Descrição de chapéu The New York Times

Medo e lealdade: como Donald Trump dominou o Partido Republicano

Desafiar o presidente é instigar sua ira, o ostracismo dentro do partido e o fim prematuro de uma carreira na política

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Maggie Haberman Jonathan Martin
The New York Times

No verão de 2017, Dave Trott, um congressista republicano no segundo mandato, estava tão preocupado com o comportamento instável do presidente Donald Trump e suas tentativas frustradas de revogar a Lei de Acesso à Saúde que criticou o presidente em uma reunião a portas fechadas com outros legisladores republicanos.

A resposta foi instantânea —mas não teve nada a ver com a substância das preocupações de Trott. "Dave, você precisa saber que alguém já disse à Casa Branca o que você disse", ele lembrou que um colega lhe disse. "Prepare-se para uma enxurrada de tuítes."

Trott entendeu a mensagem: desafiar Trump é instigar a ira do presidente, o ostracismo dentro do partido e o fim prematuro de uma carreira na política republicana. Trott decidiu não tentar se reeleger em seu distrito num subúrbio de Detroit, concluindo que era insustentável concorrer como republicano anti-Trump, e juntou-se a uma onda de deserções republicanas do Congresso que deixou os que continuam mais dedicados que nunca ao presidente.

"Se eu ainda estivesse lá e me pronunciando contra o presidente, o que aconteceria comigo?", disse Trott antes de responder à própria pergunta: Trump teria atacado e pressionado os líderes republicanos da Câmara para puni-lo.

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O presidente Donald Trump em evento na Flórida - Marco Bello/Reuters

Pouco menos de quatro anos depois de ter iniciado a dominação de um partido com o qual tinha pouca conexão, Trump entra em 2020 sobrecarregado com a ignomínia de ser o primeiro presidente em exercício a tentar a reeleição depois de ser impeachmado.

Mas ele o faz usando uma armadura política construída com a total lealdade dos ativistas do Partido Republicano e seus representantes no Congresso. Se ele não goza da ampla admiração que os republicanos tinham por Ronald Reagan, é mais temido pelos legisladores de seu partido do que qualquer ocupante do Salão Oval, pelo menos desde Lyndon Johnson.

Seu punho de ferro nunca foi mais firme do que nos últimos dois meses, durante a investigação da Câmara que terminou na quarta-feira (18) com o processo de impeachment de Trump por acusações de abuso de poder e obstrução do Congresso. Nenhum deputado republicano apoiou nenhum dos artigos, nem sequer autorizou a investigação em setembro.

Em todas as audiências sobre as negociações do presidente com a Ucrânia, eles o defenderam como vítima de fervor partidário. Um republicano chegou a dizer que Jesus havia recebido um tratamento mais justo antes de sua crucificação do que Trump durante seu impeachment.

É muito revelador o fato de que alguns parlamentares republicanos que inicialmente disseram que o telefonema de Trump ao presidente da Ucrânia foi inadequado depois descartaram suas críticas. Pessoas próximas de Trump atribuíram a mudança tanto à sua defesa pública do telefonema como "perfeito" quanto às conversas privadas que ele e seus aliados tiveram com parlamentares preocupados.

Essa lealdade dificilmente garantirá a reeleição de Trump: ele nunca obteve 50% de aprovação como presidente, e mais da metade dos eleitores dizem aos pesquisadores que vão se opor a ele, não importa quem seja o candidato democrata.

Mas a união ombro a ombro contrasta com os democratas no momento, com sua disputada primária moderada versus liberal que ficou totalmente clara no debate de quinta-feira (19) à noite. E é ainda mais impressionante diante dos desvios de Trump da antiga ortodoxia partidária em questões como política externa e tarifas.

"Ele tem uma conexão completa com o eleitor republicano médio, e isso lhe deu poder político aqui", disse o deputado republicano Patrick McHenry, da Carolina do Norte, acrescentando: "Trump tocou o nervo da minha base conservadora como ninguém na minha vida".

