Polícia encontra 41 imigrantes em caminhão frigorífico na Grécia

Sete deles apresentaram problemas respiratórios e foram hospitalizados

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Salónica e Londres | AFP

​A polícia descobriu 41 migrantes, a maioria jovens de nacionalidade afegã, escondidos em um caminhão refrigerado circulando no norte da Grécia. Sete dos migrantes apresentaram problemas respiratórios e foram hospitalizados.

O motorista do caminhão frigorífico de origem georgiana, suspeito de tráfico humano, foi preso nesta segunda-feira (4) numa rodovia perto da cidade de Xanthi. Um segundo indivíduo de origem turca conseguiu escapar.

Caminhão que levava migrantes e foi retido pela polícia - Stavros Karipidis/Reuters

Xanthi fica a poucos quilômetros da região fronteiriça de Evros, que separa a Grécia da Turquia e é ponto de passagem frequente de contrabandistas desde a assinatura de um acordo, em 2016, no qual a Turquia se comprometeu a barrar imigrantes a caminho da Europa. 

Pela primeira vez desde então, a Grécia tornou-se novamente o principal ponto de entrada dos requerentes de asilo na Europa. Mais de 34 mil pessoas vivem em condições insalubres em cinco ilhas do Mar Egeu. 

Essa descoberta lembra o caso ocorrido na madrugada de 23 de outubro, em que 39 corpos de migrantes vietnamitas foram achados em um caminhão refrigerado em Essex, no leste de Londres. 

Traficantes vietnamitas a descrevem como a “rota do CO2”: a travessia do Canal da Mancha feita em contêineres fechados ou caminhões carregados de mercadorias, com pouca ventilação e oxigênio.

É o último trecho de uma viagem perigosa de quase 10 mil km que atravessa a Ásia e chega à Europa ocidental.

Comparado à outra opção para fazer a travessia –a chamada “rota VIP”, que inclui uma estadia breve em um hotel e um lugar na cabine do motorista de um caminhão--, a travessia em um contêiner fechado, sem ar, pode ser brutal para as pessoas descritas por alguns vietnamitas como “box people” (pessoas que viajam em caixas), sucessoras das “boat people” (migrantes em barcos) que deixaram o país após o término da Guerra do Vietnã em 1975.

Migrantes vietnamitas frequentemente passam meses aguardando em acampamentos de beira de estrada no norte da França antes de serem colocados em um caminhão fechado, em segredo.

Os “snakeheads” (cabeças de cobra), como são conhecidos os traficantes de pessoas, espancam os homens e cometem violência sexual contra mulheres, dizem grupos de assistência humanitária, advogados e os próprios migrantes.

Para reduzir o risco de serem detectadas, as pessoas se encolhem dentro de sacos de alumínio e passam horas dentro de contêineres refrigerados.

Por mais que esse último trecho da viagem dos migrantes ao Reino Unido muitas vezes seja perigoso, aquelas horas apavorantes passadas dentro de um contêiner com frequência representam apenas o início de meses ou mesmo anos de maus-tratos –primeiro cometidos por gangues do tráfico humano organizado e depois por chefes tiranos em salões de manicures e em plantações de maconha em ambientes fechados no Reino Unido.

Mesmo assim, eles continuam a ir. Estima-se que cerca de 18 mil vietnamitas por ano paguem a traficantes algo entre £8.000 e £40 mil (R$ 41 mil a R$ 207 mil) pela viagem à Europa.

Os migrantes enxergam no Reino Unido, onde o brexit desencorajou o fluxo de trabalhadores vindos do leste europeu, um país sedento por mão de obra barata, onde eles podem receber tranquilamente cinco vezes o que ganhariam em casa, sem serem sujeitos às incômodas verificações de identidade que tornam inóspitos outros países europeus.

Geralmente são traficantes vietnamitas que levam seus clientes até a França ou a Holanda, onde outras quadrilhas –muitas vezes formadas por curdos ou albaneses, ou ainda, como no caso mais recente, aparentemente irlandeses ou naturais da Irlanda do Norte— cuidam do trecho final.

Muitos dos migrantes vêm de Ha Tinh e Nghe An, duas províncias pobres no centro-norte do Vietnã e, segundo analistas, partem para o Reino Unido com plena consciência dos riscos.

Tendo visto seus vizinhos reformarem suas casas com materiais mais caros ou comprar carros melhores, eles anseiam pela mesma segurança econômica para suas próprias famílias, seja qual for o custo para eles.

Mas quando o Reino Unido não lhes dá o que eles procuram, os migrantes podem acabar em um limbo. O sistema de imigração inóspito do país não lhes permite procurar ajuda, e eles vivem sob o domínio de um sistema clandestino de traficantes e empregadores que negociam com os traficantes.

