Greve geral contra reforma da Previdência paralisa transportes e serviços na França

Manifestantes foram às ruas em cem cidades, e houve confrontos com a polícia em Paris

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Paris | AFP

Pelo menos 806 mil pessoas foram às ruas em cem cidades na França nesta quinta-feira (5) em dia de greve geral contra o projeto de reforma da Previdência defendido pelo presidente Emmanuel Macron. A estimativa é do governo federal, mas os sindicatos falam em 1,5 milhão de manifestantes em todo o país.

A paralisação, uma das maiores em décadas, afeta todo o setor de transportes, além de escolas (51% dos professores primários pararam), hospitais e refinarias de petróleo (sete das oito deixaram de operar).

Em Paris, museus também não abriram as portas, e até o símbolo máximo da cidade, a Torre Eiffel, ficou fechada porque a maior parte dos funcionários não conseguiu chegar ao trabalho.

Na capital francesa, os atos foram marcados por confrontos entre manifestantes que atearam fogo a objetos e lançaram tijolos e a polícia, que respondeu com bombas de gás lacrimogêneo. Ao menos 71 pessoas foram presas.

Em Lyon, também houve enfrentamentos, e os policiais usaram gás e escudos para forçar os ativistas a recuar. 

Homem com rosto de palhaço durante protesto em Marselha, no sul da França - Clement Mahodeau/AFP

"Pensões por pontos, trabalho sem fim", dizia um dos muitos cartazes que os franceses levaram às ruas. "Essa reforma é simplesmente impossível. Além de favorecer o setor privado, esse governo não faz nada para as pessoas comuns", disse uma manifestante que se identificou apenas como Sophie.

A proposta do governo prevê o estabelecimento de um sistema único de aposentadoria —eliminando os 42 regimes especiais que existem atualmente no país e concedem privilégios a determinadas categorias profissionais. 

Além dos sindicatos organizados, aderiram à greve policiais, garis, advogados, aposentados e motoristas de transportadoras, assim como os chamados coletes amarelos, representantes do movimento social surgido em novembro de 2018 e que, com pauta difusa, faz manifestações até hoje.

O setor de transportes foi um dos mais afetados pela paralisação. Além do cancelamento de 90% das viagens dos trens de alta velocidade e de 80% do serviço dos demais trens, 11 das 16 linhas de metrô de Paris estavam fechadas.

Os controladores aéreos não foram trabalhar, o que obrigou a Air France a cancelar 30% dos voos domésticos e 15% dos voos europeus. A empresa informou, no entanto, que todos os voos de longa distância serão mantidos.

A companhia britânica de baixo custo EasyJet suspendeu 223 voos nacionais e internacionais de curta distância e advertiu que outras viagens podem sofrer atrasos.

Também era quase impossível chegar ao aeroporto Charles de Gaulle porque a linha de trem que liga Paris aos terminais funcionava de maneira parcial, apenas nos horários de pico.

Os sindicatos de transporte público parisiense disseram que pretendem manter a paralisação ao menos até segunda (9). Há líderes sindicais que defendem estender o protesto por tempo indeterminado, até que o governo ceda.

A expectativa é repetir o êxito de uma greve em dezembro de 1995, que durou semanas e conseguiu evitar o fim dos regimes especiais de aposentadoria após uma forte paralisação dos transportes. No entanto, outras mudanças nos benefícios sociais foram aprovadas nos anos seguintes.

O movimento de protesto recebeu o apoio de quase 200 artistas e intelectuais, entre eles o economista Thomas Piketty, autor de um livro de sucesso sobre a desigualdade, assim como dos partidos de esquerda.

Reforma polêmica

O presidente francês, Emmanuel Macron, disse estar "calmo e determinado" em relação aos protestos e que mantém os planos de apresentar sua polêmica reforma das aposentadorias no início de 2020. Para isso, Macron disse que consultará a população. 

A reforma da Previdência preparada pelo governo pretende estabelecer um sistema único, no qual todos os trabalhadores terão os mesmos direitos no momento de receber a aposentadoria. Atualmente, há 42 regimes especiais e que concedem privilégios a determinadas categorias profissionais. 

A idade mínima padrão para se aposentar na França é de 62 anos. Para obter salário integral, é preciso trabalhar até 67 anos. No entanto, os ferroviários da companhia SNCF, por exemplo, podem deixar as funções com 50 anos e 8 meses.

“Os principais atores dessa greve fazem parte do setor público, que sairá perdendo mais com essa reforma. Os principais atingidos serão os ferroviários e os professores, além dos funcionários da saúde, como enfermeiros e auxiliares, que perderam a garantia de uma aposentadoria fixada em 60% do último salário recebido”, disse o economista Thomas Coutrot à RFI. ​

Em vez de receber entre 60% e 70% do último salário, a aposentadoria passará a depender de uma soma de pontos acumulados ao longo da vida. 

Outro ponto em debate é se as novas regras valerão para quem está perto de se aposentar, e terá de trabalhar mais anos, ou apenas para os jovens, nascidos a partir de 2000. O tema foi apelidado de "cláusula do vovô".

“Estes últimos 30 anos, desde 1995, foram um acúmulo de reformas neoliberais que sempre foram no sentido de reduzir os direitos dos trabalhadores, mas também de reduzir a contribuição das camadas mais ricas ao financiamento dos gastos públicos”, afirmou Coutrot.  “Muita gente na França, e os coletes amarelos são uma prova disso, acha que essa política social e fiscal está sendo muito injusta e desigual.”

Os leitores do tradicional Le Monde vão precisar se informar sobre a paralisação pela edição digital —o jornal cancelou sua edição impressa de sexta-feira (6) por causa da greve.

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