Entrevistas com legisladores republicanos atuais e passados, bem como com estrategistas partidários, muitos dos quais pediram o anonimato para não contrariar publicamente o presidente, sugerem que muitas autoridades eleitas efetivamente enfrentam duas alternativas. Elas podem votar com os pés, aposentando-se —e notáveis 40% dos congressistas republicanos o fizeram ou foram derrotados nas urnas desde que Trump tomou posse.

Ou eles podem silenciar suas críticas a ele. Todos os incentivos que moldam o comportamento político —com eleitores, doadores e a mídia— obrigam os republicanos a se curvarem a Trump se quiserem sobreviver.

Sentado em um restaurante de hotel enfeitado de guirlandas em seu antigo distrito, Trott disse que não queria tentar a reeleição "como um trumpista" —e que sabia que teria pouco futuro no partido como oponente do presidente.

Não há mercado para a independência, disse ele. A divergência do trumpismo nunca será boa o suficiente para os democratas; Trump o terá como alvo entre os republicanos, acrescentou Trott, e os eleitores cada vez mais raros no centro político nunca terão a chance de recompensá-lo, porque você não conseguiria passar pelas primárias. Isso será assegurado em parte pelo megafone que o presidente controla junto à mídia conservadora.

"Trump é emocional, intelectual e psicologicamente inadequado para o cargo, e tenho a certeza de que muitos republicanos sentem a mesma coisa", disse Trott. "Mas se eles disserem isso a barragem nas redes sociais será esmagadora." Ele acrescentou que estaria aberto à candidatura presidencial do ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg.

Por outro lado, Trump oferece recompensas àqueles que demonstram lealdade —um tuíte favorável ou uma visita presidencial ao seu estado—, e sua mão pesada garantiu a vitória de vários candidatos republicanos em suas primárias. Entre estas, a do governador Ron DeSantis, da Flórida, que fez o maior número possível de aparições na Fox News para chamar a atenção do presidente.

A deputada Elise Stefanik vem de um distrito no interior de Nova York onde o presidente venceu por 14 pontos, mas ela não havia hesitado anteriormente em seguir seu próprio caminho.

"Eu tenho um dos históricos mais independentes da Câmara", disse Stefanik. "E critiquei o presidente, votei de forma diferente do presidente."

No entanto, depois que ela criticou veementemente as audiências de impeachment e se viu sob o ataque de George Conway, o marido anti-Trump da assessora da Casa Branca Kellyanne Conway, ela recebeu o abraço do presidente, de sua família e de aliados na mídia como o apresentador da Fox News Sean Hannity —e uma enxurrada de doações de campanha.

Stefanik disse que se opôs ao impeachment porque os democratas não conseguiram expor uma tese convincente. Mas ela disse que nem mesmo teria votado uma censura ao presidente, e que foi motivada principalmente por querer "defender o meu distrito".

Stefanik observou que desde que votou "não" ela recebeu "as ligações mais positivas desde que assumi o cargo".

Os legisladores que não buscam a reeleição são frequentemente os mais sinceros sobre a devoção servil que Trump gera entre os eleitores —e a pressão que isso exerce sobre eles.

"As autoridades públicas precisam ser responsabilizadas, e não acho que nenhum sistema governamental funcione bem com lealdade cega, sem razão", disse o deputado Francis Rooney, da Flórida, que anunciou sua intenção de se aposentar no início deste ano, depois que criticou Trump por sua conduta com a Ucrânia e sofreu uma reação imediata.

Rooney finalmente votou contra o impeachment, mas disse aos colegas que se sentia desconfortável com isso. Lembrando de uma aparição em um canal de televisão da Flórida mais tarde, Rooney disse: "Eles me entrevistaram após a votação e depois entrevistaram uma dessas senhoras republicanas de Cape Coral, e ela disse: 'Bem, está na hora de eles perceberem que é uma grande fraude da mídia'. Como se argumenta contra isso? Como se raciocina contra isso?"
 

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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