'É preciso esfriar clima de hostilidades entre Brasil e Argentina', diz Ricardo Alfonsín

Filho do ex-presidente Raúl Alfonsin lembra que havia medo de confronto militar entre países até os anos 1980

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Buenos Aires

A menos de uma semana da posse do novo presidente argentino, cerimônia que não contará com a presença de Jair Bolsonaro, o ex-candidato à Presidência pelo tradicional partido União Cívica Radical (UCR) Ricardo Alfonsín pede que o clima de hostilidades entre Brasil e Argentina esfrie.

Ricardo, filho de Raúl Alfonsín, que governou a Argentina entre 1983 e 1989 e um dos responsáveis por lançar as sementes para a criação do Mercosul, relembra  o quão difícil foi construir "a relação harmônica que tivemos até hoje".

Ricardo Alfonsín durante sua campanha a presidente, em 2011
Ricardo Alfonsín durante sua campanha a presidente, em 2011 - Enrique Marcarian - 10.out.11/Reuters

Ao comentar as provocações entre Bolsonaro e o presidente argentino eleito, Alberto Fernández, em entrevista à Folha, em Buenos Aires, Ricardo Alfosín, 68, diz que "muitos jornalistas e analistas mal-informados pensam que essa relação de amizade que há hoje esteve aí sempre".

"Mas não foi assim. Antes de meu pai e de [José] Sarney, o clima entre Brasil e Argentina era de uma hostilidade prejudicial a ambos. Custou muito construir uma boa relação diplomática, política e econômica."

Ele menciona, por exemplo, a reserva de parte dos orçamentos militares de ambos os países para a possibilidade de um confronto armado —prática de durou até os anos 1980. Com isso, gastava-se muito dinheiro que não foi utilizado em outros investimentos necessários.

"Deixamos de fazer obras de infraestrutura nas províncias do norte da Argentina com medo de um ataque brasileiro. Além disso, o clima nos negócios internacionais era de uma competição aberta, e ambos perdiam."

Recentemente, Ricardo Alfosín publicou uma "Carta Aberta a Bolsonaro" no jornal argentino La Nación. Nela, pedia uma reunião imediata entre o mandatário brasileiro e Fernández para que se restabeleça a cordialidade. 

"Senhor presidente do Brasil, nossos países têm grandes potencialidades, mas também registram, depois de longos anos de recessão, grandes vulnerabilidades políticas, econômicas e sociais. Ambos correm o risco de serem marginalizados em um contexto internacional no qual o eixo do crescimento econômico se deslocou para o continente asiático", afirma no texto.

O ex-deputado afirma também que, ainda que as provocações de Bolsonaro sejam graves, considera as declarações de Fernández após ser eleito são equivocadas. Na noite da vitória no pleito argentino, o kirchnerista defendeu a soltura do ex-presidente Lula.

"Eu não teria feito isso. Uma coisa é o que você diz antes de ser eleito, outra, o que diz depois. Se eu estivesse no lugar de Fernández, mesmo com vontade de puxar o coro de 'Lula livre' entre seus seguidores, não teria feito isso. Tampouco esperaria que a reação de Bolsonaro fosse a que foi."

Antes da eleição, o agora presidente eleito argentino havia dito que Bolsonaro era "racista, misógino e violento".

Já o brasileiro, que disse abertamente durante a campanha torcer pela vitória de Mauricio Macri, afirmou após a eleição que os argentinos tinham "escolhido mal", e que não cumprimentaria o presidente eleito.

Ricardo Alfosín diz que outros atores deveriam entrar em jogo, de ambos os lados, como líderes políticos de distintos partidos, empresários e a própria sociedade.

"Se um acordo se frustrar, é preciso que fique claro o que foi feito por cada um para evitar que isso acontecesse. Eu não quero que a responsabilidade de não recompor a relação com o Brasil seja da Argentina."

Essa coordenação, segundo o ex-deputado, também deveria incluir o atual presidente da Argentina, Mauricio Macri. "O que ele puder fazer para ajudar a promover esse encontro e recompor a relação, deveria fazer."

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