“Sempre digo aos migrantes: ‘Fiquem em casa que é melhor’”, diz o padre católico Simon Thang Duc Nguyen, de uma igreja na zona leste de Londres frequentada por muitos migrantes.

“Mesmo sendo pobre, você tem sua vida. Aqui, você ganha dinheiro, mas perde a vida.”

Nem todos os 20 mil a 35 mil migrantes vietnamitas indocumentados que se estima no Reino Unido têm histórias de terror a contar. 

“Minhas pesquisas mostraram que nem todos os migrantes são explorados e nem todos foram traficados para dentro do país”, afirma Tamsin Barber, professora da universidade Oxford Brookes.

“As pessoas geralmente vêm para cá concordando em correr riscos altos para trabalhar ilegalmente e potencialmente ganhar muito dinheiro com a produção de maconha.”

Mas também há vietnamitas mais vulneráveis que são levados ao Reino Unido por traficantes de pessoas. No ano passado as autoridades britânicas receberam cinco vezes mais denúncias desse tipo do que em 2012.

A partir do momento em que familiares e amigos conseguem juntar dinheiro suficiente para a viagem, a odisseia do migrante pode começar com uma passagem pela China para buscar documentos falsificados.

Foi assim que começou a jornada de muitas das dezenas de pessoas que morreram no caminhão, segundo Anthony Dang Huu Nam, padre católico de uma igreja na cidade de Yen Thanh, de onde, segundo ele, vieram dezenas das vítimas.

No caminho da China à Rússia e então à Europa ocidental, um dos trechos mais exaustivos é a travessia a pé por florestas de Belarus até chegar à fronteira polonesa.

Em uma pesquisa francesa de 2017 sobre migrantes vietnamitas, um homem identificado como Anh, 24, disse aos pesquisadores que ele e cinco outros homens, liderados por um traficante, foram detidos várias vezes em Belarus, mas soltos novamente na fronteira russa para tentarem de novo.

Quando finalmente conseguiram atravessar a fronteira, um caminhão estava à espera deles do lado polonês.

“Passamos frio”, contou Anh, segundo a pesquisa. “Passamos dois dias sem comer nada. Derretemos neve para termos água para beber.”

Para exercer controle total sobre os migrantes, os traficantes de pessoas muitas vezes não informam a eles onde estão. Em um caso de 2017, 16 vietnamitas detidos pelas autoridades ucranianas em Odessa pensaram que estavam na França.

Quando os migrantes não seguem as ordens dos traficantes, as consequências podem ser graves.

“Eles não podem ser descobertos pela polícia, então precisam respeitar a disciplina”, explica Nguyen, o padre em Londres.

“Quem se comporta mal é castigado. Os homens podem ser espancados e as mulheres podem sofrer violência sexual.”

Chegando ao Reino Unido, uma realidade inóspita muitas vezes os aguarda. A advogada de direitos humanos Sulaiha Ali diz que às vezes os migrantes recebem promessas de trabalho legítimo em um restaurante ou na construção civil, mas quando chegam ao país são forçados a trabalhar como “jardineiros” em casas convertidas em operações de cultivo ilegal de maconha.

Trancados dentro da casa sem poderem sair por dias a fio, muitas vezes dormindo em 15 pessoas em cada cômodo, os migrantes correm o risco de incêndios provocados por fiações elétricas irregulares, além de problemas de saúde decorrentes do uso de substâncias químicas prejudiciais.

Um abismo cultural separa os migrantes vietnamitas mais velhos residentes no Reino Unido, muitos dos quais chegaram após a Guerra do Vietnã, dos que chegaram mais recentemente. Mesmo assim, eles dão apoio crucial aos novos migrantes, como aconteceu especialmente na semana passada.

Nguyen, que deixou o Vietnã em 1984, contou que está atendendo a muitos telefonemas de famílias de seu país que procuram saber se seus filhos estavam no contêiner fatídico.

“A mãe, o pai, todos me telefonam às lágrimas”, disse. “É doloroso demais ouvir as palavras. A pessoa teve que contrair empréstimos enormes para pagar pela viagem e esperava que seu filho ou sua filha tivesse sucesso e que ela recebesse dinheiro para saldar a dívida. Agora ela perdeu toda esperança. Não lhe restou nada.”

Ele explicou: “Se os filhos foram detidos ou estão presos, tudo bem, eles sobreviveram. Mas agora eles perderam duas coisas. Perderam a esperança e perderam a vida. Não sobrou nada.”

Com The New York Times. Tradução de Clara Allain. 

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