Descrição de chapéu The New York Times

Estados americanos querem aprovar novas medidas restritivas contra o aborto

Proposta em Ohio permite que mulheres que façam o procedimento sejam processadas por homicídio

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Timothy Williams
The New York Times

Meses depois que legisladores estaduais de todos os Estados Unidos aprovaram alguns dos limites mais restritivos ao aborto em décadas, alguns estados querem avançar ainda mais.

Na liderança está Ohio, onde os republicanos pensam em proibir quase todos os abortos desde a concepção, sem exceção para casos de estupro ou incesto, e aprovar a medida extremamente incomum de permitir que mulheres que fazem aborto sejam processadas por homicídio. 

Manifestantes participam de ato a favor do direito ao aborto em frente a Suprema Corte dos EUA, em Washington
Manifestantes participam de ato a favor do direito ao aborto em frente a Suprema Corte dos EUA, em Washington - Saul Loeb - 18.jan.19/AFP

Especialmente controverso na proposta de Ohio é um dispositivo que orienta os médicos que tratam mulheres em uma situação com possível risco de vida, quando um óvulo fertilizado se implanta fora do útero, a tentar "reimplantar uma gravidez ectópica no útero da mulher".

Após a onda de campanhas lideradas pelo estado para limitar o aborto, na última primavera, espera-se uma segunda leva no início de 2020, quando os deputados nos estados dominados pelo Partido Republicano começarem novas legislaturas.

Tennessee, Nebraska, Ohio, Carolina do Sul e Idaho poderão aprovar rapidamente no próximo ano projetos de lei que de fato proibiriam o aborto.

Com a eleição presidencial se aproximando, a questão será usada por democratas e republicanos para arrecadar fundos para a campanha e estimular a participação dos eleitores.

No entanto, as táticas empregadas por alguns estados também abriram uma brecha inesperada entre os opositores ao aborto sobre se as novas leis realmente prejudicarão os esforços para derrubar a decisão no caso Roe contra Wade, de 1973, que estabeleceu um direito constitucional ao aborto.

Os legisladores conservadores e seus aliados, que desejam limites mais rígidos, dizem que não têm mais paciência para restrições incrementais feitas sob medida para chegar à Suprema Corte.

"O tempo para regular o mal e o meio-termo acabou", disse em comunicado Candice Keller, deputada republicana em Ohio e apoiadora do novo projeto de lei no estado.

"Chegou a hora de abolir completamente o aborto e reconhecer que cada indivíduo tem o direito inviolável e inalienável à vida."

Os defensores dos direitos ao aborto disseram considerar os novos projetos de lei alarmantes.

"Esta legislação demonstra o quanto os políticos de Ohio estão dispostos a pôr em risco as grávidas em nome de sua perigosa agenda antiaborto, que inclui a criminalização de grávidas e médicos", disse Lauren Blauvelt-Copelin, vice-presidente de assuntos governamentais e defensoria pública na Planned Parenthood Advocates de Ohio, entidade de planejamento familiar.

De fato, alguns antigos grupos antiaborto dizem acreditar que a Suprema Corte é mais propensa a aceitar casos envolvendo leis que buscam mudanças moderadas no acesso ao aborto, e não proibições totais que contestam diretamente o caso Roe.

A legislação cada vez mais restritiva "nos faz parecer tolos", disse James Bopp, conselheiro geral da organização antiaborto National Right to Life [Direito à Vida Nacional], em recente audiência legislativa no Tennessee, sobre um projeto que proibiria o aborto no estado.

Ele disse que a nova maré de legislação —embora tenha como objetivo forçar a reconsideração do aborto por uma Suprema Corte renovada— tem pouca probabilidade de ser aprovada nos níveis inferiores da Justiça ou ser ouvida no tribunal superior do país.

Mas, no início deste ano, depois que o juiz conservador Brett Kavanaugh ingressou na Suprema Corte, os legisladores republicanos começaram a se apressar em apresentar medidas que prejudicaram anos de estratégias antiaborto.

As novas tentativas dos estados para reprimir o aborto acontecem mesmo quando os estritos limites aprovados neste ano no Alabama, Kentucky e Geórgia foram, pelo menos temporariamente, bloqueados pelos tribunais federais e estaduais.

Essas medidas estavam intencionalmente em conflito com a decisão Roe, e ativistas conservadores que as apoiaram disseram que o objetivo era forçar a Suprema Corte a reavaliar —e, finalmente, derrubar— a decisão da Suprema Corte de 1973.

