Novos porta-aviões evidenciam que batalha naval ainda importa a potências

Em meio a inovações como armas hipersônicas, China e outros países investem nos navios

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São Paulo

Em um mundo em que a tecnologia militar avança rapidamente nos campos da inteligência artificial e de novas armas como mísseis hipersônicos, o tradicional poder naval mostrou que não só está vivo, como é central para as potências do século 21.

Na terça passada (17), a China comissionou à sua Marinha o seu segundo porta-aviões, o Shandong, o primeiro feito integralmente em estaleiro próprio. Uma semana antes, fora a vez de o Reino Unido estrear seu segundo navio do tipo, o Prince of Wales.

O novo porta-aviões Shandong, o segundo da China
O novo porta-aviões Shandong, o segundo da China - Navalnews

Com isso, ambos os países se unem ao seleto clube de operadores de mais de um porta-aviões, a belonave símbolo do domínio dos oceanos —time liderado pelos 11 colossos movidos a energia nuclear norte-americanos e integrado por dois barcos de proporções bem mais modestas da Itália.

A Índia está chegando na sequência, finalizando seu primeiro modelo doméstico para operação em 2021, baseado no porta-aviões de fabricação russa Vikramaditya, que já opera desde 2013.

A estreia chinesa foi a que mais chamou a atenção, já que a segunda economia do mundo está em processo de modernização de suas Forças Armadas e parece ter objetivos bem claros para sua Marinha.

No caso, assegurar o domínio do mar do sul da China, que o país militarizou ao criar fortalezas em ilhas artificiais nos últimos anos. A potência dominante (os EUA) é contra o movimento, assim como a vizinhança composta por filipinos e vietnamitas.

Não por acaso, dez em cada dez especulações sobre um ponto de atrito bélico entre Pequim e Washington apontam para a região como palco de tal conflito nos anos ou décadas a seguir.

O Shandong, não por acaso, foi entregue com a presença do presidente Xi Jinping com pompa em Sanya, um porto na ilha de Hainan —conhecida como a porta para o mar do sul da China.

A embarcação é uma ponta de iceberg. Em 2012, os chineses comissionaram o Liaoning, um antigo porta-aviões soviético de 1987 que estava incompleto na Ucrânia e foi comprado para reforma.

Desde então, o navio foi “cobaia” para toda sorte de testes. Enquanto isso, o Shandong foi construído copiando e alterando aspectos do Liaoning, como a capacidade aumentada de 24 para 36 caças J-15, eles uma cópia do Su-33 naval russo.

Mas o salto está hoje nas docas de Xangai, com a produção de um terceiro navio com design ocidentalizado, de deque plano e catapultas eletromagnéticas, enquanto o desenho russo tradicional usa as menos eficientes rampas inclinadas na decolagem dos aviões.

Além disso, há planos já anunciados para a construção de um quarto navio, este de propulsão nuclear.

Isso mostra a pretensão chinesa. No longo prazo, a ideia é expandir a atuação por todo o Pacífico ocidental e rotas no Índico. No mais imediato, projetar localmente poder nas águas que Pequim diz serem suas.

Já o moderníssimo Prince of Wales busca manter a mais tradicional potência naval do mundo, o Reino Unido, acima da linha d’água. Seu foco maior é a defesa do entorno britânico de ameaças russas, embora tenha capacidade de integrar forças-tarefas específicas, como ocorreu em 1982 na Guerra das Malvinas.

Operações conjuntas europeias são outro foco, sob o manto da Otan (aliança militar ocidental). No continente, a França tem o único porta-aviões de propulsão nuclear, o Charles de Gaulle.

Nenhum desses navios, contudo, faz cócegas no poderio estabelecido pelos americanos. Washington opera dez navios da classe Nimitz, que deslocam 100 mil toneladas e levam quase cem aeronaves —enquanto o Shandong desloca 59 mil toneladas e o Prince of Wales, 65 mil toneladas.

Além disso, está duelando com problemas do primeiro da classe Gerald Ford, ainda maior e mais moderno, que já tem outras unidades em construção —cada uma por estimados e astronômicos US$ 9 bilhões (R$ 36 bilhões).

Esses navios são animais completamente diferentes da concorrência. Centralizam grupos de ataque, com uma escolta de até oito outros navios, visando levar a guerra a qualquer canto do mundo.

Recentemente, o desenvolvimento de novos mísseis antinavio, em especial pela Rússia e por países adversários dos Estados Unidos, como o Irã no Golfo Pérsico, coloca desafios para o conceito.

Ainda assim, não há sinais de que Washington pretenda abandonar o campo, e a entrada forte da China e da Índia mostra a disposição de forças emergentes de se estabelecerem, cada qual delas com sua missão específica.

​A Rússia, por sua vez, permanece como a segunda principal potência militar do mundo devido às suas armas nucleares, um arsenal equivalente ao americano. No campo naval, porém, desde a Guerra Fria seu maior investimento foi em submarinos, sejam gigantes lançadores de mísseis balísticos, sejam de ataque.

Seu único porta-aviões, o Almirante Kuznetsov, agoniza uma lenta decadência. 

Apesar de ter participado brevemente da intervenção russa na Síria em 2016, onde perdeu dois aviões em acidentes, o navio está parado em Murmansk (Ártico) para reformas —onde sofreu um incêndio na semana retrasada, adiando indefinidamente sua volta à ativa.

Além de sua função estratégica para uns, tática para outros, os porta-aviões são um símbolo de prestígio para as Marinhas. Por isso o Brasil insistiu por anos em ter um, primeiro o Minas Gerais e, depois, o São Paulo —este só conseguiu ficar operacional por cerca de 3% dos dias de seus 17 anos de serviço, até a aposentadoria em 2017.

A aposta agora é no submarino nuclear, que com atrasos deve ficar pronto por volta de 2030. O que interessa, para os almirantes, é a projeção de poder em um ambiente em que rotas marítimas transportam 90% do comércio mundial e a posição do Brasil o torna vulnerável a bloqueios navais.

Em 1963, a bordo do porta-aviões Kitty Hawk, o presidente John F. Kennedy disse: “O controle do mar significa segurança. Pode significar paz, pode significar vitória”.

O americano comentava sobre o bloqueio naval sobre Cuba no ano anterior, visando evitar a instalação de mísseis soviéticos na ilha de Fidel Castro, na crise que quase levou a uma guerra nuclear entre as então superpotências.

Passados 56 anos, os movimentos das últimas semanas apenas provam que a máxima de JFK segue atual.

 
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