Descrição de chapéu The Washington Post

Condenado por estupro na Índia diz que não deve ser enforcado porque poluição já o está matando

Akshay Thakur e os outros agressores se revezaram para estuprar a vítima durante quase uma hora

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Miriam Berger
The Washington Post

Ele foi condenado por torturar e violar cruelmente uma mulher em um ônibus. Agora diz que não deve receber a pena de morte porque a poluição já o está matando.

Akshay Thakur é um dos seis homens acusados de agredir brutalmente uma mulher de 23 anos em Nova Déli, em 2012. Ela ficou conhecida como "Nirbhaya", ou "destemida".

A vítima era uma universitária paramédica que tentava superar a pobreza de sua família. Ela saiu naquela noite fatídica de dezembro para assistir ao filme "As Aventuras de Pi" em um cinema de Déli com um amigo. Ao voltarem para casa, os dois pegaram um micro-ônibus, onde encontraram seis homens que estavam bêbados e procuravam sexo, de acordo com os documentos da acusação. A dupla tentou combater os avanços do grupo, sem sucesso. Thakur e os outros agressores se revezaram em estuprar a vítima durante quase uma hora, enquanto o ônibus seguia pela cidade. Então eles jogaram seu corpo devastado na rua.

Ela morreu devido aos ferimentos duas semanas depois.

O crime sádico provocou indignação internacional e renovou a atenção sobre a cultura do estupro na Índia. O caso até levou o Parlamento do país a fortalecer as leis contra estupro, estabelecendo penas mais duras, incluindo a pena de morte como possível punição.

Mas sete anos após o crime, completos na próxima semana, a história ainda não terminou.

Parente de uma vítima de estupro de 23 anos, que morreu em um hospital de Nova Délhi,  após ser incendiada por um grupo de homens
Parente de uma vítima de estupro de 23 anos, que morreu em um hospital de Nova Délhi, após ser incendiada por um grupo de homens - Anushree Fadnavis/ REUTERS

Em março de 2013, o motorista do ônibus e líder do bando, Ram Singh, foi encontrado morto em sua cela. As autoridades indianas admitiram que houve um "grande lapso de segurança", para explicar porque os companheiros de cela e os guardas da prisão de Singh não impediram o suposto suicídio.
Em setembro daquele ano, um tribunal indiano considerou Thakur e os outros três homens culpados e os condenou à pena de morte. O sexto agressor foi libertado porque era menor de idade no momento do crime.

Os réus recorreram. Em 2017, a Suprema Corte da Índia recusou um pedido de revisão da sentença de morte devido à conduta "brutal, bárbara e diabólica" dos quatro.

Durante todo esse tempo, as autoridades indianas continuaram sob pressão para cumprir suas promessas de deter a violência contra as mulheres, mesmo enquanto estupros horríveis continuam a ser manchetes internacionais.

Os advogados de Thakur começaram a apresentar um novo argumento.

A Índia possui um ar classificado entre os mais tóxicos do mundo. E é pior em Nova Déli, que a Organização Mundial da Saúde rotulou como a mais poluída metrópole mundial. O ministro-chefe do Estado de Déli, Arvind Kejriwal, chamou repetidamente a região de "câmara de gás".

Os advogados de Thakur citaram a declaração de Kejriwal ao argumentar nesta semana que a sentença de morte deveria ser comutada por causa da poluição e da água de Déli, "cheia de veneno".

"A vida está cada vez mais curta, então por que a pena de morte?", dizia a petição, segundo informou a CNN.

Juristas descartaram o argumento como uma tática de protelação e disseram que não funcionaria.
Ainda assim, o advogado de Thakur não está recuando.

"Ele é um homem pobre", disse ele à CNN. "Seus pais são velhos e desamparados. A poluição está prejudicando vidas e matando pessoas lentamente. Deem a ele uma sentença de prisão perpétua, não a pena de morte."

Existem muitos oponentes da pena de morte em todo o mundo que citam razões diferentes para se opor à prática: o ato viola crenças religiosas e, como alguns argumentam, é cruel e equivale à tortura. Nos Estados Unidos, os defensores apontam como a prática discriminou historicamente os afro-americanos e outras minorias raciais e também atingiu pessoas com doenças mentais e condenações injustas.

Na petição desta semana, os advogados de Thakur não citaram outro caso em que o argumento funcionou.

Mas em outros países e comunidades, como Iraque e Malásia, os juízes rejeitarão os casos de estupro se o agressor se casar com a vítima, que geralmente é tratada como pária após esses ataques. Muitos códigos legais na Ásia, África e Oriente Médio não reconhecem o estupro no casamento como crime. Na Espanha, alguns homens foram absolvidos de estupro quando sua vítima estava inconsciente por causa de uma exigência legal altamente controversa de que o ataque precisa ser forçado —e uma vítima inconsciente não pode revidar, justificam.

Antes de morrer, Singh, o motorista do ônibus, apresentou outro argumento contra a pena de morte e sua acusação de estupro em um documentário exibido na BBC.

Singh argumentou pela primeira vez que a mulher era responsável pelo ataque a ela própria.

"Uma garota decente não anda por aí às 21 horas", disse ele à cineasta Leslee Udwin. "Uma garota é muito mais responsável por estupro do que um menino. O trabalho doméstico e a limpeza cabem às meninas, e não perambular em discotecas e bares à noite fazendo coisas erradas, vestindo roupas erradas."

Ele então argumentou que ela não deveria ter reagido —e que a pena de morte só tornava os homens mais propensos a matar suas vítimas do que a deixá-las vivas.

"Ao ser estuprada, ela não deveria revidar", disse ele. "Ela deveria ficar calada e permitir o estupro. Então eles a teriam deixado depois de 'fazê-la', e só bateriam no garoto... A pena de morte tornará as coisas ainda mais perigosas para as meninas. Agora, quando eles estuprarem, não deixarão a garota, como nós fizemos. Eles vão matá-la. Antes, eles estupravam e diziam: 'Deixe-a, ela não contará a ninguém'. Agora, quando estuprarem, especialmente os criminosos, vão matar a garota. Morte."

A pesquisadora indiana Madhumita Pandey entrevistou centenas de indianos condenados por estupro como parte de sua tese de doutorado para tentar entender melhor as raízes da cultura do estupro e da masculinidade tóxica.

Uma de suas principais conclusões indicou todos os níveis da sociedade. "Segundo a minha experiência, muitos desses homens não percebem que o que fizeram foi estupro", disse ela. "Eles não entendem o que é consentimento."

Ela continuou: "Havia apenas três ou quatro que disseram: 'Estamos arrependidos'. Outros haviam encontrado uma maneira de justificar seus atos, neutralizá-los, ou culpar a vítima".

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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