Descrição de chapéu Brexit

Brexit pode aproximar Londres de Bruxelas, aposta trem-bala

Demanda por viagens profissionais deve aumentar com a separação, mas passageiros temem novas barreiras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Londres e Bruxelas

“O brexit vai deixar Londres ainda mais perto de Bruxelas nos próximos anos”, diz o consultor Arnaud La Roche, 51, enquanto espera o trem que o levará de volta para casa.

Francês, La Roche mora há 15 anos na capital britânica, e toda segunda atravessa de trem-bala os 317 km que a separam da sede da União Europeia, na Bélgica.

Na sexta (13), especulava sobre o futuro dessa conexão após a eleição que deu vitória esmagadora ao primeiro-ministro do Reino Unido, o conservador Boris Johnson.

Paladino do brexit, Boris antecipou para este dezembro a votação que deveria ocorrer apenas em 2022 para garantir maioria e aprovar seu plano de saída da União Europeia.

O afastamento formal, previsto para 31 de janeiro, porém, é apenas o começo de negociações complexas em áreas como comércio, defesa, ambiente e legislação, e é isso que deve intensificar as viagens nos 14 trens diários que ligam as duas capitais.

Mais do que nunca, advogados, lobistas, analistas e consultores terão que  acompanhar as definições de regras dos dois lados do canal e seus impactos nos negócios, diz La Roche, que trabalha na área de telecomunicações e difusão.

Com isso, viagens profissionais, que crescem ano a ano e subiram 12% em 2018 segundo a companhia que opera a Eurostar, devem ter novo impulso.

Um dos trens da Eurostar que faz o trajeto Amsterdã, Bruxelas e Londes
Um dos trens da Eurostar que faz o trajeto Amsterdã, Bruxelas e Londes - Lex van Lieshout/ AFP

“A rota de Bruxelas é política, e as negociações que acontecem a partir de agora vão afetar diretamente todas as empresas”, concorda o brasileiro Guilherme Athia, sócio da agência de assuntos públicos, governamentais e privados Atlantico, que usa o trem-bala desde sua primeira semana de operação, em 1994.

Athia mora em Bruxelas há cinco anos e se especializou em negócios com a União Europeia. Ele antecipa vagões ainda mais lotados de passageiros mergulhados em seus laptops da hora da partida até minutos antes da chegada ao destino.

Mas, se promete conexões mais estreitas por um lado, o brexit traz também a ameaça de novas barreiras, principalmente para quem trabalha com produtos —que agora terão que passar por aduanas e pagar tarifas. O fluxo levará mais tempo, ficará mais caro e exigirá novas estratégias de logística e marketing.

É a preocupação de Philippa, 37, gerente de produto de uma empresa automobilística multinacional (ela pediu que seu sobrenome e o nome de seu empregador não fossem divulgados).

“Nós temos hoje fábricas no Reino Unido e no continente, vendemos nossos produtos na União Europeia, sem fronteiras. O melhor que pode acontecer agora é um brexit que mantenha os britânicos o mais perto possível das atuais regras europeias”, diz a inglesa, que faz a rota Londres-Bruxelas ao menos uma vez por trimestre.

A companhia de trens —consórcio que inclui franceses, belgas, britânicos e canadenses— também pode ser afetada por barreiras ao fluxo de pessoas.

Hoje já é necessário apresentar documentos duas vezes antes de embarcar nas estações do Eurostar, e a recomendação é que se chegue com uma hora de antecedência. Mas o processo não durou mais de 15 minutos nas duas viagens feitas pela Folha —a principal dificuldade dos passageiros era escanear seus tíquetes nas catracas eletrônicas.

Regras mais duras podem transformar em filas o fluxo diário de 30 mil passageiros, o que anularia a principal vantagem do Eurostar: a economia de tempo (como as estações ficam no centro das cidades, a viagem dura menos que a de avião).

Inaugurado há 25 anos, o Eurostar une as duas capitais em duas horas (“e um minuto!”, como gosta de anunciar a empresa), graças ao túnel submarino, o mais longo do mundo, com 50,45 km de extensão (o equivalente a 169 torres Eiffel enfileiradas). A 75 metros abaixo do nível da água, o trem anda a 160 km por hora. Fora do túnel, ultrapassa os 300 km por hora.

A duração total da viagem é menor que as duas horas e meia para ir de carro de Bruxelas a Calais, na costa francesa. Depois, seria preciso atravessar o canal da Mancha de balsa e dirigir mais cerca de uma hora até Londres.

Com mais espaços entre as poltronas que um avião e a possibilidade de ter uma pequena mesa à disposição, a viagem de trem-bala tem também como vantagens turbulência zero, ausência de pressurização e uma temperatura ambiente mais confortável.

Não há muito o que aproveitar da vista pelas janelas (dentro do túnel, há apenas escuridão), o que reduz a culpa de aproveitar o balanço suave para dormir.

Ou para comer. Nos restaurantes da classe econômica (cuja passagem de ida e volta custa a partir de R$ 300) há as opções triviais de café e sanduíche, mas os que preferem pagar dez vezes esse valor na executiva beberão champanhe com seu desjejum inglês (bacon, linguiça, tomate e cogumelos grelhados, feijão e fritada de ovo e batatas) ou, se preferirem, croissants, iogurte, terrine de fois-gras com gengibre e sanduíche de pastrami com mostarda.

Já no jantar, as opções são filé ao molho de vinho com batatas sautée ou linguado com molho de páprica, acompanhados de vinhos de Bordeaux ou, de novo champanhe, informa um menu consultado pela Folha (que viajou de classe econômica).

Para manter o faturamento de 989 milhões de libras (cerca de R$ 5,5 bilhões) e os lucros de 96,6 milhões de libras (R$ 531 milhões) registrados em 2018, a companhia negocia desde o começo do ano com governos dos dois lados do canal, na tentativa de reduzir danos.

Desde 1994, a companhia transportou mais de 190 milhões de pessoas entre Londres e cidades na França, Bélgica e Holanda. A UE deve dar acesso sem visto aos britânicos para viagens de até 90 dias, e o Reino Unido promete fazer o mesmo para visitantes do bloco, ao menos até janeiro de 2021, quando novas regras de imigração britânicas passariam a valer.

Outra estratégia deve ser reforçar em sua publicidade o aspecto ambiental: viagens pelo Eurostar emitem 80% menos gás carbônico que por avião.

Mais sobre o Eurostar

  • Inauguração Novembro de 1994
  • Velocidade 160km/h no túnel sob o canal, cerca de 300 km/h fora do túnel
  • Número de passageiros Cerca de 30 mil por dia
  • Lugares alcançados Londres, Paris, Bruxelas, Amsterdã, Lille, Calais, EuroDisney; no verão, vai para o sul da França; no inverno, para os alpes suíços e franceses
  • Duração da viagem Londres - Paris: 2 horas e 12 minutos; Londres - Bruxelas: 2 horas e 1 minuto (a viagem mais rápida, sem parada em Lille, dura 1 hora e 48 minutos)
  • Preço Depende da idade, do número de paradas, da classe e de promoções. Em geral, varia de 44 libras (R$ 242) na classe econômica a 276 libras (R$ 1.518) na executiva, com passagem só de ida.
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.