Descrição de chapéu Diplomacia Brasileira

Promoções no Itamaraty têm mais baixo índice de mulheres em 4 anos

Dos 44 diplomatas que galgaram postos na diplomacia, somente 4 são mulheres

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Brasília

A lista com as promoções do Itamaraty do segundo semestre deste ano traz o índice mais baixo de mulheres que puderam progredir na carreira dos últimos quatro anos. De um total de 44 diplomatas que galgaram postos na diplomacia brasileira, apenas quatro são mulheres (9% do total).

Trata-se da mais baixa proporção das últimas oito listas semestrais de promoção, série histórica disponibilizada pelo Itamaraty. A pasta afirmou não ter dados compilados de anos anteriores.

Líderes dos países do Brics durante cúpula no Palácio do Itamaraty; Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Jair Bolsonaro, Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Narendra Modi (Índia)
Líderes dos países do Brics durante cúpula no Palácio do Itamaraty; Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Jair Bolsonaro, Cyril Ramaphosa (África do Sul) e Narendra Modi (Índia) - Pedro Ladeira - 14.nov.2019/Folhapress

No primeiro semestre de 2016, por exemplo, o índice de mulheres que conseguiram uma promoção foi de 23%. Após cair para 16% no segundo semestre daquele ano, a participação feminina sempre se manteve acima de um quinto do total de promovidos.

Depois de uma máxima de 28,5% alcançada no segundo semestre de 2018, o número de mulheres selecionadas para evoluir na carreira no Itamaraty voltou a cair em 2019.

A primeira lista da gestão do ministro Ernesto Araújo teve 18,6% de mulheres, proporção que foi ainda mais reduzida no segundo semestre.

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores disse que “todas as promoções são decididas com base no mérito e nos antecedentes funcionais das e dos diplomatas”. 

O primeiro cargo de um diplomata é o do terceiro-secretário. A partir daí, ele pode progredir no serviço exterior até o grau de embaixador (ministro de primeira classe). 

Entre os dois extremos, há os postos de segundo-secretário, primeiro-secretário, conselheiro e ministro de segunda classe. De acordo com os dados disponibilizados pela chancelaria, há atualmente na ativa 1.543 diplomatas —desses, 356 (23%) são mulheres.

As regras para avançar nos cargos do Itamaraty seguem requisitos como tempo mínimo na classe, período de serviço no exterior e, em alguns casos, experiência em cargos de chefia.

Para ser candidato a uma promoção para ministro de segunda classe, há ainda uma condicionante adicional: ter concluído o curso de altos estudos do Instituto Rio Branco, que inclui a apresentação e defesa de uma tese.

Antes de cada promoção, é formado o chamado quadro de acesso, uma relação de diplomatas que estão aptos para avançar na carreira.

Esse rol de candidatos é elaborado com base em votações internas realizadas pelos próprios diplomatas.
A lista final de promovidos é feita pelo gabinete do ministro, de acordo com o número de vagas disponíveis e o aconselhamento de uma comissão, e finalmente submetida ao presidente da República.

 

Na atual relação de promovidos, há uma mulher que conseguiu chegar ao grau de embaixadora: 
Márcia Maro da Silva. 

Não há nenhuma mulher entre os oito promovidos a ministro de segunda classe. Segundo as informações fornecidas pelo Itamaraty, havia apenas duas candidatas aptas no quadro de acesso para ascender a esse cargo. 

O número de mulheres que estavam aptas para promoção aos demais cargos variou de 11 a 18 candidatas. Mas apenas uma mulher foi promovida à conselheira e duas a primeiro-secretário.

A presidente da ADB (Associação dos Diplomatas Brasileiros), embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, afirma que a sub-representação de mulheres nos postos mais altos da carreira é um problema estrutural no Itamaraty, que é agravado com uma lista de promoção com participação feminina tão reduzida como a atual.

“A proporção deste ano é realmente surpreendente, porque nós constituímos 20% da força de trabalho do ministério. Isso significa que dentro de alguns anos, se continuar nesse ritmo, vamos ter poucas mulheres embaixadoras. Então é preciso frear essa distorção agora.” 

A embaixadora Maria Celina chama ainda atenção para outro fenômeno no Itamaraty: a baixa presença de mulheres nos postos de maior destaque na carreira.

O Itamaraty nunca teve, por exemplo, uma chanceler, tampouco uma mulher já foi indicada para chefiar a secretaria-geral, o segundo cargo mais importante no ministério.

“Você nunca teve uma embaixadora mulher na Argentina, que é um posto de suma importância para o Brasil. Nunca teve uma embaixadora mulher em Washington e por aí afora”, afirmou a presidente da ADB.

“A lista de onde as embaixadoras serviram é uma coisa que mostra que estamos sub-representadas em termo de postos importantes no exterior. Tem muitas mulheres embaixadoras chefiando consulados, por exemplo. Por quê? Porque temos vocação de cuidar do lado humano e de sermos maternais em relação às comunidades brasileiras?”, questiona.

Durante a gestão do ex-ministro Celso Amorim (2003-2010), houve a adoção de uma política informal de abrir espaços relevantes para mulheres no Itamaraty. Foi no período dele, por exemplo, que pela primeira vez uma diplomata ocupou o posto de chefe de gabinete do ministro das Relações Exteriores. 

Em entrevista para a obra “Mulheres Diplomatas no Itamaraty 1918-2011”, do diplomata Guilherme José Roeder Friaça, Amorim disse que pretendeu na sua época implementar uma política afirmativa no ministério em relação às mulheres.

“Eu quis fazer uma política afirmativa, não com cotas rígidas nem nada, mas procurando garantir a participação das mulheres. Por exemplo, nós temos oito vagas. Eu perguntava: ‘Não tem duas ou três mulheres competentes que podem entrar nesse quadro de acesso? Vamos ver’”, disse o ex-chanceler.

A história das mulheres no Itamaraty começou em 1918, quando tomou posse, na então Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Maria José de Castro Rebello Mendes.

Nas décadas que antecederam a atual igualdade jurídica entre ambos os sexos na carreira, foram tomadas medidas que restringiram a atuação das mulheres no Itamaraty. 

Houve períodos em que elas obrigatoriamente tiveram de trabalhar no serviço consular, outros em que o acesso à carreira esteve vetado para as mulheres; e ainda determinações que as obrigavam a pedir demissão quando se casavam com outros diplomatas.

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