Ultradireita ganha espaço e ruma para ser terceira força na Espanha

Partido Vox sobe em pesquisas com discurso duro contra separatistas

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São Paulo

Santiago Abascal cresceu no País Basco, onde o separatismo levou a atentados terroristas que mataram centenas de pessoas. Ali, virou deputado e organizou movimentos pela união nacional, em uma região onde muitos não falam o nome da Espanha até hoje. 

Abascal segue apostando no nacionalismo para ganhar votos, agora contra os catalães. Ele defende que o presidente regional Quim Torra seja preso e julgado por rebelião e que partidos independentistas sejam considerados ilegais.

Da esq. p/ a dir., os candidatos Pablo Casado (PP), Pedro Sánchez (PSOE), Santiago Abascal (Vox), Pablo Iglesias (Podemos) e Albert Rivera (Cidadãos), em debate na TV - Pierre-Philippe Marcou - 4.nov.2019

O discurso tem funcionado: projeções apontam que seu partido, o Vox, chegará em terceiro nas eleições de domingo (10). Em abril, a legenda ficou em quinto lugar.

Na reta final de campanha, outros candidatos radicalizaram o discurso. Albert Rivera (Cidadãos, de centro-direita) e Pablo Casado (PP, direita) passaram a defender ações mais duras contra separatistas. 

No debate na TV na segunda (4), o atual premiê e candidato pelo PSOE (esquerda), Pedro Sánchez, prometeu que faria a Justiça trazer de volta para a Espanha Carles Puigdemont, principal líder separatista, que fugiu para a Bélgica após a tentativa fracassada de independência em 2017.

Sánchez recuou depois, porque o pedido de extradição cabe à Procuradoria, que não está sob controle do governo.

A mudança o afastou ainda mais do Podemos, de ultraesquerda, que defende o diálogo com os separatistas. A falta de acordo entre os dois partidos de esquerda levou a esta nova votação depois de sete meses. Sánchez venceu em abril, mas não chegou a um acordo com o Podemos, de Pablo Iglesias, que queria cargos com mais poder. 

A questão separatista marcou a campanha. Enquanto os candidatos rodavam o país, protestos na Catalunha terminaram em confrontos com a polícia e barricadas de fogo em Barcelona. Os atos retomaram força depois da condenação de líderes que participaram do movimento de 2017.

O separatismo é usado pela direita como exemplo de que a autonomia regional é uma das raízes dos problemas da Espanha. Regiões como o País Basco e a Catalunha, que possuem mais autonomia, são mais desenvolvidas que outras, como a Andaluzia. 

O Vox destaca essa disparidade e acusa o governo de ter beneficiado historicamente as províncias separatistas para acalmar seus líderes. 

O partido defende ainda bandeiras liberais na economia e conservadoras nos costumes. É antiaborto, questiona a luta por igualdade salarial entre homens e mulheres e flerta com simpatizantes da ditadura de Francisco Franco (1939-1975). Abascal diz que sempre anda armado e defende que todos os imigrantes irregulares sejam deportados. 

Apesar do crescimento do Vox, o percentual somado pelos partidos de direita segue quase o mesmo, pois o Cidadãos perdeu muitos eleitores. Projeções indicam que nem os blocos de direita nem os de esquerda conseguirão obter maioria sozinhos. 

O PSOE, que lidera as pesquisas, pode chegar ao governo sem ter maioria, desde que outros partidos grandes não bloqueiem a investidura.

O impasse político, que gerou a quarta eleição desde 2015, trava a aprovação de soluções para os problemas econômicos. O país tem desemprego de 14,2%. Entre os menores de 25 anos, é de 32%. 

Com isso, é comum que jovens sigam ampliando seu tempo de estudo para se manterem com bolsas ou terem acesso a estágios, mais fáceis de encontrar do que vagas efetivas. É também frequente ver idosos protestando pelo baixo valor das aposentadorias. 

Para o FMI, o país não conseguirá reduzir o desemprego nos próximos cinco anos e manterá sua dívida pública elevada, acima de 90% do PIB, o que dificulta investimentos. Os números ruins geram temores de que uma nova crise esteja a caminho. 

Ameaças econômicas, como cortes de pensões, são usadas em campanhas digitais para tentar convencer eleitores a não votar em certos candidatos. Ao menos 50 boatos e notícias falsas circularam pelas redes, segundo o site de checagem de fatos Maldito Bulo.

De acordo com essas mentiras virais, Sánchez teria legalizado milhares de imigrantes para que votassem nele. Casado aparece com uma bandeira franquista. Rivera fez a saudação nazista e Iglesias quer proibir o voto de idosos.

“Após quatro eleições, o uso de redes sociais já está consolidado pelos partidos”, diz Carolina Díaz-Espina, especialista de uma empresa espanhola de gerenciamento de redes sociais. “O uso de WhatsApp foi deixado de lado pelos partidos, mas há investimentos grandes nessa reta final. O Podemos gastou 80 mil euros (R$ 367 mil) só na última semana em anúncios no Facebook”, aponta.

Na eleição de abril, o WhatsApp bloqueou números ligados a políticos poucos dias antes do pleito. Nesta campanha, avisou aos partidos que não iria tolerar envios massivos, segundo o jornal El Pais.

Com isso, o PP recorreu ao velho SMS. Na sexta (8), deu início ao envio de 2 milhões de mensagens para pedir votos, sob argumento que só eles têm condições de formar governo e que escolher outro nome de direita é perda de tempo. O PSOE prega algo similar. Os dois partidos se alternam no governo desde 1982 e lutam para não se separar do poder.


Os líderes da Espanha depois da ditadura

Adolfo Suárez (UCD) 
1976-1981 
Um dos líderes da transição para a democracia, teve de lidar com atentados terroristas do ETA, grupo separatista basco, e com as pressões para dar mais autonomia às províncias. Renunciou após uma moção de censura

Leopoldo Calvo-Sotelo (UCD) 
1981-1982 
Durante a votação de sua investidura, militares entraram no Parlamento e tentaram dar um golpe de Estado. Em seu governo, a Espanha entrou para o Otan e liberou o divórcio

Felipe González (PSOE) 
1982-1996 
Levou o país para a União Europeia e ampliou o Estado de bem-estar social, mas terminou o governo sob a marca de casos de corrupção e de uma crise econômica

José Maria Aznar (PP) 
1996-2004 
Cortou gastos públicos e fez privatizações, o que melhorou os índices econômicos. Apoiou os EUA e enviou militares espanhóis para lutar no Iraque. Pouco antes da eleição de 2004, Madri foi alvo de ataques terroristas da Al Qaeda

José Luis Zapatero (PSOE) 
2004-2011 
Retirou as tropas do Iraque e avançou em questões como o casamento gay e a igualdade entre homens e mulheres. Nos anos finais de seu governo, a Espanha foi atingida duramente pela crise internacional

Mariano Rajoy (PP)
2011-2018 
Implantou medidas de austeridade para conter a crise econômica, o que trouxe melhora, mas o desemprego seguiu elevado. Caiu após denúncias de corrupção em seu partido

Pedro Sánchez (PSOE) 
desde 2018 
Assumiu com maioria frágil e não conseguiu aprovar temas importantes, como o Orçamento anual. Vencedor das eleições em abril, não chegou a um acordo com outras legendas de esquerda para formar governo, o que levou à votação atual

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