Mesmo que o Partido Conservador assegure a maioria das cadeiras do Parlamento britânico na eleição desta quinta (12), ficou para trás a era da austeridade iniciada nos anos 1970 e 1980 pela primeira-ministra Margaret Thatcher.
A avaliação é do cientista político Constantine Fraser, analista para políticas europeias da TS Lombard, uma das principais consultorias independentes europeias.
Fraser diz que a facilidade de endividamento (com excesso de liquidez) e a demanda dos eleitores por mais serviços e investimento público mudou a forma como os políticos britânicos enxergam o tamanho do Estado.
Seja qual o resultado da eleição, haverá mais gastos e mais intervenção na economia, afirma o analista, formado pela Universidade de Oxford e pós-graduado na London School of Economics.
Para Fraser, que entre outros assuntos acompanha de perto o populismo italiano, a ascensão da extrema-direita não é um "novo normal".
"Os indícios são de que o populismo pode ser um fenômeno cíclico em vez de uma ruptura radical."
O que o leva a dizer que a era da austeridade acabou?
De um lado, há excesso de dinheiro procurando onde ser aplicado, o que barateia os empréstimos públicos. E a visão de que os governos não podem gastar muito, de que é o setor privado que conduz a economia, está mudando no Reino Unido.
Mesmo entre os conservadores?
Sim, o Partido Conservador tem defendido plataformas tradicionalmente trabalhistas. O partido sempre foi muito pragmático em sua busca por poder, e tem se mostrado capaz de mudar e se adaptar.
Estão dispostos a intervir mais na economia?
Sim. Por exemplo, fixaram um teto para o custo da energia, algo que sempre criticaram como uma interferência socialista no mercado.
A primeira-ministra Theresa May [também conservadora] tinha um projeto para endurecer as leis de aluguel em favor dos inquilinos.
Boris Johnson não reduziu tributos que antes defendia cortar, e tem falado em favorecer a indústria britânica em áreas como cinema, por exemplo. Há limites para o protecionismo, mas a própria declaração é significativa.
Na prática, vão adotar essas políticas?
Os conservadores não irão tão longe quanto os trabalhistas, mas estão se aproximando das políticas de seus opositores. E há uma percepção geral de que a infraestrutura e os serviços públicos precisam ser reativados.
É só percepção ou há de fato carência?
Há carência, mas que ficou visível para os eleitores, num ponto de virada política. De repente, todos começaram a falar das pessoas sem-teto em Londres e do tempo de espera pelos serviços de emergência em hospitais públicos.
Começaram a aparecer rachaduras em serviços que estão no dia a dia da classe média e que mesmo os mais favorecidos costumam usar.
Houve essa mudança de percepção, combinada com o dinheiro barato e com uma mudança do eleitorado conservador, que ficou mais velho e menos elitista.
Por causa do brexit?
Em parte, sim. Eles se posicionaram como um partido dos socialmente conservadores e dos mais idosos, não necessariamente a elite. Mais para a riqueza que para o capital.
Tudo isso combinado, mais a predileção de Boris Johnson por obras monumentais, levará a mais dirigismo e mais presença do Estado. A velocidade da mudança vai depender de vários fatores, inclusive o resultado das eleições.
Teremos um Reino Unido mais endividado?
Sim, mas há espaço para isso, e há muito dinheiro procurando remuneração. Se criou um consenso agora de que dívida é aceitável, talvez não para os gastos correntes, mas para investimento público.
As plataformas de campanha conservadora e trabalhista defendem isso. A diferença é de grau.
A pressão por mais serviços públicos e por Previdência deve elevar também os gastos, não?
Sim, e em parte, é por isso que os conservadores cancelaram um corte de impostos corporativos que pretendiam fazer. E eles terão que acomodar as expectativas de uma população que está envelhecendo e que foi atraída pela campanha do brexit.
Será mais difícil para os conservadores elevar impostos?
Os dois partidos estão preocupados com como elevar o nível de serviços sem elevar tributos, ainda que para os trabalhistas seja mais confortável taxar os mais ricos.
O Reino Unido terá que descobrir como manter serviços do nível da União Europeia (UE) com um sistema tributário do nível dos Estados Unidos, como estão prometendo.
