cerca de R$ 300), mas agora pode ser comprada por cerca de 30 rúpias", disse o chefe da agência antidrogas.

"O principal objetivo é minar todo o trabalho que realizamos na reabilitação da população e fazer com que as pessoas voltem a usar, mas estamos determinados a continuar a luta", afirmou.

No entanto, há outra ameaça crescente nas Seychelles, já que a popularidade das drogas sintéticas está aumentando.

"Ainda não temos números oficiais, mas ouvimos dizer que os traficantes estão começando a colocar as mãos em novos medicamentos, medicamentos que não podemos tratar com a metadona", disse Herminie.

"Mas esperamos que a agência seja capaz de se adaptar rapidamente e enfrentar novas ameaças que surjam em nosso caminho."

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