Procuradoria da Bolívia manda conduzir Evo Morales para depoimento

Ex-presidente é acusado por atual governo de terrorismo; após declaração, procurador poderá pedir prisão

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São Paulo

A Procuradoria da Bolívia emitiu nesta quarta-feira (18) uma ordem que obriga o ex-presidente Evo Morales a prestar depoimento ao Ministério Público, após uma denúncia, por parte do governo interino do país, de seu suposto envolvimento com crimes de sedição e terrorismo. 

O ministro do Interior, Arturo Murillo, publicou em seu Twitter uma imagem do documento, com a frase: "Sr. Evo Morales, para seu conhecimento". Posteriormente, o coronel Luis Fernando Guarachi, chefe de uma unidade policial da Força Especial de Combate ao Crime, confirmou a informação a jornalistas locais.

A determinação, assinada pelos procuradores de La Paz Jhimmy Almanza e Richard Villaca, ordena a procuradores, policiais ou funcionários públicos que "apreendam e conduzam o senhor Juan Evo Morales Ayma aos escritórios da Procuradoria" para "responder sobre o caso e prestar uma declaração informativa".

Evo, que se encontra atualmente na Argentina, reagiu dizendo que não se assusta com a medida, que qualificou de “injusta, ilegal e inconstitucional” em um post no Twitter. 

"A 14 anos da nossa revolução, o ’melhor presente' que recebo do gobierno de fato é uma ordem de apreensão, injusta, ilegal e inconstitucional", escreveu.

Após renunciar, em 10 de novembro, ele foi para o México e, no último dia 12, chegou ao país sul-americano, onde obteve asilo político.

A queixa criminal contra o ex-presidente foi apresentada pelo governo interino no dia 22 de novembro e se refere aos crimes de sedição —incitar pessoas a se rebelarem contra a autoridade do Estado—, terrorismo e financiamento ao terrorismo.

O ministro Murillo pediu ao Ministério Público que iniciasse uma investigação com base em um áudio no qual supostamente se escuta a voz de Evo dando instruções a um de seus partidários, o cocaleiro Faustino Yucra, para bloquear estradas e interromper o fornecimento de alimentos a algumas cidades —o objetivo seria desestabilizar o atual governo, de sua opositora Jeanine Añez. 

"Que não entre comida nas cidades, vamos bloquear, cerco de verdade", diz um trecho da gravação. Nesse momento, segundo a denúncia, Evo estava no México, primeira parada de seu exílio. Ele afirmou em vários momentos que se trata de uma montagem.

​A ordem emitida nesta quarta-feira também inclui Faustino Yucra.

Segundo o advogado e analista político boliviano Paul Antonio Coca, o que o documento ordena não é a prisão de Evo, mas que ele seja conduzido ao Ministério Público para depor. “Com base nessa declaração, o procurador pode decidir se ele vai ser preso preventivamente, até a audiência com o juiz”, explicou, em entrevista à Folha. Na Bolívia, esse tipo de detenção pode ser pedido pelo Ministério Público sem passar pelo Judiciário.

Ele diz que a medida é de caráter obrigatório, mas a intimação ainda tem que ser enviada à residência de Evo para que tenha validade. Como ele está na Argentina, o encaminhamento do processo deve ser feito por via diplomática. 

“Sabemos que o governo da Argentina não vai colaborar”, diz Coca. O governo peronista de Alberto Fernández, recém-empossado, não reconhece Jeanine Añez como presidente da Bolívia. 

O coronel Luis Fernando Guarachi disse ao canal de televisão privado ATB que todas as medidas cabíveis serão tomadas para levar adiante a ordem dos procuradores. "Serão realizados todos os atos de investigação necessários. No entanto, é responsabilidade do Ministério Público também coordenar com seus colegas de outros países" para cumprir a detenção, disse.

Paralelamente, congressistas do MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Evo) tentam aprovar a “lei de garantias para exercício pleno dos direitos constitucionais”, que impede que políticos do governo que renunciou e líderes sociais e sindicais sejam processados. A sigla controla dois terços do parlamento. 

País adia anúncio de novas eleições

Também nesta quarta-feira (18), o anúncio da data das novas eleições na Bolívia, que deveria ocorrer nos próximos dias, foi adiado. O Senado aprovou a ampliação do prazo para definir o calendário eleitoral no país. 

Ao assumir, após a renúncia de Evo, Añez prometeu convocar um novo pleito no país, substituindo o que foi denunciado como fraudulento pela OEA (Organização dos Estados Americanos). 

Uma lei excepcional promulgada por seu governo no último dia 24 de novembro determinou que o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) seria totalmente renovado. O previsto era que os novos membros fossem escolhidos pelo Congresso até esta quarta-feira e que a data das novas eleições fosse divulgada 48 horas depois da posse dessas autoridades.

No entanto, o único integrante do TSE já empossado —que foi nomeado por Añez, já que a lei prevê que um deles seja indicação do Executivo—​ pediu a ampliação, alegando que o prazo de 48 horas é muito curto para encaminhar o processo. 

O novo prazo será de até dez dias úteis após a posse do TSE, ou seja, o anúncio deve ocorrer em janeiro de 2020. Segundo Romero, a previsão é que seja por volta do dia 2.

O adiamento teve o aval também do MAS. A presidente do Senado, Eva Copa, é da sigla.

Pela lei, a nova votação deve ocorrer em até quatro meses. Analistas acreditam que o pleito deve ser realizado entre março e abril de 2020. Depois, há um prazo de até 45 dias para um eventual segundo turno. 

Evo Morales não poderá concorrer: foi excluído da lei que convocou novas eleições, com base em um artigo da Constituição que proíbe a reeleição após dois mandatos. O MAS, porém, está na disputa, mas ainda não anunciou seu candidato.

O ex-presidente Carlos Mesa, segundo lugar na eleição de outubro deste ano, e o pastor sul-coreano Chi Yung Chang, terceiro lugar, já anunciaram que concorrerão novamente. 

O presidente do comitê cívico de Santa Cruz, o direitista Luis Fernando Camacho, que ganhou fama ao pressionar pela renúncia de Evo, também escreveu no Twitter que sairá candidato. Cotado para ser vice de Camacho, o líder do comitê cívico de Potosí, Marco Pumari, pode se candidatar separadamente, após desentendimentos entre os dois.  

Com AFP e Reuters

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