Meca de marcas de luxo, Hong Kong vê futuro do setor com pessimismo

Cidade representava até 10% das vendas de produtos finos, mas protestos afastaram os turistas

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Hong Kong

Andar nas ruas de Causeway Bay, em Hong Kong, é uma experiência opressora para o visitante de bolsos mais vazios e um delírio para consumistas abastados.

A cornucópia de marcas de luxo fica na área de comércio mais cara do mundo, segundo o tradicional ranking da consultoria Cushman & Wakefield. Lá, o aluguel custa o equivalente a R$ 120 mil por metro quadrado anualmente.

O problema para o setor, que sempre teve em Hong Kong uma de suas joias da coroa, é que não há mais tantos visitantes. Em outubro, o Escritório de Turismo local registrou queda de 43,7% no número de turistas em comparação com o mesmo mês de 2018.

Lojas de marcas de luxo em Causeway Bay, Hong Kong - Anthony Wallace/AFP

Ainda são 3,3 milhões para uma população de 7,4 milhões, metade do que o Brasil recebe todos os anos.

Em relação a visitantes chineses, os mais abastados e consumidores furiosos, houve momentos de redução de até 90% na frequência.

Resignado, o diretor de marketing de uma grande marca de relógios de luxo europeia diz que o território está caminhando para o fim.

A combinação explosiva de preços de aluguel altíssimos e os seis meses de crise política são, para ele, a senha de que os dias de glória de Hong Kong estão contados.

Segundo analistas de mercado, a cidade sozinha contabiliza entre 5% e 10% das vendas mundiais de produtos de luxo. A joalheria americana Tiffany & Co. tem 13 lojas no território do tamanho de São José dos Campos (SP) —no Brasil todo, são 6 unidades.

O índice é ainda maior para algumas redes, como o conglomerado francês LVMH --que reúne marcas como Louis Vuitton e Hennessy. O grupo reportou uma perda de 25% no faturamento em Hong Kong no terceiro trimestre.

Já a italiana Salvatore Ferragamo sofreu um tombo de 45% no período, que coincide com o adensamento dos protestos de rua contra uma proposta de lei que facilitava a extradição de cidadãos acusados de crimes da região autônoma para a China comunista.

Os protestos chegaram a um paroxismo na semana retrasada e acalmaram após a eleição local do dia 24, vencida de forma esmagadora pela oposição ao governo pró-Pequim. Mas o fim de semana já registrou novos atos.

Os efeitos foram sentidos até no setor de esportes de elite que têm Hong Kong como um de seus polos.

Dois torneios importantes de golfe foram suspensos, assim como o Hong Kong Open de tênis. O tradicionalíssimo Jockey Club local cancelou várias corridas durante a crise.

"Eu fiquei muito assustada", disse a turista inglesa Mary Holmes, que visitava a elegante região financeira Central na sexta (29), com o marido William.

Na hora do almoço, passando pela rua Pedder, ela viu a tropa de choque local jogar spray de pimenta sobre manifestantes encurralados na vitrine de uma loja de relógios suíços Audemars Piguet.

"Foi surreal", afirmou William, cujos pais moraram na cidade quando ela era uma possessão britânica, nos anos 1960. Era a Black Friday, dia anual de promoção no comércio, que tem exposição bastante baixa em Hong Kong.

O executivo que conversou com a Folha é pessimista, mas não arrisca uma previsão certeira. Ele afirma acreditar que os donos dos imóveis em que estão as lojas, usualmente antigos moradores que enriqueceram com os aluguéis, terão de renegociar preços —analistas falam em até 30% de redução.

A atração de Hong Kong como destino de luxo é um dos efeitos do sistema vigente na antiga colônia, no qual a China comunista mantém um bolsão capitalista sem abrir mão da soberania do local.

Agora, os turistas estão buscando outros destinos similares, como Tóquio ou Singapura. Na Semana Dourada de outubro, uma das três do ano em que os chineses têm folga e saem às compras, Hong Kong não pontuou nem nos dez principais destinos. Ela é a verdadeira Black Friday para os locais.

O comércio no geral caiu 18% em setembro em relação ao mesmo mês de 2018, e a região caminha para uma recessão de 1,3% de queda no Produto Interno Bruto neste ano.

"O setor de varejo é claramente o mais atingido e continuará sendo assim no futuro visível", disse ao site Business of Fashion Alicia Garcia Herrero, economista-chefe da consultoria Natixis.

Para um visitante casual, a crise não é tão evidente. As ruas continuam cheias e até um shopping de arte de luxo, o K11 Musea, foi aberto em setembro nas docas de Kowloon.

Os números não mentem, contudo. A principal empresa aérea local, a Cathay Pacific, anunciou na sexta (29) que iria reduzir sua capacidade de voos em 1,4%, após anos de crescimento na casa dos 3%.

"Antes, esse avião estaria cheio de americanos e canadenses. Agora, somos só nós, indo ver a família", disse Tong, passageiro do voo da Air Canada de Vancouver a Hong Kong no qual a reportagem viajou na semana passada.

Ele lembra que justamente os aluguéis altos estão entre os principais motivos de insatisfação popular contra o governo.

"A lei de extradição, que aliás foi jogada fora, foi só um pretexto. As pessoas estão cansadas da desigualdade", afirmou.

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