Em paralelo com o novo ciclo econômico de presença do Estado, virá um ciclo político populista?
Esta é uma questão difícil. Há de fato muita gente com raiva, mas os fenômenos populistas são mais complexos. Não surgem apenas por causa de desigualdade.
Na Europa, o fenômeno mais importante é a fragmentação partidária. Se, por um lado, a extrema direita vem conquistando espaço, há também o crescimento dos verdes e de outros partidos.
Acabou o padrão fixado durante a Guerra Fria, com sociais-democratas de um lado e conservadores do outro.
A própria Alemanha, grande defensora da austeridade, tem admitido mais investimento público. É um reconhecimento de que errou na dose?
Olhando em retrospectiva, sim, parece claro que foram longe demais. Mas isso não quer dizer que a austeridade tenha levado ao populismo.
A Áustria tem uma extrema direita há muito mais tempo, por um lado, e a Grécia, talvez a mais afetada pela austeridade, teve um partido de esquerda no poder, e agora acaba de eleger um capitalista de uma das mais tradicionais dinastias centristas do país. Ou seja, a Grécia é um indício de que o populismo pode ser um fenômeno cíclico em vez de uma ruptura radical.
Não necessariamente as coisas passarão de ruins para piores.
O que acontece agora com a economia europeia?
Vai ser mais ou menos como nos últimos quatro anos.
Há esforços, principalmente da França, de tentar aumentar a integração para blindar mais a Europa em relação às crises. Mas o continente continua com a demanda anêmica e uma dependência extrema do Banco Central Europeu, cujas ferramentas são limitadas.
É preciso uma quantidade enorme de esforço político para manter o show na estrada, para impedir um colapso. Há vazamentos, mas o dano é lento, porque a cola é muito forte.
A nova relação britânica com a Europa também levará anos, não?
Na verdade, não existe algo como uma relação definida. Ela será construída por anos, mas não terá fim, assim como a Suíça continua em construção.
Eu mesmo não tenho uma relação definida com a minha mãe [risos]. Relacionamentos são algo em que continuamos navegando, sobre o que precisamos trabalhar constantemente, mudar e trabalhar para manter.
Provavelmente seremos como o Canadá e os EUA, em que um país é independente, mas o outro é uma superpotência.
Exceto pelo fato de que a Europa não seja mais uma superpotência...
Não em termos militares, mas sim em alguns pontos importantes para o brexit, como na regulação.
A Europa é o grande poder regulador em regras antitruste, por exemplo, nas relações comerciais, nas regulações financeiras. A ideia de que ficaremos livres disso é ilusão. Mas, como país, o Reino Unido nunca se reconciliou com a ideia de ser parte da UE.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, não é?
Sim, a política externa britânica tem sido sempre não deixar que nenhum país europeu seja dominante. Sempre foi um Estado semi-separado da Europa e vai continuar.
Independentemente da eleição?
Sim. Se os conservadores garantirem a maioria, sairemos da UE e passaremos anos discutindo a relação com a Europa. Se não, ou vamos para um impasse e uma nova eleição, ou para uma coalizão de oposição. Mas no longo prazo a gravidade econômica vai recolocar tudo em seu lugar.
É por isso que você defende que haverá valorização da libra no longo prazo?
Sim, no curto prazo, a vitória dos conservadores tem elevado a libra.
Uma vitória trabalhista poderia derrubá-la, mas só até o mercado perceber que será impossível implantar o programa de Jeremy Corbyn [líder do Partido Trabalhista] de nacionalização massiva. E haverá muito mais investimento público, o que pressionará pela alta da libra.
Os mercados vão subir, mas a economia real ainda demora para se recuperar.
Sim, ainda há muita incerteza na economia britânica sobre como ficará nossa relação comercial com a Europa, nosso principal parceiro. Nossa produtividade está baixa e provavelmente não vai melhorar.
Constantine Fraser, 26
Formado em filosofia e letras na Universidade de Oxford, tem mestrado em ciência política pela London School of Economics. É pesquisador da Fundação Helênica para Políticas Públicas Europeias, analista da Edelman e analista político da TS Lombard.
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