Os principais grupos antiaborto não se opuseram publicamente à abordagem e, em alguns casos, apoiaram as medidas. Mas esse apoio mudou nos últimos meses, à medida que as leis restritivas sobre o aborto passavam pelas legislaturas.

"Alguns apoiadores desses projetos de lei podem ser motivados pela crença de que eles apresentam um 'caso de teste ideal' para a Suprema Corte", escreveu Clarke D. Forsythe, advogado do Americans United for Life, em uma análise das leis.

"Outros acham que uma proibição do aborto forçará o tribunal a readaptar Roe x Wade. Nenhuma dessas suposições é precisa. De fato, uma proibição de abortos precoces pode ser o tipo de lei com menor probabilidade de atrair uma revisão da Suprema Corte."

Organizações que apoiam os direitos ao aborto, que tiveram seus próprios contratempos e lutas, dizem que as brigas entre os defensores do aborto foram surpreendentemente públicas.

"A divisão é muito mais problemática em 2019 do que vimos em décadas", disse Elizabeth Nash, gerente sênior de questões estaduais no Instituto Guttmacher, que apoia os direitos ao aborto.

"A abordagem 'vá devagar' também quer proibir o aborto", disse ela, acrescentando que "eles acham que é mais vantajoso aprovar uma restrição de cada vez".

Alguns estados, incluindo Ohio, já passaram por tantos limites incrementais ao aborto, disse Nash, que há pouco a fazer além de banir diretamente a prática. "Os Estados que adotaram a estratégia de restrições essencialmente se comprometeram com a proibição", afirmou.

No Tennessee, uma luta entre grupos antiaborto sobre o quão longe a legislação deve chegar está fermentando há muito tempo.

O Tennessee Right to Life, um dos mais importantes grupos antiaborto do estado, formou uma coalizão com Randy McNally, vice-governador estadual republicano, e os bispos católicos do estado em oposição à mais restritiva das recentes propostas de aborto no estado, incluindo uma medida que de fato proibiria o aborto, exceto se a saúde da mulher corresse risco significativo.

Janice Bowling, senadora estadual republicana, disse que as estratégias de movimento mais lento fracassaram e que há necessidade de medidas mais claras e firmes.

"Com a atual abordagem que estamos adotando, muitas crianças vão morrer e muitas pessoas estão ficando impacientes", disse Bowling, que apoia o projeto.

Na Carolina do Sul, republicanos conservadores e moderados passaram meses discutindo estratégias.

Agora, os legisladores consideram um projeto de lei que proibiria o aborto após seis semanas de gravidez, quando muitas mulheres ainda nem sabem que estão grávidas.

Mas foi a medida de Ohio, adotada em novembro, que chamou mais atenção por seus limites abrangentes ao aborto.

 
O projeto foi apoiado por 19 membros da Assembleia local, de 99 membros, e também deverá ser aprovado no Senado estadual, que é igualmente dominado pelos republicanos.
 
O governador Mike DeWine, republicano, não assumiu uma posição pública, mas falou com frequência sobre sua oposição ao aborto.

O projeto, que poderá ser debatido em janeiro, tem muito em comum com a legislação aprovada pelo Alabama na primavera passada. Esse projeto de lei era considerado a legislação mais restritiva sobre o aborto em décadas, e desde então foi sancionado por um tribunal federal.

A medida de Ohio, com 723 páginas, afirma que os médicos devem tomar "todas as medidas possíveis para preservar a vida do feto, preservando a vida da mulher.

Essas medidas incluem, se aplicável, tentar reimplantar uma gravidez ectópica no útero da mulher".

Alguns médicos descartaram como "ficção científica" a viabilidade médica de tais medidas.

O Direito à Vida de Ohio, importante organização antiaborto do estado, disse que não participou da redação da legislação e não estava pronta a assumir uma posição sobre a medida.

Geralmente, o grupo tem apoiado uma abordagem incremental para derrubar a decisão Roe.

"Soubemos disso da mesma forma que todo mundo", disse Mike Gonidakis, presidente da Ohio Right to Life, sobre a legislação. "Com mais de 700 páginas, estamos analisando toda a legislação atualmente."

Gonidakis disse que estava fazendo lobby por vários outros limites ao aborto que os legisladores de Ohio estão analisando, inclusive uma legislação que exige que os médicos que praticam abortos médicos digam às mulheres grávidas que os medicamentos para provocar o aborto podem ser revertidos.

Essa mensagem é contestada por obstetras, que questionam sua validade e segurança.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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