Descrição de chapéu Brexit

Vitória de Boris em áreas trabalhistas pode resultar em brexit mais brando

Premiê avançou em distritos industriais, setor mais afetado por eventual saída sem acordo

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Londres

A conquista de vários distritos antes trabalhistas, uma das causas para a vitória esmagadora do líder conservador Boris Johnson na eleição de quinta-feira (12), pode levar a um brexit mais brando, avaliam cientistas políticos britânicos.

Para chegar aos 365 de 650 assentos do Parlamento, superando com folga os 326 postos que lhe dão maioria, Boris avançou sobre a chamada muralha vermelha —um cinturão de distritos ligados à indústria e à extração mineral, no centro-norte inglês, que costumava votar na oposição trabalhista.

Com isso, o primeiro-ministro britânico atraiu para sua base eleitoral um cidadão de menor renda, menos escolaridade e com preocupações diferentes daquelas com as quais os conservadores estavam acostumados a lidar.

Até então, o público-alvo do Partido Conservador era o britânico branco, rico e escolarizado do sul da Inglaterra e do País de Gales, que apoiava o ideário de livre comércio, pouca intervenção do Estado na economia e liberdades individuais.

Agora, juntam-se a ele esses novos eleitores no centro-norte —na média, homens brancos, mais velhos, conhecidos como “blue collars” (trabalhadores braçais, operários, menos escolarizados). Nesses distritos, a porcentagem de votos em conservadores subiu 6 pontos, enquanto a dos trabalhistas caiu 14 pontos.
Um divórcio da Europa sem acordo ou com regras duras pode afetar fortemente a atividade econômica e o emprego justamente na zona industrial onde Boris avançou sobre os trabalhistas.

São eleitores que defendem o brexit (a separação teve 70% dos votos no referendo de 2016), mas que também querem mais investimento em saúde, educação e segurança pública e mais presença do Estado —pontos que não faziam parte do manual conservador.

Logo na manhã desta sexta (13), Boris declarou lealdade a esse eleitor: “Talvez você tenha apenas nos emprestado seu voto. Você talvez se considere como um trabalhista e tenha planos de voltar a eles numa próxima eleição. Se esse for o caso, estou honrado que tenha confiado em mim e jamais deixarei de lutar pelo seu apoio”, declarou.

Mais tarde, em discurso tradicional em frente à residência do primeiro-ministro, no número 10 da rua Downing de Londres, ele pediu que os britânicos começassem a curar as feridas deixadas por três anos de discussões e impasses relacionados ao brexit.

O pronunciamento se segue a outro ritual, o de visitar a rainha Elizabeth 2ª no palácio de Buckingham e lhe pedir permissão para montar o governo em nome da coroa.

Boris chegou ao palácio pouco antes das 11h e foi recebido pela rainha em audiência privada, em que fotos não são permitidas. O encontro durou 36 minutos.

Responsável pela maior vitória do Partido Conservador no Parlamento desde 1987, o primeiro-ministro assegurou cacife para impor sua visão para o brexit, mais integrada à União Europeia e menos sujeita a turbulências, segundo o pró-reitor de Pesquisa da London School of Economics, Simon Hix.

A opinião é partilhada pelo primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar. Em Bruxelas para o encontro de líderes europeus, ele disse que o Reino Unido deve estabelecer uma parceria comercial “plus” com o bloco europeu, sem tarifas nem cotas.

“Pelas minhas conversas com Boris Johnson, ele está nesse mesmo diapasão”, afirmou Varadkar.
O resultado incontestável dos conservadores na Inglaterra e em Gales deve servir de contrapeso também nas relações de Boris com os nacionalistas escoceses (SNP), que eram antibrexit e fizeram campanha prometendo um novo referendo para se separar do Reino Unido.

Em 2014, a permanência do bloco na União Europeia foi um dos fatores principais para que os escoceses derrotassem a hipótese de separação do Reino Unido.

Foi em parte para a líder do SNP, Nicola Sturgeon, que o primeiro-ministro se dirigiu no discurso, ao defender que o Reino Unido “merece uma pausa nas discussões, uma pausa na política e uma pausa permanente nas conversas sobre o brexit”.

Nicola, no entanto, prometeu que na próxima semana já começaria as tratativas para realizar um segundo referendo sobre a independência escocesa do Reino Unido.

O governo conservador entrará agora numa fase de negociação com a União Europeia de temas como comércio exterior, direitos humanos, legislação, ambiente e defesa, que pode durar vários anos, segundo diplomatas que atuam nesse campo.

Nesta sexta-feira, os líderes dos 27 países que formam o Conselho Europeu se reuniram com Michel Barnier, negociador da União Europeia para o brexit, para começar a deslanchar as conversas.
Boris prometeu concluir as negociações em dezembro, mas pode pedir um adiamento até julho —analistas defendem que essa é a opção mais provável.

Se mantido para dezembro, o horizonte permitirá que países como França e Alemanha imponham condições mais duras ao Reino Unido, segundo diplomatas.

Em Bruxelas, depois do encontro de líderes, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que os europeus vão exigir que os britânicos mantenham a adesão ao campo regulatório comum.

Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, afirmou que o Reino Unido havia agora se transformado em “um competidor à soleira da nossa porta, não mais integrado a nosso mercado interno”.

Segundo ela, os britânicos precisam pesar cuidadosamente o prejuízo de abandonar as regulações adotadas hoje na União Europeia.

A margem ampla dos conservadores na eleição levou a libra esterlina a se valorizar para US$ 1,351, o valor mais alto desde junho de 2018, refletindo otimismo do mercado com a economia britânica.

A possibilidade de “seguir em frente” acabou consolando até mesmo britânicos que votaram no Partido Trabalhista, como a enfermeira aposentada Marilyn Murray, 76. “Eu preferia continuar na União Europeia, mas pelo menos agora termina esse impasse e podemos tratar de outras coisas”, disse ela nessa sexta.


As reações ao pleito no Reino Unido

Boris Johnson, premiê britânico
“Eu sei que, depois de cinco semanas, francamente, de eleições, este país merece uma pausa nas discussões, uma pausa na política e uma pausa permanente nas conversas sobre o brexit”

Donald Trump, presidente dos EUA, no Twitter
“O Reino Unido e os EUA agora estarão livres para firmar um maciço novo acordo comercial após o brexit. Este acordo pode ser muito maior e mais lucrativo do que qualquer acordo que possa ser feito com a União Europeia”

Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, no Twitter
“Cumprimento os britânicos e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, pela grande vitória de ontem. Brasil e Reino Unido compartilham o apreço à autodeterminação e à soberania.”

Charles Michel, presidente do Conselho Europeu (órgão que representa o governo dos 28 estados membros da União Europeia)
“A União Europeia está preparada para a próxima fase. Vamos negociar um acordo comercial que permitirá regras de jogo justas.”

Jeremy Corbyn, líder do partido trabalhista do Reino Unido, no Twitter
“Foi uma noite muito decepcionante. Mas estou orgulhoso que levamos nossa mensagem de esperança, união e justiça para todas as partes deste país.”

Emmanuel Macron, presidente da França, no Twitter
“Aos nossos amigos britânicos: com o brexit, vocês estão deixando a União Europeia, mas não estão deixando a Europa. Vocês continuam ao nosso lado, e nós continuamos ao seu.”

Justin Trudeau, premiê do Canadá, no Twitter
“Parabéns, Boris Johnson. Vamos continuar trabalhando juntos para resolver os problemas que afetam as pessoas em ambos os países, e manter a amizade Canadá-Reino Unido forte.”

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