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Alta tensão abre uma janela para Teerã, que tem forças inferiores

Pressionados, aiatolás tentam colocar europeus contra americanos para aliviar sanções; questão é se há tempo

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São Paulo

Apesar do alto risco de algum passo em falso levar a um conflito aberto entre americanos e iranianos, a alta tensão ora instalada no Golfo Pérsico gerou uma janela de negociação para o governo em Teerã.

Melhor para o Irã. Nenhum dos dois países tem interesse numa guerra, mas se ela vier um desastre militar para o país persa parece inevitável.

Como o Afeganistão e o Iraque demonstram, isso não significa vitória política.

Mas a possibilidade de destruição do regime dos aiatolás é clara, o que obriga Teerã aos passos políticos tomados após o assassinato do general Qassim Suleimani pelos EUA na semana passada.

Manifestante beija o cartaz com o rosto de Qassim Suleimani, no Iêmen - Mohammed Mohammed/Xinhua

Por mais que os discursos falem em vingança, os iranianos jogaram a última carta que tinham na discussão sobre seu programa nuclear, abandonando na prática as limitações do acordo de 2015.

O acerto servia para impedir o país de obter a bomba. Mísseis para jogá-la sobre os vizinhos e até sobre a Europa o Irã já tem. Especialistas creem que agora isso pode ser alcançado em um ano.

Donald Trump sempre reclamou que o acordo não coibia exatamente o tipo de trabalho que o general Suleimani fazia: infiltração para desestabilizar regimes adversários e criar uma esfera de influência liderada pelo centro xiita, em oposição à liderança rival sunita da Arábia Saudita —a disputa é política, mas também sobre visões distintas do Islã.

Mas Trump não é bem visto por seus colegas do Ocidente e quando deixou o acordo em 2018 foi acusado de aumentar o risco de conflito na principal área petrolífera do mundo.

Isso reduziu o chão sob os pés de Teerã, que voltou a sofrer sanções. O resultado foi um acirramento da oposição ao regime instalado pela revolução teocrática de 1979, com talvez milhares de mortos pela repressão.

Suleimani optou por agudizar suas ações externas. Na Síria, elas eram bancadas parcialmente pela Rússia de Vladimir Putin, com limites impostos pela relação boa do Kremlin com Israel.

O Irã viu também protestos em outro país no qual mantém forte influência, no Líbano. No Iraque, que o Irã vê como um protetorado xiita, as manifestações nacionalistas apontaram o dedo contra a presença de Teerã no país.

Isso levou aos atos contra aliados, como o uso de xiitas iemenitas para atacar uma refinaria saudita, e também contra americanos: a morte de um provável mercenário e o cerco à embaixada local.

A ação trouxe ecos da traumática invasão da representação em Teerã na revolução. Planos para matar Suleimani existiam há anos, mas sua presença em Bagdá insinuava um recrudescimento na campanha contra Washington.

Mas explodir um general de um país com o qual não se está em guerra levou condenações de aliados a Trump, a começar pelos europeus.

Assim, Teerã busca ampliar a divisão entre os países do Ocidente sobre o tema, tentando forçar Trump a ceder nas sanções. Essa lógica veda a ideia ventilada de que haverá incentivo ao terror, como no passado. Isso retiraria a posição de vítima momentânea dos iranianos.

Já atacar uma das bases militares dos EUA no Oriente Médio, que abrigam cerca de 70 mil soldados, é mais difícil e garantiria o bombardeio da lista dos 52 alvos que Trump diz ter em mãos.

Esse cenário poderia levar a uma guerra mais ampla, embora especulações nesse sentido, sobre um tira-teima entre árabes e israelenses enquanto os EUA pressionavam Saddam Hussein no Iraque, nunca tenham prosperado.

Hoje, ainda há o agravante de que as monarquias do Golfo e a Turquia são adversárias do Irã.

Teerã tem meios de se defender e é uma potência regional que sempre contou com a assimetria de suas ações: ciberterrorismo, infiltração e uso de grupos aliados como o Hizbullah libanês.

Se for alvo de uma campanha aérea dos EUA e talvez de Israel, tem como trunfo apenas os 32 sistemas de defesa aérea S-300 russos, recebidos em 2016 após 11 anos de protelação, e sua versão local.

Móveis, eles são muito efetivos contra aviões voando alto, mas menos contra mísseis de cruzeiro rentes ao solo —pela curvatura da Terra, eles só ficam visíveis ao radar a poucas dezenas de quilômetros das baterias.

O braço aéreo do Exército iraniano é equipado com uma bizarra e obsoleta combinação de caças soviéticos e americanos pré-revolução.

Já sua marinha pode causar danos limitados no estreito de Ormuz, por onde passa boa parte da produção mundial de petróleo.

Já a capacidade americana é incomparável. A questão é que Trump parece mais interessado em emular o que Bill Clinton fez em 1998, ao bombardear Saddam por quatro dias enquanto sofria impeachment na Câmara.

E há a eleição no fim do ano, que comporta tanto a unidade em torno de um líder em guerra quanto a crítica a mais um conflito inútil.

Nada disso comporta a ideia de uma invasão, sempre mais arriscada. Mesmo com a maior força da região, 523 mil pessoas em uniforme, o Irã carece de equipamentos modernos.

Seus 1.513 tanques são antigos modelos soviéticos e britânicos —há até 35 blindados brasileiros Cascavel, capturados de Bagdá na guerra de 1980-88.

Uma exceção são os drones, apesar de não serem comparáveis ao Reaper que matou Suleimani.

Outra, os cerca de 150 mísseis balísticos que Teerã opera, sua verdadeira força de dissuasão e alvo primário de qualquer ataque mais sério.

Contra a argumentação acima há o risco de erros. E, se a morte de Suleimani parece ter unido o Irã, isso demandará ação caso as manobras políticas não tenham efeito rápido. Se ocorrer, a saída americana do Iraque é um sinal promissor para Teerã.

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