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No México, continua a deterioração da democracia vigente

Primeiro ano de López Obrador teve reformas, mas nenhuma democratizou o sistema político

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Sob seu novo presidente, o México não chegou a um novo regime político nacional. Não há um novo regime democrático ou autoritário, e não se verificou uma transição rumo ao autoritarismo e nem a um outro tipo de democracia. Tampouco foi consolidado o regime democrático já existente.

O que existe agora é o que existia antes: a continuação da deterioração da democracia vigente. Foi esse o efeito político sistêmico de um governo que piorou, e que se vê mais autoritário; a deterioração prosseguiu, mas sem a substituição do sistema de instituições que definem o regime, propriamente.

Não é verdade afirmar que não foram realizadas reformas de democratização –houve reformas, mas nenhuma democratizou o sistema político, ou porque não se referem realmente a esse âmbito (regime) ou porque não se movimentam nesse sentido (democracia).

 López Obrador
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, participa de entrevista no Palácio Nacional, na Cidade do México - 29.mai.2019/Xinhua

Examinemos algumas das deteriorações mais relevantes.

O “Bonillazo”, nome coloquial dado a um caso extraordinário acontecido na província de Baja California, viu um empresário político próximo de López Obrador, Jaime Bonilla, tentar transformar o mandato de dois anos como governador, que conquistou em uma eleição, em um mandato definitivo de cinco anos, “ganhando” três anos adicionais sem processo eleitoral –indo contra aquilo que fez dele governador–, graças a uma decisão estranha, sorrateira e obscura do Legislativo local.

A decisão final sobre o assunto, que ratificará ou não a manobra, está nas mãos da Suprema Corte mexicana. Mas a deterioração já ocorreu e a situação pode apenas se estabilizar ou piorar.

Jaime Bonilla, governador da província de Baja California
Jaime Bonilla, governador da província de Baja California - Luis Cortes - 16.out.2019/Reuters

Não há complicações conceituais, e eufemismos não são merecidos: o que Bonilla quer fazer é um roubo; a corte causaria um dano enorme à democracia caso tolere que uma maioria legislativa cúmplice decrete que o o mandato da pessoa que está no poder no Executivo deve se estender por três anos adicionais.

Falando em Corte Suprema. López Obrador em um ano teve três oportunidades de indicar integrantes para o órgão. As três se converteram em designações muito questionáveis: duas ministras e um ministro próximos do presidente, nenhum dos quais um jurista de renome ou especialista em direito constitucional.

Os casos das duas ministras são os mais graves. Uma delas, Yazmín Esquivel, é mulher de um empresário amigo e colaborador do presidente; a outra, Margarita Ríos Farjat, era chefe dos serviços tributários federais, ou seja, era subordinada do presidente (e foi parte de uma lista tríplice que incluía a vice-ministra interina do Interior, o que basta para caracterizar a orientação de López Obrador).

Cabe notar a forma pela qual o presidente aponta mais mulheres do que homens, em um esforço para rebater as críticas de que costuma indicar pessoas sem independência nem excelência. Os três novos juízes da Suprema Corte representam uma deterioração da divisão de poderes.

Em lugar de reformar o artigo 95 da constituição de forma desfavorável aos partidos e favorável à democracia, López Obrador fez a mesma coisa que outros fizeram, com agravantes: três vezes em um ano, e de forma mais agressiva e escancarada.

Outra indicação que causa deterioração no regime é a da nova presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos. Com ilegalidades, a maioria do Movimento de Regeneração Nacional (MORENA), o partido do presidente no Senado, indicou a pessoa que o presidente queria, Rosario Piedra, militante real do partido, pelo qual disputou uma cadeira como deputada federal, entre outras ações que a caracterizam como colaboradora de López Obrador –o que representa má notícia para a comissão.

A situação repete, com intuito justificatório, que Piedra é parente de uma vítima de violações dos direitos humanos, mas isso não é mérito profissional e tampouco garantia de alguma coisa. Diante do fracasso de uma defesa assim débil, a resposta do governo é criticar o passado da comissão, mas isso é ilógico: quaisquer que sejam seus problemas, o partidarismo não é a solução.

De modo mais geral, ou secundário ou indireto, o processo de não consolidação democrática e de deterioração da democracia é expresso e sustentado por outros dados: a péssima relação do presidente com a imprensa, a imensa falta de democracia interna do MORENA, a corrupção continuada –López Obrador insiste em defender o corrupto Manuel Bartlett–, a falta de Estado de Direito e a conservação essencial da devastadora “guerra contra as drogas”.

Os partidários do presidente invocam duas coisas em sua defesa: as “consultas populares” e a reforma do mecanismo que permite revogar mandatos de políticos eleitos (por meio de consulta popular). Mas assim como nem uma e nem a outra é resultado de uma nova democracia, elas tampouco apontam para uma mudança democrática de regime.

Nem todas as coisas novas que um governo novo faz significam uma mudança de regime político, e se as consultas e a “revogação” significam alguma coisa nesse caso, decerto não seria um avanço em direção a um regime mais democrático.

As “consultas populares” empreendidas por López Obrador e seu partido não são democráticas: são uma farsa. Como demonstrei, as experiências maiores e mais relevantes –nos casos de Texcoco e da Baja California– tiveram participação inferior a 2% dos eleitores habilitados, e consequentemente deram menos de 2% de apoio às opções governistas (“La ‘democracia’ del menos de 2%. Dos ‘consultas populares’ del obradorismo”, DATAMEX, outubro de 2019, Instituto Ortega y Gasset).

São “consultas de ratificação protegida”, e não exercícios de democracia direta ou passos na direção de uma democracia maior e melhor.

A reforma das leis de revogação de mandatos representa uma aposta. López Obrador calcula que ainda terá muita popularidade em 2021, traduzida em uma maioria que, em caso de consulta popular, não revogaria seu mandato e o ratificaria amplamente, impulsionando seu partido na eleição de meio de mandato daquele ano e reduzindo ainda mais a margem de operações de seus opositores. É essa a intenção de fundo de uma suposta grande reforma.

Mario Vargas Llosa disse que via em López Obrador o risco de outra “ditadura perfeita”. O grande escritor peruano sempre foi impreciso em seu uso do termo “ditadura” com relação ao México. Mas não é impreciso afirmar que, sim, existe risco de que a democracia mexicana caia, pouco a pouco, pelo acúmulo de deterioração e de reformas antidemocráticas. Isso não aconteceu, e tampouco é inevitável, mas não é impossível.

É um risco, dada a deterioração registrada no primeiro anjo de mandato de López Obrador. Caso isso aconteça, não será de imediato, e o México não se transformaria em uma nova Venezuela: “regressaria” a uma versão do regime autoritário (mas não ditatorial) do Partido Revolucionário Institucional, que formou López Obrador. 

José Ramón López Rubí C. é cientista político, dedicado à análise, edição e consultoria. Trabalhou no Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE), Cidade do México, e na Universidade Autônoma de Puebla. Publicou diversos artigos, resenhas e livros.

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que difunde diferentes visões sobre a América Latina.

Tradução de Paulo Migliacci

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